O primeiro acidente com avião em missão militar no país está completando 108 anos. Em 1º de marco de 1915, durante a Guerra do Contestado (1912-1916), um acidente na região do Rio Jangada, curso de água que banha Santa Catarina e Paraná, matou o tenente Ricardo João Kirk, na época com 39 anos. O modelo usado, um Morane-Saulnier, colidiu contra um pinheiro.
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A missão de Kirk era sobrevoar o Vale de Santa Maria e lançar bombas sobre os redutos dos rebelados. Para os caboclos, se fez valer a profecia de que “o gavião do governo cairá quando vier jogar bombas sobre nós”. Além de observar a movimentação dos sertanejos, Kirk deveria orientar os tiros da artilharia e o avanço da infantaria.
O modelo da aeronave se destacava por ser a primeira a possuir uma metralhadora que atirava por dentro do arco da hélice blindada. Havia distorções sobre os verdadeiros motivos do conflito, e que se davam também pela concessão para construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande à multinacional Lumber. Com isso, milhares de famílias que moravam na região foram despejadas enquanto a floresta era entregue ao empresário Percival Farquahar.
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Não existe muita biografia do acidente em União da Vitória, território paranaense, hoje General Carneiro. De acordo com relatos de testemunhas colhidas pelo Exército, o avião fez alguns voos rasantes e a asa esquerda teria tocado a copa de uma araucária. Ao participar na Universidade do Estado de Santa Catarina (UFSC) do Centenário do Movimento do Contestado (2012), o professor de História Militar na Academia de Força Aérea, Cláudio Calaza, lembrava que depois do livro “A aviação militar no Contestado – Réquiem para Ricardo Kirk”, lançado em 1986 pelo historiador Nilson Thomé (falecido em 2014), quase nada mais foi publicado.
Para Calaza, o Exército da época não estava preparado para a ação.
– Habituados a operações no Rio de Janeiro, os militares não conheciam as adversidades do relevo e do clima na região Sul e houve a falta de um bom planejamento que permitisse o êxito da operação – defendeu.
O professor lembrou que no Sul do Brasil havia poucos campos de pouso e que os próprios aviadores falavam da “imensidão verde de araucárias” para caracterizar o terreno. Os profissionais precisavam se guiar pelo curso dos rios e da estrada de ferro. O resultado foi a morte do único oficial brevetado do Exército Brasileiro, além de custos elevados com a perda de aeronaves.
Busto, placa e réplica do avião
Em Porto União, uma praça leva o nome do capitão Ricardo João Kirk. O lugar foi especialmente criado para abrigar uma réplica do avião utilizado por ele, modelo Morane Saline. A construção é resultado de uma parceria entre o 5º Batalhão de Engenharia de Combate Blindado, prefeitura, empresas e universidades da região.
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No local existe uma placa e um busto de Kirk. Ainda hoje, em conversa com moradores descendentes das famílias sobreviventes, é lembrado o que os caboclos e monges diziam sobre o “o gavião do governo”, o qual cairia antes das bombas arrasarem com os redutos.
Conflito matou 10 mil e deixou um rastro de pobreza
A Guerra do Contestado (1912-1916) é considerado o maior conflito armado do país. Ocorreu na divisa de Santa Catarina com o Paraná. A construção de uma estrada de ferro desalojou famílias que viviam basicamente da agricultura, como o cultivo da erva-mate. A ferrovia também atraiu milhares de pessoas, mas que perderam o emprego à medida que os trechos eram finalizados. Essa situação provocou uma crise social e que se agravou com o messianismo, a partir do aparecimento de monges que formaram comunidades com os sertanejos.
A formação desses redutos preocupou o governo federal, que enviou várias tropas para a região. Quando o cerco se apertou, começou a faltar comida, remédios e munição para os rebeldes. Sobreviventes relataram que, no final, comeram até couro de cintos e arreios para não morrer de fome. O reduto de Santa Maria foi destruído em 1915.
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Em telegrama a Setembrino de Carvalho, o capitão responsável pelo ataque detalha: “Tomei e arrasei 13 redutos com enormes sacrifícios do meu heroico destacamento. Matamos em combate perto de 600 jagunços, não contando o grande número de feridos. Arrasei perto de 5 mil casas e 10 igrejas”. O Contestado ganhou este nome porque os dois estados disputavam o território.
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Após diversos conflitos e perseguições que teriam matado cerca de 10 mil pessoas, a guerra chegou ao fim em outubro de 1916 com a assinatura, no Rio de Janeiro, do Acordo de Limites PR-SC. O Contestado foi um dos primeiros movimentos político-sociais do país e deixou um legado de pobreza e desassistência que persiste até hoje no Planalto Norte, com os mais baixos IDH de SC.
O primeiro aviador do Brasil
Natural de Campos dos Goytacazes (RJ), nascido em 1874, Ricardo João Kirk foi para a Escola Militar e se entusiasmou com a aviação, voando pela primeira vez em Nova York, com aeronave pilotada por Roland Garros. Em seguida, Kirk recebeu instruções de voo do piloto italiano Ernesto Dariolli e cursou a École d’ Aviotion d’ Ètampes, na França, recebendo o brevê em 22 de outubro de 1912, tornando-se o primeiro aviador militar do Brasil.
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Meses depois, o comandante geral da Força Federal, general Fernando Setembrino de Carvalho, solicitou o uso de aviões na Guerra do Contestado ao ministro da Guerra, general Vespasiano Gonçalves de Albuquerque e Silva. Kirk foi autorizado, e junto do instrutor Dariolli, partiu do Rio de Janeiro, via ferrovia, com cinco aviões desmontados.

Durante o caminho, no entanto, fagulhas lançadas pela locomotiva atingiram um galão de gasolina armazenado em um dos vagões que transportavam as aeronaves. O fogo se alastrou. Por causa do incêndio, só três aeronaves em condições operacionais, entre essas o aeroplano Morane-Saulnier, chegaram à região do conflito.
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Acidentes não intimidavam
Em 4 de janeiro de 1915, dois pilotos fizeram o primeiro voo na região: um comandado por Kirk e outro pelo aviador Dariolli, contratado pelo Governo Federal. Em 25 de fevereiro, em manobra de apoio, Kirk sofreu um acidente, destruindo uma das aeronaves, batizada de General Setembrino, ao fazer um pouso forçado. Mas o fato não intimidou o aviador que manteve o plano e embarcou na aeronave chamada de “Iguaçu”, da mesma forma que Dariolli, com intervalo de decolagem de dez minutos.
Dariolli teve pane no motor do avião, batizado de “Guarani”, e retornou para o local de partida. Kirk não voltou e somente horas mais tarde uma informação vinda da Colônia Gomes Carneiro deu conta de relatar a queda do avião.
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Após a morte, o aviador passou de tenente ao posto de capitão. O corpo de Kirk foi velado na Igreja Matriz de Porto União e sepultado no cemitério municipal. Em 1943, os restos mortais foram levados para o Mausoléu dos Aviadores, no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Em 1996, foram transladados para monumento em sua homenagem, erguido no Comando de Aviação do Exército, em Taubaté (SP).
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