As horas viram grãos de areia quando 92 anos de histórias para contar se encontram com 92 anos de contar histórias. Grãos que marcam na ampulheta a passagem do tempo para quem escolheu a profissão de voar pelos céus e caminhar pelas palavras.

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Quando um jornal faz aniversário, o brinde é feito de narrativas que, por sorte ou acaso, se entrelaçam. O aviador Flávio Edmundo Gomes de Oliveira, neto do ex-prefeito de Joinville Procópio Gomes e filho do senador Carlos Gomes, completou o 92º verão nos suspiros finais de dezembro de 2014. Cria do mesmo sol, chega a vez de o jornal “A Notícia” saudar o passado e escrever outro 24 de fevereiro com uma nova história.

Os dois senhores, aviador e jornal, nasceram joinvilenses e têm a mesma idade. Um veio ao mundo na casa do avô, em um quarto com janela para a frente da avenida Coronel Procópio Gomes; outro teve a primeira sede na rua Abdon Batista.

Enquanto Flávio crescia brincando na casa de Procópio, jornalistas riscavam as primeiras páginas de histórias que circulavam nas ruas de Joinville uma vez por semana. Com sete anos, o menino já tinha aprendido a correr e arriscava os dribles que o fariam desejar ser jogador de futebol. Nesta mesma idade, o “A Notícia” já tinha sua primeira máquina de impressão e passou a escrever todos os dias, com folgas às segundas-feiras.

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O ano de luto pela morte do avô Procópio, 1934, era o mesmo que trazia a boa nova da primeira linotipo, que hoje tem até vitrine na fachada do jornal. A máquina de composição de textos, por ironia, ajudou a escrever a morte do ex-prefeito nas páginas da história. Os almoços e jantares de família que juntavam um mundo de gente se tornaram raros para os Gomes de Oliveira, enquanto um universo de palavras ganhava sentido e ordem no equipamento de um jornal cada vez mais moderno, que publicaria seis anos mais tarde suas primeiras páginas coloridas, na revista dominical “A Notícia Ilustrada”, de 24 páginas.

Na dança de felicidade e tristeza traçada pelo destino, em 1944, foi a vez de Flávio sorrir. Ele entrou para a Escola da Aeronáutica dos Afonsos e descobriu como viveria o futuro. Um ano antes, foi com o campeão brasileiro de acrobacias aéreas René Tácolla que Flávio voou pela primeira vez. Não sobrou nenhuma poeira de vontade de cursar agronomia, faculdade que faria no Rio de Janeiro. O rapaz que um dia desejou o futebol trocou a terra pelos ares na mesma época em que o “AN” ficaria com o silêncio no lugar das palavras.

O fundador do jornal Aurino Soares morreu no dia 17 de dezembro de 1944, deixando um futuro feito de 18 meses de páginas brancas. O “AN” acumulava dívidas que antes foram investimentos em modernização, e a única forma de saldar os compromissos era voltar a circular. Já em 1946, quando as páginas retomaram as letras, Flávio se formou aviador e ganhou os ares. Foram quase quarenta anos fora de Joinville, em sobrevoos e aventuras Brasil afora. Tempo em que o “A Notícia” contou histórias que Flávio leria 72 anos depois.

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Páginas folheadas

Sentado à frente das edições antigas do jornal e ao lado da mulher Gilza Maria Gomes de Oliveira, de 82 anos, Flávio conheceu uma parte da história escrita em Joinville durante a sua ausência.

No dia em que ele recebeu o diploma de aviador, 22 de dezembro de 1946, o jornal publicou uma edição especial de 22 páginas, contra as oito que circulavam diariamente. “Natal! Dia de alegria e saudade” era a manchete. Também havia uma nota sobre a produção de aviões em Paris, na “Coluna da Asa”, feita pelo Aeroclube de Joinville.

– O aeroclube sempre foi limitado a um grupo de apaixonados – comentou Flávio sobre a expressividade do grupo, ao tirar os olhos do papel.

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Quando o aviador arriscava o primeiro voo como pai diante do nascimento da primogênita Cristina, o jornalista H. Lobato escrevia sobre a experiência de ver Joinville às asas de um avião. Uma forma de conhecer o mundo que se tornaria comum na rotina de Flávio.

– Meu marido sobrevoou a Amazônia toda. Deu instruções de voo no Norte e no Nordeste – conta Gilza.

Graças aos sobrevoos, teve dois filhos, Cristina e Luiz Flávio, no Rio de Janeiro e o caçula Luiz Antônio em Fortaleza. Com os ares da aposentadoria se aproximando e o título de coronel reformado, ele resolveu voltar para a terra natal. Construiu sua nova casa no mesmo ano em que foi inaugurada a atual sede do jornal “A Notícia”, em 1980.

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Pela primeira vez, Flávio e a mulher conheceram os bastidores do jornal que assinam e conhecem há muito tempo. Após receberem o convite da reportagem para serem entrevistados na sede do jornal, eles andaram pelos corredores de “AN”, conversaram com colunistas, repórteres e editores. Mas foi diante das máquinas de impressão que o casal se deslumbrou.

O chão em que as gigantes pintam o jornal é feito de metal, como a fuselagem dos aviões que Flávio pilotou a muito mais de 150 km/h. Tão rápidos quanto os voos, os rolos de papel que se agigantam em pilhas arranha-céus passam pelo maquinário à velocidade de 26 mil exemplares por hora, em um movimento tão ensurdecedor quanto o som de turbinas.

Em todos os momentos, Gilza esteve presente na vida de Flávio. Ela o acompanha desde os 13 anos, quando conheceu o aviador por meio da melhor amiga, a irmã dele. Com a transferência do amado para um curso de aviação nos Estados Unidos, enfrentaram a distância com cartas e telefonemas. Assim que ela completou 16 anos, resolveram casar por procuração. A primeira cerimônia matrimonial foi em terras estrangeiras.

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– São 67 anos de casamento – afirma Gilza, enquanto dá um abraço em Flávio na redação do jornal “A Notícia”.

As datas que eles compartilham extrapolam o matrimônio. Desde o início dos anos 1980, o casal é assinante do jornal – embora Flavio lembre do “AN” na casa do pai na infância e juventude – e passou a acompanhar os acontecimentos de Joinville tão de perto que entrou para as páginas da história.

Veja ao vídeo da visita: