Pessoas que passam as vidas ilustrando as ruas da cidade tornam-se tão presentes no cotidiano que ganham um status quase mítico, como se fossem parte da região onde estão. São pessoas que fazem com que sua história permaneça viva dentro daquele povo, trazendo identidade a quem ali reside.
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Itajaí tem muitos personagens que tornam a vida de nossas ruas mais interessantes. Uma das mais conhecidas e queridas por todos chama-se Júlio Cesar dos Santos. O nome de batismo dificulta a identificação, mas quando é dito o seu apelido todos soltam “Ahhh sim, o ceguinho da Hercílio Luz“, como se fosse impossível passar por Itajaí sem conhecer a figura.
E realmente é difícil não percebê-lo. No calçadão da Hercílio, Júlio César senta-se em frente à mesma loja há anos. Balança o corpo para frente e para trás com sua caixinha de arrecadações e a sagrada camisa do Palmeiras. De segunda a sexta-feira, das 9h às 19h ele fica ali. Brinca com quem passa, narra os jogos do seu time do coração e torna a passagem mais divertida para todo mundo.
É comum caminhar pelo local e falar perto dele um nome qualquer. Sem pestanejar, ele junta as palavras e recita um poema com entonação de locutor de rádio. Ele só não gosta se um marmanjo pedir poesia ou falar gracinha. Sem hesitar, Júlio logo descasca palavrões que deixariam até a falecida Dercy Gonçalves envergonhada.
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Maria rima com alegria, Carolina com sorriso de menina, Patrícia tem um olhar que enfeitiça e assim por diante. Nem sempre o poema tem rima, métrica e ritmo, mas nem por isso deixa de abrir um sorriso no rosto da pessoa homenageada.
O tilintar das moedas também faz feliz o homem já cansado da vida que leva. Como está há mais de 25 anos nas ruas, para muitos itajaienses Júlio César não envelheceu, mas os 50 anos já pesam ao ficar ali por tantas horas em busca de trocados para sobreviver.
O trajeto de casa até a Hercílio Luz é feito de táxi. As refeições são compradas por conhecidos. Sem pensão ou qualquer ajuda, Júlio Cesar mora sozinho no bairro Nossa Senhora das Graças desde a morte da mãe, em janeiro de 2011. É o único assunto em que ele silencia. A dor grita nas palavras que não diz.
Tem uma irmã que o ajuda, mas mora longe, no bairro Rio Bonito. Confessa que sempre ouve apelos para que vá morar com ela, mas prefere o seu canto, diz que não ficaria confortável morando em uma casa que não é a sua.
Cego desde os oito meses de vida e analfabeto, não teve uma trajetória muito fácil e quando criança chegou a se revoltar com a cegueira. Mas os anos passaram e ele percebeu que de nada adiantava a revolta. Usa o bom humor e a diversão para deixar mais alegre o dia dele e daqueles que cruzam o seu caminho.
Católico, vai à missa sempre que oferecem carona e acredita que a força que tem para sobreviver vem de Deus, que o ajuda a superar seu dia a dia que não é fácil. Tem como amigos aqueles que param para conversar, quase sempre vendedoras e comerciantes da redondeza.
Troca algumas palavras e mesmo sabendo que a superficialidade do contato em nada se parece com uma amizade antiga, sente-se satisfeito e orgulhoso por ser parte do dia de alguém, de uma rua e de uma cidade.