Michelli Provensi tem mais de uma profissão. Nem só modelo, mas escritora e DJ. Uma nova pode surgir a qualquer momento. Como ela mesma diz, quando um projeto não está andando, abre outra aba, seja uma ideia, a descoberta de uma nova habilidade ou um livro, quem sabe.
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A primeira obra da catarinense que nasceu em São Miguel do Oeste, mas foi criada em Maravilha, ambas no Oeste do Estado, relatou os bastidores da moda sobre o olhar inquieto e observador como modelo. O segundo, “Marinheira de Açude” é um apanhado de crônicas que misturam temas sociais com histórias que ouviu e ouviu na infância, no interior do Estado.
Michelli conversou com a reportagem na última semana. Contou como se tornou modelo aos 16 anos, fez um salve especial para a valorização da literatura catarinense e falou como “qualquer semelhança com a realidade é inconsciente coletivo” ao relacionar sua infância com as crônicas. Também contou como a pandemia e uma mudança para o interior de Minas Gerais lhe fez reviver suas lembranças mais profundas da infância e a inspirou a escrever. Confira os detalhes na entrevista a seguir:
Como você começou sua carreira de modelo?
Bom, eu nunca tinha pensado em ser modelo quando era criança. Meu sonho era ser veterinária, mas quando tinha uns 15 anos a minha irmã viu no Diário Catarinense um concurso chamado “Models College”. Eles escolheram uma modelo, uma menina por escola para participar desse concurso de modelo. Os primeiros lugares deram um contrato com uma agência de São Paulo e na época me inscrevi, mais porque queria visitar a minha mãe, que estava internada no hospital em Florianópolis, e as etapas do concurso eram lá e me inscrevi para poder visitar minha mãe. Mas numa dessas, eles gostaram de mim e acabei ficando em 2º lugar. E foi assim que eu virei modelo.
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Iniciei o concurso com 15, mas completei com 16 anos e foi quando realmente assinei o contrato com a agência. Fui morar em São Paulo com 16 anos. Cheguei em São Paulo e eles estavam criando o primeiro São Paulo Fashion Week, que até então se chamava Phytervas Fashion. Participei já do primeiro São Paulo Fashion Week, fiz quase todos os desfiles. Os grandes estilistas trabalharam comigo muito no início da minha carreira. E a partir do segundo ano comecei a carreira internacional no Japão, depois Paris, Londres, Milão, Nova Iorque e voltei em 2011 para morar no Brasil, 2012, 2011 para morar no Brasil e estou aqui em São Paulo desde então. Só viajo a trabalho.
De modelo a escritora, como foi esse interesse por escrever?
E quando comecei a escrever, era muito mais como uma necessidade de dividir com alguém as coisas que eu estava vendo e conhecendo um pouco. Era uma espécie de diário, não aquela coisa, mas uma escrita íntima, sem o intuito de publicar. E percebi que as pessoas tinham uma ideia muito errônea do que era ser modelo e resolvi publicar no intuito que a próxima geração tivesse uma ideia um pouco melhor e se sentisse mais à vontade dentro do mercado. Então, escrevi desde um ponto de uma perspectiva de escrever para mim, entrando no mercado assim, o que eu gostaria de saber antes de conhecer esse universo da moda, que é um universo muito legal, mas também cheio de armadilhas.
Hoje você se define como modelo ou como escritora?
Demorei a me assumir como escritora. Lembro que quando lancei o primeiro livro, há dez anos, “Não preciso mudar o mundo – Aventuras surreais de uma modelo”, fui fazer terapia porque estava com síndrome, síndrome de impostora. Pensava: “Ah, larguei a escola aos 16 anos e agora vou lançar o livro e vão me desqualificar porque todo mundo acha que modelo é burra”. Então. eu tinha vários medos. E depois você passa a entender que todo mundo tem uma história para contar, uma maneira de contar uma história e a partir dessa vontade de seguir contando histórias é que eu fui atrás de ler mais, conhecer outros autores, outros universos. E hoje em dia me sinto segura de falar.
