Municípios do interior, onde quase todas as famílias se conhecem e a polícia reconhece quase todo mundo. São características de 36 cidadezinhas catarinenses, a maioria com menos de 3 mil moradores, e um privilégio em comum: não registram um único assassinato há pelo menos seis anos. Concentrados em maior número entre o Meio-Oeste e o Extremo-Oeste do Estado, esses municípios não aparecem nas estatísticas de mortes violentas da Secretaria de Segurança Pública desde 2012.

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O mais populoso é Descanso, com 8,4 mil habitantes. Presidente Castello Branco é o menor da lista, com apenas 1,6 mil. Juntas, as 36 cidades onde não se tem notícia de homicídios no período reúnem 123,2 mil moradores, proporção aproximada à população de Brusque. Em outros 131 municípios de Santa Catarina, ocorreram no máximo cinco mortes violentas entre 2012 e abril deste ano.

Isto significa que mais da metade das cidades catarinenses (56,6%) teve média abaixo de uma ocorrência anual nos últimos seis anos e quatro meses, incluindo óbitos em confrontos policiais e latrocínios. Como comparação, Florianópolis somou cinco assassinatos em uma única noite no último dia 5, na chacina ocorrida em um apart-hotel de Canasvieiras.

O que pode explicar realidades tão diferentes dentro do mesmo Estado? Autoridades no assunto indicam que a resposta está justamente nas particularidades das cidades menores. Com exceção de Timbó e seus 42 mil habitantes – que em junho registrou o latrocínio de um médico –, todos os demais municípios com até cinco mortes nos seis últimos anos têm população abaixo de 30 mil habitantes.

Na visão do ex-comandante-geral da PM no Estado e professor dos cursos na área de segurança da Unisul, coronel Nazareno Marcineiro, o convívio social mais próximo nas pequenas comunidades atua como um freio contra a violência. Especialista em polícia comunitária, Marcineiro defende a tese de que a aproximação dos moradores com a polícia e entre eles próprios reflete em maior compromisso com a proteção do próximo. Vizinhos que cuidam uns dos outros são um exemplo prático dessa aproximação.

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— As grandes cidades têm maior número de homicídios por duas razões. O tamanho populacional leva a isso, mas também porque as pessoas têm laços sociais exageradamente frouxos — analisa.

O ex-comandante-geral ainda observa que bolsões de exclusão social são mais comuns nos grandes centros. Em áreas vulneráveis onde o poder público não oferece serviços essenciais e só se apresenta na forma de repressão, destaca Marcineiro, a cultura da violência ganha força e o Estado passa a ser visto como inimigo.

— Quando só a polícia entra em alguns lugares, isto legitima a conduta lá presente — reforça.

Mapa das cidades sem homicídios desde 2012

Conflito de facções concentra mortes nos grandes centros

A atuação das organizações criminosas no Estado também tem influência nas diferenças estatísticas, destaca o secretário do Estado da Segurança Pública desde fevereiro, Alceu de Oliveira Júnior. Professor de direito penal e especialista em criminologia, Alceu aponta que as mortes violentas são impulsionadas por facções em conflito, principalmente pelo tráfico de drogas, o que ainda ocorre em menor escala nos municípios pequenos.

– Parte dos homicídios está relacionada com o crime organizado ou com disputas criminosas. Como a criminalidade organizada está mais presente nos grandes centros do que nas cidades menores, isto é uma consequência — observa.

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Alceu diz que, estrategicamente, as ações contra a criminalidade não são definidas necessariamente por município. Em vez de limites territoriais, são analisadas manchas criminais em regiões inteiras. Segundo o secretário, isto permite que o Estado identifique para onde o crime migra quando operações são concentradas numa determinada área, por exemplo. Análises de cenários ocorrem semanalmente para antecipar ações.

– O crime não tem fronteira. Às vezes, em determinadas regiões que abrangem dois ou três municípios, nós temos índices de ocorrência comuns que já não se resumem à média por município. É um determinado efeito regional que nos leva a desenvolver estratégias regionais – explica.

