As fotos são daquele que seria um ensaio de gravidez, mas as imagens são um pouco diferentes. Não há barrigão e as crianças estão grandes. Ao invés de uma gestação, as fotografias registram o marco dos nove meses de uma união que não começou no ventre, e sim no coração. A história de Karoline Pinto e Jonathan Roloff cruzou com as de duas meninas, agora com 11 e quatro anos, e um menino, com cinco, no dia 17 de agosto de 2017. Mais precisamente às 18h45min de uma quinta-feira, quando a ligação da assistente social foi recebida. Ela anunciava a disponibilidade da adoção de três crianças que passaram mais de dois anos acolhidos em um lar temporário.
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— Foi um trabalho de parto mesmo. Começou a dar um suador. Nossos filhos estão chegando, eu dizia para o Jonathan ao telefone — lembra a jornalista de 36 anos.
O processo de habilitação do casal levou quase um ano e, após 13 dias no cadastro de adoção, o sonho se tornou realidade para os cinco. O período é considerado relativamente rápido por Karoline, muito pela falta de exigências dela e do marido em relação às crianças. Eles contrariam as estatísticas da adoção. Atualmente há no Brasil mais de 43 mil pessoas habilitadas para dar uma família àqueles que, por algum motivo, não vivem mais com os pais biológicos. Paralelamente, existem quase 9 mil crianças e adolescentes na fila de espera por um lar.
Para a juíza da Vara da Infância e Juventude de Blumenau, Simone Locks, essa discrepância é criada pela falta de equipe técnica para dar celeridade aos processos de análise dos candidatos à adoção e da situação das crianças e adolescentes que estão nos abrigos. O desafio está também no excesso de exigências e padrões de quem busca adotar.
— Hoje, o perfil mais escolhido é recém-nascido, de até três anos, de pele branca, meninas, de olhos claros. Por isso, a espera é tão grande e chega a ser de até oito anos, afunila muito — aponta a magistrada.
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Os dados do Conselho Nacional da Justiça (CNJ) corroboram para a afirmação da juíza e reforçam a importância de debater o assunto, principalmente no mês em que é celebrado o Dia Nacional da Adoção, comemorado na última sexta-feira, dia 25. Entre os interessados em adotar no país, 77% aceitam apenas crianças com até cinco anos. Para aqueles que passaram dos 11, a perspectiva é alarmante, uma vez que menos de 3% dos candidatos têm interesse em recebê-los. O cenário é agravado quando há irmãos, o que é uma realidade para mais da metade deles, pois 63% dos pretendentes não estão dispostos a adotar nessa condição. Na região Sul, apenas 45% informaram aceitar criança negra.
No ponto de vista de Karoline, não adianta delimitar como a criança ou o adolescente deve ser. Para ela, nesse processo não existe escolha, e sim encontro:
— Os pretendentes querem filhos utópicos e nos abrigos não existem crianças utópicas, existem crianças reais. É tão pequeno isso, não desmerecendo o sonho de ninguém, mas é tanta criança no abrigo que foge desse padrão, seja racial ou de idade, carente de ter uma família e ao mesmo tempo famílias que esperam anos para ter um filho — afirma a mãe.
Motivação é que precisa mudar
Atualmente, Santa Catarina é o sexto Estado do país com maior número de pretendentes à adoção (2.678) e o sétimo com maior quantidade de crianças e adolescentes à espera de uma família (311). Desde agosto de 2016, quando os dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) foram divulgados, apenas 24 abrigados de Blumenau, Rio do Sul e Balneário Camboriú ganharam uma família. Destes, 20 com idade entre zero e cinco anos, e 15 são brancos.
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Nesse período, de um ano e nove meses, apenas uma criança com mais de 10 anos deixou o lar provisório nessas cidades, fato ocorrido em Rio do Sul. E só uma criança negra foi adotada, em Blumenau. Diante dessa realidade, a juíza da Vara da Infância e Juventude de Blumenau, Simone Locks, é enfática:
— A motivação de uma adoção tem que ser porque a pessoa quer proporcionar afeto àquela criança que está no abrigo.
Esse desejo foi o combustível que embasou a decisão da tenente Stella Reinke e do professor Márcio Rastelli. Os agora pais de duas meninas, uma com nove e outra com três, e um menino, com sete, lembram emocionados do primeiro encontro, quando Stella foi questionada pela mais velha dos três irmãos: “é você que quer ser minha mãe?”. Ali começou um processo de conquista mútua e de respeito aos limites de cada um. Para a mãe, são duas vidas, uma antes e outra depois da chegada das crianças.
— Tem momentos de muita alegria e felicidade, mas tem também o estresse do dia a dia normal, às vezes, precisa dar bronca — conta o pai.
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Essa jornada, recém-iniciada por Stella e Márcio, Cinthia Canziani conhece bem. Há 11 anos ela trilhou o caminho que a levou aos dois filhos, hoje com 12 e 14 anos. Ela se lembra dos desafios enfrentados com a chegada das crianças, mas não tem dúvidas de que faria tudo de novo:
— Que bom é poder dar amor para quem a gente escolheu amar — pontua.
Cinthia diz que lamenta quando ouve expressões como “filho adotivo” e questionamentos como “essa é a criança que você pegou para criar?”. A quem pretende adotar, a comunicadora recomenda se livrar de exigências.
— De onde eles saíram é exatamente o que não importa. O que importa é que eles são meus filhos — conclui.
Apoio após adoção é essencial
Para dar suporte aos pais e às crianças e adolescentes adotados, o Grupo de Estudos e Apoio à Adoção em Blumenau começou, neste ano, o projeto “Nosso filho chegou, e agora?”. Atualmente, são 12 famílias que participam de reuniões em grupo feitas periodicamente. Elas adotaram crianças acima de três anos ou grupos de irmãos. O objetivo é que elas possam compartilhar as experiências vivenciadas durante o processo de adaptação com os filhos.
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A vice-presidente da entidade, Iara Parisoto, explica que essa é a fase mais complicada, pois cada um tem seus costumes. No grupo, eles podem falar sem medo pelo que passam, porque todos estão na mesma situação. Segundo ela, muitos desafios são os mesmos, e a maior barreira a ser superada está no adulto, para lidar com a bagagem da criança.
– Toda criança merece uma família, e só quem adota sabe como é bom ter essa família. É um amor incondicional que a gente nunca imagina que vai sentir por alguém que nunca viu antes – reitera Iara.
*Colaborou Adriano Lins