Sou, sim, escritora, sou modelo, gosto de contar histórias, eu acho. Mas sou uma pessoa avessa a rótulos. Sim, até brinco que não me perguntam qual é a minha profissão. Falo que administro o meu próprio brilho, porque tem um espaço na gente que pensa que a profissão está ligada ao que está sustentando. Infelizmente, a literatura ainda não me sustenta. Ganho 10% de capa de um livro que custa R$ 42. Acho que leva um tempo até me sustentar através da literatura. Por isso que ainda trabalho como modelo, DJ. Mas sim, me considero artista, porque acho que dentro da dentro dessa nomenclatura encaixa todos esses outros universos.
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Como foi o processo criativo do livro? De onde surgiu a ideia de escrever sobre isso?
Então, o “Marinheiro de Açude” é meu primeiro livro de ficção. Eu estava participando de uma oficina de escrita criativa durante a pandemia e inserida num ambiente de interior, o que me fez voltar ao meu interior, que é o interior de Santa Catarina, onde cresci. Me deu vontade de escrever sobre a região que cresci. Até porque, não, eu não tinha tido acesso à literatura, não tinha encontrado me deparado com esse universo. Falei: “Acho que seria legal contar um pouco da minha visão da região”. Não a minha visão da região, mas sim um salpicado dessas memórias todas. O livro se passa todo no Oeste de Santa Catarina, não só em Maravilha, mas em várias cidades vizinhas. Aqui tem esses nomes que me encantam. Parece que você está lendo um livro de Ariano Suassuna, né? Riqueza, Saudade, Descanso. E sempre tive vontade de contar histórias que se passassem nesse lugar.

E tem gente que pergunta se essas histórias aconteceram. Algumas coisas assim você vai ouvindo e vai costurando. Mas essas não são histórias de ficções. Há quem diga que se trata de um romance, mas não foi esse o intuito. Escrevi um livro de contos, mais sim os personagens eles navegam de uma história a outra. E tenho recebido críticas bem gostosas assim. Não só de pessoas aqui do Estado, mas do Brasil inteiro, no sentido de que ele conversa com o interior de Santa Catarina, lembra o interior do Sul de Minas, que também lembra o interior do Pará.
Então, isso é muito legal. Nasci lá, então tenho uma memória afetiva com esses lugares. Percebo que uma história é bem contada, se ela é bem vivida. O escritor precisa se entregar para a história.
Por que você decidiu citar essas cidades do Extremo-Oeste? Você se inspirou na realidade?
No caso da ficção, é muito mais fácil você criar, você criar um personagem de um lugar que você viveu. Penso assim porque eles são tão reais ao meu ver, assim. Porque a construção eu tenho. É como se eu consigo vê-los vivendo ali na linha Chinelo Queimado.
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Como foi a sua infância em Maravilha? Você colocou isso nos livros também…
Alguns contos, eles têm um pouco assim da minha infância, principalmente. No “Marinheira de Açude”, que é o conto que dá nome ao livro, eu conto minha primeira ida à praia. Aquela coisa, você é da roça e vai conhecer o mar pela primeira vez. Esse primeiro contato com o mar, que é sempre muito marcante para quem não é dali, né? E foi muito legal ter crescido no interior, ainda mais numa época antes da internet. O contato com a natureza, o senso de comunidade que o interior tem. Sinto falta, sim. Depois rodei o mundo, morei nas maiores capitais e sinto falta desse senso de comunidade que tinha no interior.
Você escreveu o livro durante a pandemia, certo? Como foi a pandemia para você?
A minha pandemia foi prazerosa no sentido que eu estava entrando numa relação. Então, estava aquela coisa de começo de namoro, então tudo é muito legal, e eu e meu namorado, que agora é meu marido, casamos e fomos para o interior de Minas Gerais. E justo por isso, por estar naquele ambiente de roça, me fez lembrar de como era gostoso também a época que eu estava lá no Flor do Sertão. Nasci em São Miguel do Oeste, mas a minha família morava em Flor do Sertão, que era um distrito de Maravilha. Hoje Flor do Sertão é um município. Então, quando passei a pandemia lá no interior de Minas, voltei muito a esse lugar. Por isso que surgiu o livro.
