Já faz nove anos desde que Décio Olegário, 74 anos, deixou o trabalho no porto. Mas as mãos calejadas são lembranças permanentes de uma vida inteira dedicada à estiva. O coração, que já não aguenta o trabalho pesado, ainda bate forte cada vez que ele ouve o apito dos navios. Para o aposentado, o porto é uma paixão.
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É assim, também, para muitos dos quase 2 mil trabalhadores que hoje atuam diretamente nos terminais de Itajaí e Navegantes. Carregando ou descarregando navios, cuidando da segurança ou da administração dos portos, eles movimentam a principal matriz econômica das duas cidades, uma força que equivale a 60% da receita em Itajaí.
Sentir-se parte de um comércio de proporções mundiais, feito em imensos navios que cruzam os mares carregando todo tipo de mercadoria, tem seus encantos. Mas é a rotina do trabalho no porto é o que mais mexe com as lembranças de Olegário:
– Tenho muita saudade do trabalho, das amizades que fiz. Os anos passaram sem que a gente visse.
O que o estivador viu, e de perto, foram as mudanças nos terminais – em tamanho, vocação e importância. De 1979 até 2004, quando Olegário deixou o porto de vez, Itajaí havia passado de um terminal madeireiro e graneleiro ao maior movimentador de cargas frias no país e o segundo maior porto brasileiro.
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Da janela
A relação do aposentado com o Porto de Itajaí começou ainda na infância, quando, da janela de casa, ele via os pequenos barcos que chegavam à foz do Itajaí-Açu. Na época, o trabalho era feito, literalmente, no braço. Fardos de madeira e sacas de grãos desciam e subiam dos navios nas costas dos estivadores. Além de pesado, o trabalho no porto era muitas vezes perigoso.
– Vi muitas mortes no porto, gente caindo de navio e acertada por guindaste. Tive a sorte de nunca ter sofrido nada. Ainda bem que as coisas mudaram muito. A gurizada de hoje em dia não sabe o que é porto – comenta.
Navio no porto é dinheiro chegando
A gritaria na sala de escalas dos arrumadores do Porto de Itajaí é música para os ouvidos de Aldo Luiz da Silva, 55 anos. Já são 38 anos de trabalho no terminal e luta pela classe. Nem mesmo um acidente ocorrido oito anos atrás, quando feriu-se na pá de uma empilhadeira, conseguiu afastá-lo do porto. As marcas ficaram no braço direito, mas não tiraram de Silva o gosto pela profissão:
– Tenho muito orgulho de ser arrumador.
Silva é filho de portuário, começou a trabalhar no terminal aos 17 anos e faz parte da categoria de trabalhadores que atua nos portos públicos, através do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). Diz que as condições de trabalho melhoraram com a chegada dos contêineres e do maquinário.
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Mas, em compensação, reduziram as vagas de trabalho – em parte, devido à entrada de novos terminais na região. Mesmo prestes a se aposentar e já calejado pelos anos de trabalho, o arrumador não perdeu o gosto de ver os navios manobrando no Itajaí-Açu:
– Navio entrando é dinheiro entrando. Tudo o que tenho na vida foi o porto que me deu. Para mim, trabalho é como uma cachaça.
Ao homem, o trabalho que a máquina não faz
Conduzir um gigante com mais de 300 metros, girá-lo 180º em um rio tão largo quanto a embarcação e encostá-lo por fim, em segurança, junto ao cais. O trabalho do prático é, em tese, marítimo, e não portuário. Mas a relação estreita entre atividades tão dependentes faz desse profissional uma figura essencial na movimentação de cargas nos portos.
Em Itajaí, onde as manobras são consideradas difíceis, o trabalho da praticagem tem uma pitada a mais de adrenalina.
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– Não se pode errar. Depois que o navio entra no canal tem que seguir em frente, não há como desistir – diz Ricardo Pereira Nunes, 35 anos, um dos mais jovens práticos de Itajaí.
Nunes foi oficial da Marinha por 11 anos até decidir dedicar-se à manobra de navios mercantes. Nascido no Rio de Janeiro, precisou aprender sobre as particularidades e os caprichos do Itajaí-Açu para, enfim, estar apto a conduzir embarcações imensas até o cais.
O trabalho minucioso depende dos olhos e do sangue-frio do prático. As mais modernas máquinas não teriam condições de manobrar os navios sozinhas em segurança. Por isso, o trabalho do prático é o mesmo no mundo todo.
– O navio é pesado demais, e o prático tem que antever o problema porque a resposta é demorada. É um trabalho difícil, já que os navios são os maiores objetos móveis no planeta. Mas, quando termina, a sensação é de dever cumprido – afirma Nunes.
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Porto de Itajaí em números
– 2 mil trabalhadores portuários atuam no Complexo do Itajaí-Açu
– 650 estão ligados ao OGMO (Órgão Gestor de Mão de Obra)
– 1 milhão de TEUs (unidade internacional equivalente a um contêiner de 20 mil pés) foram movimentados no complexo no ano passado
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– A estimativa é que 60% da economia de Itajaí esteja ligada à atividade portuária
Dia do portuário
A comemoração do Dia do Portuário em 28 de janeiro remete à data da abertura dos portos brasileiros para o comércio exterior em 1808, após a chegada da corte portuguesa ao Brasil.