Entre os trabalhos preventivos, Alceu destaca a mobilização de efetivo, a identificação de lideranças e de áreas criminais, além de iniciativas como a Rede de Vizinhos e o Disque-Denúncia.

Preocupação é maior com pequenos delitos

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Uma pracinha no coração da cidade, rodeada pelos principais pontos comerciais e órgãos públicos municipais. É assim a paisagem em Rancho Queimado, na Grande Florianópolis, um dos 36 municípios catarinenses sem mortes violentas nos últimos seis anos. Basta pisar na cidade para notar que a vida sem pressa e a tranquilidade são compartilhadas pelos 2,8 mil habitantes.

– É tudo tão perto que você não precisa de guarda-chuva mesmo quando está chovendo – brinca Maria Aparecida Abreu, 50 anos, moradora de Rancho Queimado há 28 anos.

A reportagem a encontrou passeando com a netinha Laura, de um ano e 11 meses, em uma tarde de sol que reunia outras pessoas na praça. Ela lembra de um assalto sofrido há cinco anos, quando trabalhava numa farmácia, mas considera um caso isolado porque os bandidos foram presos e eram de fora da cidade. A rotina de despreocupação, diz Maria Abreu, raramente é quebrada.

– Temos problemas com drogas? Temos, mas a coisa é tão pequena que ainda não chega nas escolas – destaca.

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A dona de casa Laureci Hillersheim Kock, 42 anos, mora em Rancho Queimado há oito anos com o marido e dois filhos pequenos. Ela não tem lembranças de casos violentos na região, mas prefere manter alguns cuidados, como não abrir a porta de casa a desconhecidos.

– A gente vê tanta notícia ruim na televisão, né? Não dá para descuidar.

A exemplo de Rancho Queimado, nos demais municípios sem mortes violentas recentes são ocorrências como perturbação de sossego, arrombamentos e pequenos furtos que costumam dar dor de cabeça aos moradores. É o caso de seis cidades no Alto Vale do Itajaí (Amavi): Atalanta, Aurora, Chapadão do Lageado, Dona Emma, José Boiteux e Witmarsum. Não há registro de assassinatos nesse grupo desde 2012.

O secretário-geral da Associação de Municípios do Alto Vale do Itajaí (Amavi) e prefeito de Dona Emma, Nerci Barp (MDB), destaca que a relação entre a polícia e as comunidades vai muito além das rondas.

– Morar num lugar onde você consegue deixar a chave dentro do carro, sair de casa com a janela aberta, é uma tranquilidade. Tem cidades que você não pode se descuidar, precisa ter câmeras, alarmes. Isto é uma preocupação a menos na nossa região. Em um município como o nosso, com 4 mil habitantes, praticamente todos conhecem o policial e o policial conhece muita gente. Às vezes, tem até amizade, toma chimarrão junto. Isto tudo vem a ajudar – destaca o prefeito.

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MUNICÍPIOS SEM MORTES NOS ÚLTIMOS SEIS ANOS

(Janeiro de 2012 a abril de 2018)

GRANDE FLORIANÓPOLIS

Angelina

Rancho Queimado

São Bonifácio

ALTO VALE DO ITAJAÍ

Atalanta

Aurora

Chapadão do Lageado

Dona Emma

José Boiteux

Witmarsum

OESTE/MEIO-OESTE/EXTREMO-OESTE

Águas Frias

Alto Bela Vista

Bom Jesus do Oeste

Descanso

Ibiam

Ibicaré

Iomerê

Lacerdópolis

Novo Horizonte

Ouro

Pinheiro Preto

Planalto Alegre

Presidente Castello Branco

Santa Helena

Serra Alta

Tigrinhos

Tunápolis

União do Oeste

Zortéa

SERRA

Frei Rogério

Rio Rufino

SUL

Ermo

Grão Pará

Morro Grande

Rio Fortuna

Santa Rosa de Lima

Treviso

FONTE: SSP/SC