No primeiro conto do livro você relata um caso de machismo e violência contra a mulher, isso fez parte da tua infância? De onde surgiu esse relato?
Quis trazer também assuntos contemporâneos e sociais. Através da literatura você também fala um pouco das coisas que são importantes de trazer à tona. Eu escutava muito de criança esses casos de violência doméstica, teve até próximo assim. Não no meu núcleo familiar principal, mas mais próximo. A história não é toda verdadeira, mas tem uma pessoa que conheci que realmente ela bateu no marido depois de diversas vezes que o marido bateu nela. Ela resolveu dar o troco, sim. E quis também deixar um final no sentido que ela não sucumbiu para aquele ciclo de violência o tempo inteiro. Ela conseguiu cortar e eu antes.
De forma resumida, que temáticas o livro traz?
“Marinheira de Açude” para mim é uma coletânea de contos que mostra o interior de Santa Catarina numa época antes do advento da internet e as singularidades de crescer no interior. É uma história de Brasil. E as histórias são muito diferentes uma das outras. Como não é um romance para mim, é um pouco mais difícil de catalogar.
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Qual é o seu conto favorito? Consegue citar algum trecho?
O meu conto favorito é o “Dente de Astronauta”, que é um conto assim pra ser rápido, em terceira pessoa e até quando vou ler em voz alta não consigo acompanhar o tempo de fala da personagem, porque quis fazer muito isso, como se você tivesse escutando alguém contando uma fofoca. Que é muito forte no interior. Não a fofoca, mas como as pessoas se conhecem mais, você acaba sabendo mais da vida dos outros.
Em São Paulo, você mora num prédio, às vezes dez anos e não sabe o que os seus vizinhos fazem. No interior não tem isso. Então esse conto é um pique de fofoca, sim, mas é uma história também. Quando eu era criança, ouvia muito o meu pai dizer que quando ele era, que quando ele era criança, o sonho dele era ter um dente de ouro. É um pouco deste lugar.
Qual a diferença do primeiro livro para este?
Para mim são duas pessoas narrando histórias totalmente diferentes. O primeiro é uma coisa mais autobiográfica, é uma menina contando como é que é todo mundo, como é que é sair de casa com 16 anos e lidar com todo esse universo que se abre. E o outro já tenho dez anos de estudos, dez anos de também de leitora, porque quando resolvi que gostei de escrever, quero seguir, quero ser escritora, fui ler bastante para participar de oficinas. Até hoje participo de oficina de escrita criativa, então tem muito também da Michelle leitora, de tudo que me influenciou. E o primeiro é um registro mais cru, mas também bonito e sincero.
O que vem pela frente?
Então, como o primeiro livro está fazendo dez anos, estou trabalhando numa edição comentada pra poder relançar, porque é um livro que ainda tem muita procura. Nunca pensei que teria essa procura toda nesses anos. Toda semana alguém me escreve que leu o livro. Então, quero trazer esse livro de novo, até porque é o universo da moda mudou muito nos últimos dez anos. E estou trabalhando num romance, meu primeiro romance, mas não sei, não tem data ainda de lançamento.
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Algum livro deve ser lançado em breve? Tem uma previsão?
Ah, não gosto de botar pressão. Às vezes, penso que se tivesse que viver da escrita, talvez eu sentaria no computador um pouco mais empregada. Como tenho outras profissões que pagam as contas, consigo deixar a escrita num lugar de que talvez isso possa ser ruim. Têm escritores que falam que se você é escritor, você tem que estar ali com o projeto todo dia e inserido. Ou escrever do jeito que estou escrevendo agora, a coisa vai vindo. Vou fazendo no tempo do livro. Não quero dar uma data senão vou ficar nervosa. Quero também fazer outras coisas. Sou um canivete suíço, não está dando aqui, abro uma aba para cá, consertar, ler e acho que é um conselho que eu gostaria de ter ganhado, que numa certa maneira ganhei de mim mesmo assim, porque também a gente tem que se abrir para se ouvir, experimentar, ter a curiosidade, ser uma pessoa curiosa.
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