Geraldo Garcia tem 50 anos e é apaixonado pelos esportes radicais. Na lista de aventuras está o parapente, escalada, rapel, vela oceânica, mergulho, slackline, stand up paddle, caiaque e muitas viagens quilométricas feitas a pé e de bicicleta. Natural de Imbituba, no litoral sul de Santa Catarina, ele se mudou com a família para Florianópolis aos dois anos e cresceu no bairro Agronômica.

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Filho de mãe costureira e pai alfaiate, começou a trabalhar muito cedo, aos 12, como vendedor de picolé. Desde então nunca mais parou, nem mesmo com as adversidades do destino.

Da venda de picolé ele passou para entregador de compras em supermercado, depois foi técnico em eletrônica, se formou em administração e atualmente está no ramo de panificação, como sócio da esposa Andrea Lorenzi, 50.

A charmosa padaria Família Lorenzi, na esquina das ruas Rui Barbosa e São Vicente de Paula, foi fundada na década de 1960 pelos pais de Andrea e há 25 anos o casal toca o negócio. É lá onde Geraldo passa boa parte do seu dia e encontra amigos e clientes para um cafezinho e uma boa conversa.

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Curvas do Destino

Até aí, a história de Geraldo se assemelha a vida de muitas pessoas. Casado, pais de dois filhos adolescentes, trabalhador e apaixonado por esportes, que gosta de praticar aos fins de semana. Mas, um acontecimento inesperado quase interrompeu a sua trajetória.

Foi na véspera do Natal de 2014, uma data que nunca será esquecida. Geraldo tinha saído ainda de madrugada do Rio Vermelho, no norte da Ilha, para abrir a padaria na Agronômica. Em uma curva na rodovia SC-406, próximo ao Camping da Barra, a moto em que ele pilotava se chocou contra um carro que estava na contramão. Segundo Geraldo, o motorista estava embriagado.

— Eu lembro que entrei numa curva bem fechada e vi um clarão, depois não me lembro de mais nada. O acidente foi grave. Estragou o meu corpinho — brinca.

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A batida, por pouco, não tirou a vida de Geraldo. Foi um mês e meio em coma e mais um ano acamado, sendo cuidado por enfermeiros 24 horas. Ele precisou amputar a perna esquerda, perdeu totalmente os movimentos do braço esquerdo, ficou cego de um olho e enxerga apenas vultos. Também fraturou a coluna e possui metal em várias partes do corpo.

— Eu tinha coágulos no crânio e na época os médicos falavam que se eu sobrevivesse, ficaria igual ao Schumacher (Michael, ex-piloto de Fórmula 1 que sofreu graves lesões cerebrais em 2013 em um acidente de esqui), vegetando e com deficiência mental, inclusive. Mas todos os coágulos se dissiparam, menos o da visão.

Após um ano do acidente foi que Geraldo começou a reabilitação para fortalecer os músculos e recuperar os movimentos. E se alguém imaginou que ele desistiu de praticar uma das suas maiores paixões na vida, que se deixou abater pela peça que o destino lhe pregou, se enganou completamente. Amante dos esportes radicais, ele nunca desistiu, mesmo com as limitações do seu corpo.

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— A minha história deu uma mudada forte porque eu consegui adquirir os movimentos e comecei a inventar coisas, a inventar maneiras de me locomover, maneiras de subir escada, de remar um caiaque — conta.

Com um bloco de isopor, apelidado carinhosamente de perninha de Lego, ele consegue subir escadas e com um remo adaptado pratica caiaque religiosamente todos os fins de semana. Geraldo chegou a inventar um pé de pato adaptado com nadadeira, mas não deu muito certo.

— Nessa procura ansiosa por voltar a praticar alguma coisa, que é a minha paixão, tenho voado de parapente duplo, tenho saído com os amigos para praticar a vela oceânica, claro que da forma mais adaptada possível, consigo nadar, remo caiaque com muita eficiência, mesmo com um braço só — diz Geraldo sobre suas conquistas.

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Outras pessoas que têm alguma deficiência ou que perderam um dos braços se inspiram em Geraldo.

— As pessoas não imaginavam que não tinha, em lugar algum, um remo adaptado para um braço só.

Com as técnicas de simples amarrações e nós da vela oceânica e da escalada, tive a ideia de amarrar o remo no colete e eu consegui fazer o remo virar um pêndulo e com um braço só fazer uma remada perfeita dos dois lados — explica.

Hoje, ele faz parte de um grupo de nadadores em mar aberto, que nadam com remadores de caiaque ao lado, e todos os fins de semana pratica a modalidade em alguma parte de Florianópolis, como Pântano do Sul, Ilha do Campeche e Ilha do Francês.

Superação não se conquista sozinho

Quem o vê hoje, seja trabalhando na padaria ou em pleno mar aberto, não imagina que Geraldo passou por tantas adversidades. Claro que ele sofreu, mas o apoio que recebeu da família e dos amigos tornou este obstáculo apenas mais um desafio que ele, assim como nos esportes, superou.

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— O esporte para mim sempre foi algo muito desafiador. Quando surgia uma adversidade eu tentava fazer uma correlação com o esporte, porque no esporte radical você sempre está sendo desafiado e isso eu trazia para a vida.

Escovar os dentes, que para a maioria é uma atividade simples de ser executada, foi uma dessas pequenas conquistas para Geraldo.

— O prazer dessa conquista foi o mesmo de quando eu pratico voo livre, é de certa forma difícil de descrever.

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Toda essa trajetória virou inspiração para muita gente. Geraldo já foi convidado para palestrar em diversas entidades e contar a história de superação que ele construiu. O próximo evento será na quinta-feira, na loja Decathlon, na SC-401, bairro Saco Grande, próxima ao Floripa Shopping, às 19h30min, com entrada gratuita.

— Me dá um prazer muito grande perceber que estou ajudando pessoas com esta minha história de motivação. Tenho alguns colegas que são deficientes físicos e estavam tristes por causa da deficiência. Não encontravam possibilidades de praticar alguma coisa. Quando eles descobriram que eu, sendo cego, sem uma perna e sem um braço, estava dando um jeito, isso deu uma motivada nessa galera e isso me deixa muito feliz — diz.

Para Geraldo, o prazer de viver fala mais forte e ele não guarda magoas do acidente e das deficiências. Aceitou os acontecimentos do destino e fica pra lá de faceiro por estar com o cognitivo perfeito e ter um braço e uma perna que lhe dão muita mobilidade.

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— É muito curta a nossa passagem pela vida. Ficamos ligados a reclamações, angustias e as nossas picuinhas do ego e esquecemos de viver intensamente. Eu reconheço que eu tenho um lado positivo de olhar para a vida e tenho certeza que essa minha felicidade tem tudo a ver com a minha família e meus amigos, mas também tem muito meu, de não deixar a vida passar.