Lendas do imaginário açoriano, passadas de geração a geração, ajudaram a moldar o folclore de Florianópolis, que completa 350 anos nesta quinta-feira (23). As histórias de bruxas foram tão disseminadas que levaram a capital catarinense a ser chamada de “Ilha da Magia”. Em comemoração ao aniversário da cidade, o g1 sc reuniu algumas lendas mais conhecidas pelos locais.

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Uma placa da prefeitura fixada em frente ao conjunto de pedras na praia do Itaguaçu, região continental de Florianópolis, conta uma das lendas mais conhecidas da região.

Diz a história que as rochas sobre o mar seriam, na verdade, bruxas petrificadas pelo diabo após uma festança glamorosa por elas organizadas. Elas chamaram lobisomens, vampiros, boitatás e outras criaturas, conta a lenda. O diabo, no entanto, ficou de fora do evento, já que fedia a enxofre. Quando soube que foi rejeitado, ficou enfurecido e as transformou em pedras.

O “Baile das Bruxas em Itaguaçu” foi assinado pelo escritor e museólogo Gelci José Coelho, o Peninha.

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A jornalista e professora Maria Isabel Rodrigues Orofino, ou Bebel Orofino, como é conhecida, reproduz muitas dessas histórias em livros dedicados ao tema, inclusive o fez junto a Peninha. Ela enaltece as características dessas mulheres.

— Se ela foi demonizada, se ela foi desqualificada [no passado], vamos entender isso. Tanto que as bruxas [da lenda] do ‘Baile de Itaguaçu’ são belíssimas […]. Não tem essa de que as bruxas são mulheres feias, malcuidadas e sem autoestima. Pelo contrário, são belíssimas, sedutoras e poderosas — defende.

Lenda do "Baile de bruxas em Itaguaçu" é contada em placa instalada pela prefeitura
Lenda do “Baile de bruxas em Itaguaçu” é contada em placa instalada pela prefeitura (Foto: Sofia Mayer/ G1)

Leia também: Quantas Florianópolis cabem aqui? As histórias de quem escolheu viver na Capital nesses 350 anos

Sumiço de barco

As lendas da Ilha revelam bruxas brincalhonas, que não detêm maldade. De acordo com Bebel, elas perturbam, sobretudo, aqueles que antes a perturbaram. Em geral, alvoroçam o universo masculino.

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A história que a rendeira Maria da Glória Viana Soares, a dona Glorinha, ouviu na infância reforça personalidade delas voltada às peripécias. Moradora do bairro Sambaqui, ela se sente conectada ao imaginário dos antepassados açorianos, e repassa os causos também a seus filhos.

— Minha mãe contava que o meu avô pescava. E, quando chegava a noite de lua cheia, ele saía para pegar a canoa e ela não estava lá. Ele achava que era um amigo dele que pegava emprestado, mas isso aconteceu várias vezes, [durante] vários meses.

Glorinha conta que, certa vez, o avô decidiu se esconder embaixo do banco da canoa, no bairro Vargem Pequena, para conseguir identificar quem estava usando o barco sem permissão dele.

— Quando deu meia-noite, chegaram aquelas mulheres rindo, rindo, rindo, rindo. E elas pularam para dentro da canoa, pegaram o remo e foram remando. Aí ele pensou: ‘Ai meu Deus, são as bruxas’ . Chegaram em uma ilha, encostaram o barco e saíram rindo — conta.

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Rendeira Maria da Glória Viana Soares,
Rendeira Maria da Glória Viana Soares, a dona Glorinha, ouviu histórias de bruxas na infância (Foto: Tiago Ghizoni)

Caça às Bruxas

No período da Caça às Bruxas, na Idade Média, mulheres acusadas de feitiçaria pela Igreja Católica foram mortas na fogueira. Nas histórias de Florianópolis, segundo Bebel, mulheres com “poderes quiméricos”, que “curam e que transformam realidades”, também foram atacadas e isoladas, de certa forma.

As histórias que foram relatadas à benzedeira Camila Gomes, de 42 anos, revelam o imaginário patriarcal em Florianópolis, comentado pela pesquisadora e jornalista.

— Eu tive uma tia bisavó considerada bruxa. A comunidade botou fogo na casa dela. Morreu queimada por uma desavença com o vizinho. Era uma mulher livre, sozinha, não tinha marido, não era religiosa. […] Ela pescava, plantava, não dependia de homem. Era considerada bruxa — relata.

Seguidora do folclorista Franklin Cascaes – pesquisador da cultura açoriana e artista que se empenhou na manutenção de personagens fantásticos da Ilha e região -, Bebel reconhece a visão patriarcal que existe em alguns contos do passado.

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— Como Cascaes recolheu a narrativa dos colonizadores açorianos, ela ainda é uma narrativa em que a bruxa é punida. E, aos poucos, com a própria reflexão contemporânea, a gente está conseguindo entender que essas mulheres foram, na verdade, silenciadas, elas eram as grandes benzedeiras — pontua Bebel.

Dentre tantas histórias sobre bruxas, as que os açorianos mais ouviam falar era sobre crianças embruxadas. Eram chamadas assim quando adoeciam sem qualquer motivo e eram desenganadas pelos médicos.

— Eu não acredito na história da criança embruxada. Porque eu não posso nem imaginar uma coisa dessa […] Cascaes dizia que o povo não tinha acesso à medicina, não conhecia higiene. As crianças ficavam doentes, e eles diziam que a criança estava embruxada — comenta.

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