O menino negro João da Cruz e Sousa nasceu na pequena cidade Desterro, atual Florianópolis, em 1861, época de escravidão e monarquia. Viveu para a literatura e entrou para a história como o maior poeta simbolista do Brasil. A mãe era livre quando ele nasceu. O pai escravo teve alforria dos “seus senhores”, um casal sem filhos que tutelou o ensino de João.

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Dedicado aos estudos, o garoto conseguiu ingressar na escola e pôde estudar com o naturalista Fritz Müller, colaborador do cientista Charles Darwin. Também aprendeu latim, francês, matemática e foi leitor voraz de escritores europeus. Aos oito anos, já declamava versos de sua autoria nos salões de Desterro.

Começou jovem a participar de teatro e percorrer o país com uma companhia, além de escrever em jornais e se engajar na campanha abolicionista, o que lhe rendeu certo reconhecimento e contatos. Mesmo assim, não conseguia viver das letras e nem encontrava outro trabalho com estabilidade financeira. Nomeado para a promotoria, não pode tomar posse devido à pressão de políticos, que não aceitaram um negro no cargo público.

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Amigos haviam se mudado para a capital do Império e ele também foi. No Rio de Janeiro, viveu um rico período de criação literária e, ao mesmo tempo, continuou enfrentando a discriminação, falta de reconhecimento, oposição, pobreza e passou por dramas familiares. Ao conhecer o editor Domingos de Magalhães, em 1893, conseguiu que ele publicasse os livros “Missal” e “Broquéis”. O poeta apresentou uma renovação literária, com a originalidade e força dos versos que expressam dor e sofrimento, angústias e anseios, para além da própria existência.

Retrato do escritor, que pertence ao acervo da Academia Catarinense de Letras
Retrato do escritor, que pertence ao acervo da Academia Catarinense de Letras (Foto: Arquivo)

As obras que, na época, sofreram duras críticas e rejeição, passaram a ser consideradas o marco do início do Simbolismo no Brasil e Cruz e Sousa, o precursor do movimento literário que se caracteriza pela visão subjetiva, mística e de espiritualidade. Os textos são carregados de imagens, metáforas e símbolos – daí, o nome Simbolismo. Rimas e repetição de letras e palavras com sonoridade parecida proporcionam musicalidade às poesias. 

O escritor casou-se com Gavita Rosa Gonçalves e teve quatro filhos. Viu-se obrigado a empregar-se como arquivista na Estrada de Ferro Central do Brasil e ainda recorrer a empréstimos de amigos para sobreviver com a família. Logo após ter o segundo filho, Gavita sofreu demência durante seis meses. Veio o terceiro filho e também a tuberculose do escritor. Doente, enfrentou a morte de dois filhos. Não resistiu e faleceu em 1898, aos 36 anos, quando Gavita estava grávida do quarto filho. Para se tratar da tuberculose, ele havia se mudado para Minas Gerais. O corpo foi enviado ao Rio, num vagão de trem de transporte de animais e o enterro custeado por amigos.

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O reconhecimento da força histórico-literária ocorreu somente depois da morte. O menino João, que nasceu livre e cresceu altivo apesar de marginalizado, transcende na poesia como Cisne Negro. Em 2007, os restos mortais foram levados à cidade natal, para o Museu Histórico de Santa Catarina, que lhe homenageia como Palácio Cruz e Sousa.

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Antonio Candido, estudioso da literatura brasileira, destacou que Cruz e Sousa foi o “único escritor eminente de pura raça negra na literatura brasileira, onde são numerosos os mestiços”. Evocações (1898), Faróis (1900) e Últimos Sonetos (1905) são outras importantes obras do poeta, publicadas após sua morte.

*Gisele Kakuta Monteiro

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