Eles vestem vermelho e branco, distribuem doces e balas e levam alegria à criançada – e até mesmo para quem já é bem grandinho – no Natal. Mas o que muita gente talvez não saiba é que por trás dos trajes de veludo, dos gorros e das barbas grisalhas existem pessoas que fazem da interpretação de Papai Noel uma opção de carreira. E, acredite ou não, elas enfrentam uma pesada concorrência para dar vida ao Bom Velhinho.

Continua depois da publicidade

>> Serviço: os horários do comércio, o que abre e o que fecha neste fim de ano

O corretor de imóveis Edson Robles, de 63 anos, é o Papai Noel do Shopping Cidade das Flores desde 2010. Ele estima que, apenas em Joinville, existam pelo menos 20 pessoas que encarnam o personagem profissionalmente, atendendo ao público em estabelecimentos comerciais, associações de moradores e em festas de encerramento de ano de empresas.

– É um mercado disputado e difícil de se entrar -avalia.

A concorrência se justifica pelo bom cachê. O salário médio para 40 dias de trabalho em um shopping, que gira em torno de R$ 15 mil, é um dos principais atrativos. Conquistar a vaga, porém, não é fácil. O jaraguaense Aroldo da Silva, de 70 anos, decidiu investir na carreira de Papai Noel após a insistência de um neto. Como não sabia por onde começar, gravou um CD com algumas fotos e disparou o currículo. Foi chamado para uma entrevista no Shopping Mueller de Joinville e, mesmo sem nenhuma experiência, aceitou o desafio.

Continua depois da publicidade

– Como eu tinha contato com a igreja, já tinha alguma habilidade para lidar com famílias, e isso me ajudou bastante – lembra o aposentado.

As atribuições de um Papai Noel, no entanto, não se resumem apenas a usar uma roupa tradicional e a entoar o “ho-ho-ho”. A função é mais desgastante física e emocionalmente do que se imagina e exige uma boa dose de paciência e disposição.

A preparação começa muito antes de a decoração natalina ganhar espaço nas fachadas das casas e do comércio. O aposentado Nilson Tadeu Bittencourt, de 59 anos, deixa a barba crescer ao longo do ano antes de se tornar o Papai Noel do Garten Shopping. A barba natural ajuda a deixar o personagem mais real, avalia.

No caso de papais noeis de centros comerciais, já em novembro há sessões de fotos e gravações de vídeos em estúdio que serão usados nas peças publicitárias dos empreendimentos. A maratona fica ainda mais puxada quando a temporada de contato direto com o público é aberta. São até oito horas diárias de atendimento, durante os sete dias da semana. Por isso, saúde e alimentação merecem atenção especial. Frutas e muita água não podem sair do cardápio. Se o esforço vale a pena? Só quem é Papai Noel sabe.

Continua depois da publicidade

– Se fosse só para entregar bala, não faria. Enquanto eu me divertir, vou continuar fazendo – conta Aroldo.

Improvisos, conselhos e alertas

Gostar de crianças, ser carismático e ter muita paciência são, é claro, características básicas para um Papai Noel cair nas graças do público. Mas quem aceita a missão de se transformar no Bom Velhinho precisa ter um dom que talvez seja muito mais importante que todos esses atributos: a capacidade de improvisar.

Por lidar principalmente com crianças, Papai Noel precisa pensar rápido para driblar situações que podem se tornar embaraçosas. Algumas perguntas são inesperadas, fruto da ingenuidade e da espontaneidade dos pequenos. Por que o seu nome é Noel? Como você faz para entregar todos os presentes do mundo em uma só noite? Nesta hora, é importante não apenas dar uma resposta, mas principalmente ser convincente.

– Uma vez, uma criança me perguntou onde estava o meu trenó. Eu respondi: “Você acha que tem espaço para estacionar um trenó aqui no shopping?” Depois que ela insistiu, acabei dizendo que o deixei em Pirabeiraba. Acho que ela entendeu – diverte-se Aroldo ao lembrar da cena.

Continua depois da publicidade

Muitos pedidos de presentes também acabam sendo inusitados. Na lista de Aroldo, já apareceu até pônei. E não são só as crianças que surpreendem. Houve adulto que já pediu filho e uma mulher que queria clientes para o seu escritório. Nesta hora, Papai Noel também exerce a função de conselheiro.

– Perguntei como ela estava vendendo seus serviços, quem a conhecia. Sugeri fazer um cartão de visitas e distribuir- lembra Edson.

A mulher não voltou mais. Os clientes devem ter aparecido.

Outro ponto fundamental é ser um bom observador. Para ganhar a atenção da criança, é preciso estar atento a sinais que indicam o seu estado de espírito – se os pequenos estão felizes ou tristes, por exemplo. Essa leitura ajuda a direcionar o rumo da conversa e pode servir, inclusive, como alerta. Por estar de fora, Papai Noel pode enxergar situações que os pais, muitas vezes, acabam não percebendo.

– Muitos pais não deixam a criança contar quem ela é, já narram tudo por elas – diz Nilson, do Garten Shopping.

Continua depois da publicidade

Escola forma bons velhinhos há 21 anos

Embora eles garantam que estudaram o personagem antes de incorporá-lo, Aroldo, Edson e Nilson não chegaram a passar por uma preparação especial para se tornarem bons velhinhos. Para quem busca uma formação específica, entretanto, existem escolas especializadas. Uma das mais tradicionais do País completou 21 anos em 2014.

Foi em 1993 que o ator e produtor cultural Limachem Cherem fundou a Escola de Papai Noel do Brasil, no Rio de Janeiro. Desde então, a instituição já formou de 400 a 500 Papais Noéis, calcula ele. O curso, anual, tem início sempre em outubro. São 20 horas de treinamento, que ocorre às terças-feiras ao longo de cinco semanas. A grade curricular inclui noções de postura e interpretação, dicção, música e a história do personagem, além de ginástica laboral e até mesmo aulas de costura e automaquiagem. Tudo é ensinado por profissionais das respectivas áreas.

Como a formação é gratuita, as aulas são bastante concorridas. Somente neste ano, cerca de 200 pessoas se inscreveram, afirma Cherem. As turmas, porém, não passam de 30 alunos, e por isso há fases eliminatórias. Quem tem mais de 50 anos e cabelo e barba grisalhos já entra como favorito a uma das vagas. Mas a idade não é tudo. O mais importante é a dedicação ao papel.

– Não basta apenas vestir a roupa e sair dizendo “ho-ho-ho”. Tem que ter o espírito do personagem, muito bom humor e jogo de cintura – diz Cherem.

Continua depois da publicidade