A proposta de reforma da Previdência elaborada pelo governo federal, que prevê idade mínima de aposentadoria de 65 anos, indica que deverá ser mais comum — e necessário — o trabalhador brasileiro seguir na ativa após os 70 anos para contar com a aposentadoria integral. Mas, ainda antes que a Constituição seja alterada, não faltam exemplos de idosos que continuam por opção no mercado de trabalho.

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O administrador Pedro Pereira Gomes, 66 anos, conquistou o direito à aposentadoria em 2008 após trabalhar por sete anos na Secretaria de Estado da Saúde e, depois, por três décadas como concursado na Eletrosul. Diferente da maioria dos amigos da mesma geração, que já encerraram as atividades no mercado de trabalho, ele continua na estatal de energia. O homem de cabelos brancos nem pensa em levar uma vida tradicional de aposentado, a não ser nas férias, quando costuma viajar com a esposa.

– Nunca pensei em parar. Tento me manter trabalhando, mas também sempre dignificando o trabalho, porque gosto. Se tiver que sair, vou procurar outro – promete, enquanto enumera as ações que fazem com que se sinta ativo: oito horas de sono, futebol semanal, alimentação saudável e uma vida sem exageros.

Incrementar a aposentadoria também faz com que a copeira Lourdes Adriano, 80 anos, continue trabalhando. A manutenção da atividade social é outro incentivo. Contratada aos 50 anos por uma terceirizadora de serviços gerais, ela soma três décadas em órgãos públicos. Da limpeza, migrou para o cafezinho e, por vezes, atua até de Mamãe Noel – não sem antes de acordar às 4h30min, sair de casa às 5h30min e caminhar da Costeira ao Pantanal, em Florianópolis.

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– Ficar só aposentado também não dá, né? Se eu contasse apenas com a aposentadoria, conseguiria pagar só água, luz e telefone. Com esse adicional, arrumo minha casa toda, saio para dançar e até participo de escola de samba. Tenho saúde, graças a Deus, e só vou parar quando não aguentar mais – afirma.

Depois de décadas atuando como representante de laboratórios, Romário Santana Moreira, 80 anos, foi demitido e acredita que a idade avançada tenha sido o motivo. Hoje, é empacotador no supermercado Angeloni, que tem 250 colaboradores com mais de 60 anos nas 27 lojas de Santa Catarina devido a uma política implementada em 1998. Conforme o departamento de Recursos Humanos da empresa, há uma adequação do cargo às necessidades da pessoa. Como Moreira acredita que o trabalho dá saúde, prefere cumprir as horas diárias em pé.

– Desde os 12 anos, trabalhei em muitas áreas. Mas aí a idade chegou e tive que sair. Mas eu precisava ganhar e também gosto de trabalhar. Foi quando descobri o Angeloni, que é a minha casa – alegra-se, ao acumular 16 anos de trabalho na frente de caixa.

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Manter-se ativo é a única alternativa

O economista, mestre em sociologia política e gestão em políticas públicas Eduardo Guerini defende que a ideia do idoso ativo no mercado de trabalho, além de falsa, tem impacto perverso.

– Não existe velhinho esportista aos 80 anos, só no topo da elite brasileira. A maior parte chega aos 60 anos doente. Além disso, as pessoas que contribuíram têm direito de se aposentar. Chega um tempo da vida que é preciso desfrutar. Mas desfrutar com um salário mínimo, como acontece com 90% dos beneficiados, acaba sendo um desafio.

Se pudesse, a cuidadora de idosos Marlene Krüger, 60 anos, preferiria descansar. A mulher de Florianópolis está dando entrada no processo de aposentadoria após 28 anos de contribuição, mas vai continuar trabalhando por tempo indeterminado. Ela se queixa do momento atual em relação à previdência social, que considera instável.

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– Comecei a trabalhar aos 14 anos e, naquela época, se falava que era preciso só 25 anos de trabalho. Eu esperava me aposentar com 39. O momento atual é de preocupação, já penso em reprogramar e ver se vale a pena investir em previdência privada – cogita.

Já o pesquisador da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Eduardo Humeres ilustra a elite mencionada por Guerini. Aos 84 anos, o químico aposentado em 2002 continua publicando artigos científicos e orientando projetos de pesquisa, mas de forma voluntária, sem receber a mais por isso. Para ele, é um prazer trabalhar, já que a curiosidade de um cientista nunca morre, mas entende que não reflete a realidade da maioria da população:

– Não é um trabalho que demande força grande. Faço pesquisa, dou poucas aulas, muito diferente de outros professores, que precisam dar aulas todos os dias para sobreviver mesmo com idade avançada.

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Por mais que o Estatuto do Idoso garanta o exercício da atividade profissional para esse público, o professor do Departamento de Ciências da Administração da UFSC Eduardo Bosquetti lembra que a permanência dos mais velhos no mercado gera disputa com os jovens. Ele lembra que a reforma previdenciária pode aumentar o desemprego entre os mais novos.

– Nos países desenvolvidos, os aposentados utilizam o tempo em trabalhos voluntários, alavancando iniciativas do terceiro setor. No Brasil, é difícil apontar setores que absorveriam trabalhadores com idade mais avançada – conclui Bosquetti.