Durante dez dias de setembro de 1990, Joelma pôde amamentar e conhecer um pouco do menino sorridente e de pele branca que havia dado à luz em Joinville.

Continua depois da publicidade

– Ele ria tanto, tadinho. Parecido comigo, eu também sou alegre. Decerto Deus sabia que eu sofreria muito na vida -, lembraria ela, 22 anos depois, torcendo as mãos marcadas pelo trabalho de diarista.

O contato com o bebê e os planos de chamá-lo de Joelson se encerraram na tarde em que a adolescente de 16 anos teve de entregá-lo a um casal italiano para adoção. Era o trato, conta Joelma.

– Eles [as pessoas que a abrigaram durante a gestação] disseram que não me faltaria nada durante a gravidez, mas que o bebê seria deles assim que nascesse.

Continua depois da publicidade

A história da diarista Joelma está viva na memória dela, de parte da família e das pessoas que, em troca do bebê, “cuidaram” da menina retirada de casa durante a gestação. Não há registro na Justiça nem em delegacias de polícia da ajuda pela qual foi cobrada ilegalmente uma criança.

A própria joinvilense nunca havia pensado em unir os pontos do seu drama até se convencer de que o reencontro é possível, como mostraram as reportagens da série “Órfãos do Brasil”. Foi quando a diarista teve a esperança de saber notícias ou até de rever o rosto do filho.

Do jovem de 22 anos, ela sabe apenas que os pais adotivos o batizariam de Matteo – nome de 2,5% dos meninos nascidos em 2010 na Itália, segundo o instituto de estatísticas do país. Joelma também tem outros nomes. Um deles é o de um advogado, morto em 2000, que tratou da adoção. Foi localizado pelo pai da garota em apenas dois dias, o que até hoje a surpreende.

Continua depois da publicidade

– Meu pai não conhecia ninguém. Como ele conseguiu achar esse homem? -, se pergunta ela, que nunca conseguiu manter relacionamento próximo com o pai depois disso.

Os outros nomes são os das duas irmãs que cuidaram dela em uma casa de muros altos na rua Fátima. Joelma volta e meia passa pelo lugar, onde atualmente há um prédio de apartamentos para alugar.

– Me dá um aperto tão grande -, conta. Ela afirma ter ficado ali os sete últimos meses de gravidez.

Continua depois da publicidade

O bebê veio ao mundo em 10 de setembro de 1990, por volta das 14 horas, na Maternidade Darcy Vargas. Lá, uma enfermeira que costumava conversar com o advogado enchia Joelma de carinho – levava refeições e, afagando a mão da garota, dizia a ela que “a escolha [pela adoção] era a melhor”. Depois do nascimento do filho, que saiu do hospital sem registro, Joelma teve os dez dias para brincar de casinha com ele.

Logo foi informada de que o casal que adotaria o menino havia se hospedado em um hotel no Centro de Joinville. Mais três casais estavam no hotel à espera de outras crianças. Inconformada, pulou o muro, tomou um táxi mesmo sem dinheiro e desceu no escritório do advogado, na rua 9 de Março. Teve tempo de observar o bebê no colo de uma mulher alta, loira e encorpada.

– Mas me seguraram e disseram que estava tudo feito -, lembra.

Convidada a sair da casa depois de a criança deixar o País, Joelma se desesperou.

– Falei que eu tinha só um colchão para recomeçar a vida. Então, o advogado mandou me entregar um fogão, novinho da loja, e um armário -, lembra.

Continua depois da publicidade

Era como se fosse o preço pela criança e pelo silêncio.

Passados 22 anos, todos os crimes a que os aliciadores poderiam responder judicialmente já prescreveram. Mas Joelma ainda não consegue falar sobre o assunto sem lágrimas virem aos olhos.

– Me sinto envergonhada. Que tipo de mãe dá um filho? -, se pergunta, mostrando o temor que tem de ser julgada pela opinião alheia.

O mesmo medo a fez esconder o rosto nas fotografias desta edição de “AN”. Mas ele não é menor do que a vontade de reencontrar o filho, esperança que a fez permitir que seu nome fosse divulgado.

Continua depois da publicidade

LEIA MAIS:

Brechas persistiram