A maternidade é um período de transformação para a mulher. É comum ouvir das mães que o primeiro sentimento que surge nesta fase da vida é o de amor incondicional pelo filho gestado. Mas essa visão romântica expõe apenas uma parte das mudanças vivenciadas após a descoberta da gestação.
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A alegria por uma nova vida costuma vir acompanhada de uma rotina dupla, tripla e até quádrupla. É o caso das mulheres que precisam conciliar os estudos com a maternidade, além de todos os outros aspectos da vida. Mas a dificuldade não termina com o nascimento do bebê. Pelo contrário, é neste momento que tem início uma nova fase para elas, que passam da condição de estudante para a de mãe, além, é claro, de trabalhadora.
A jornalista Fernanda Leal da Silva, 33 anos, vivenciou isso em diferentes momentos da vida. Aos 24, engravidou pela primeira vez. Na época ela era estudante do ensino superior em Tecnologia. Depois, aos 28, quando iniciou a graduação, e no mês passado, após formada, quando deu à luz ao segundo filho.
Em 2010, quando descobriu a gravidez, Fernanda estudava no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). Como deixar os estudos não era uma opção naquele momento, continuou frequentando as aulas até descobrir um modelo de ensino diferenciado oferecido pela instituição às alunas gestantes.
Passou a ter aulas particulares uma vez por semana, rotina que permaneceu até o sétimo mês de gestação, quando decidiu trancar a matrícula.
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— Eu tinha pressão alta. Além de ser difícil andar, o conteúdo era pesado e eu não estava conseguindo acompanhar. O corpo passa por um período de muitas mudanças, exigindo muito da mulher, deixando mais desatenta. Diminui a produtividade no estudo, no trabalho — conta.
Théo, hoje com 8 anos, nasceu prematuro em outubro daquele mesmo ano após uma gestação de risco. Fernanda teve pré-eclâmpsia e o bebê passou seu primeiro mês de vida na incubadora. A dificuldade do pós-parto daria o tom do que seriam os 11 meses seguintes.
Ainda que tivesse uma relação amigável com o pai de Théo, Fernanda se via na condição de mãe solo — mulheres que são as únicas ou principais responsáveis pela criança — e não tinha condições financeiras e psicológicas de assumir a maternidade sozinha.
— É uma fase em que se tem a perda da própria identidade. Você passa a ser a mãe do bebê. O corpo demora a voltar ao modo anterior à gravidez, a gente se sente inadequada de diversas formas, afeta muito o psicológico. Até em relação à sociedade, porque a gente está fora de tudo. Do trabalho, do estudo. São aspectos difíceis.
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O processo de tornar-se mãe, passando a viver as necessidades do bebê, é algo que exige muita consciência da mulher. Se por um lado é preciso lidar com as dificuldades, por outro, é o momento em que se constrói um amor incondicional de acordo com ela.
— É como se isso ampliasse cada vez mais o amor pelos filhos e pela vida. Como se as dificuldades deixassem a gente mais consciente de que na vida a gente deve amar e de que o amor é um caminho sem volta.
Mãe estudante
Se a condição de aluna gestante já havia sido difícil, o que estava por vir não seria menos árduo. Quatro anos depois, Fernanda precisou enfrentar uma nova fase tão socialmente negligenciada quanto a anterior: a de mãe estudante.
Após decidir voltar aos estudos, entrou na graduação por meio de um programa de assistência estudantil. Apesar de ter encontrado no novo curso um espaço de diálogo e "contato com o lado mais humanizado da vida", conforme ela recorda, os quatro anos seguintes até a conquista do diploma não foram fáceis.
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— Tive vários períodos depressivos, com conflitos em casa, instabilidade emocional, crises de depressão. O fato de não aceitar o papel pré-concebido da mãe e da própria mulher exigido pela sociedade me fez sofrer muito — conta.
Além das aulas na faculdade, foi neste momento que Fernanda encontrou no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) um refúgio. O desenvolvimento de projetos acadêmicos junto com os pacientes foi o modo que encontrou para lidar com o momento emocional pelo qual estava passando.
Fosse por meio de uma conversa, de um abraço ou de alguma atividade desenvolvida com as pessoas que frequentavam o Caps, Fernanda conta que a formação acadêmica durante o exercício da maternidade passou a ser sentida de uma maneira mais acolhedora.
Empreender nem sempre é uma escolha para mães
A vivência individual de cada mulher durante a maternidade não deve ser vista fora do contexto social em que ela vive. Assim, nem sempre a busca pelo empreendedorismo como uma forma de renda acontece de maneira romântica. No caso de Fernanda, a decisão de investir em um negócio próprio foi motivada por uma necessidade em função da crise.
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— No caso das mães empreendedoras, acredito que em muitos casos é pela falta de políticas públicas que empurra as mulheres para isso. Claro que deve ter aquelas que se encontram no empreendedorismo materno, mas muitas de nós faz isso porque precisa manter a família, nem sempre é uma escolha – diz.
Fernanda ressalta que também é resultado da falta de condições de trabalho pensadas para a maternidade, como a flexibilização do horário para mães recentes, com jornadas de meio período, entre outros incentivos do Estado.
Para ela, o fato de morar em uma cidade historicamente voltado à indústria, como Joinville, foi um fator que acabou impactando em seu desenvolvimento profissional. Ela conta que, de modo geral, o mercado de trabalho no âmbito das ciências humanas não atende a demanda dos profissionais.
Sem conseguir emprego em sua área de estudo, precisou buscar um trabalho autônomo que permitisse conciliar com as aulas e a maternidade. Junto com uma colega da faculdade, Fernanda abriu um brechó.
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Mesmo morando com os pais, ela conta que conseguiu construir sua própria rotina. Podia levar e buscar o filho, ir para faculdade, trabalhar e, assim, cumprir a função quádrupla de mãe, filha, estudante e trabalhadora.
— Foi o jeito que consegui conciliar tudo estando em um país que não dá auxílio neste sentido. É um Estado que massacra a mulher. Não oferece o suporte necessário nem mesmo durante o período de gestação, não favorece em nada a maternidade nem a criação das crianças.
Direito ao lazer
A falta do direito ao lazer é outra dificuldade enfrentada durante a maternidade que muitas vezes é ignorada. Exemplo disso são as praças, lugares destinados às crianças, que frequentemente deixam de oferecer condições mínimas de lazer.
Para Fernanda, isso demonstra como o âmbito político impacta também na dinâmica familiar, pois são responsabilidades do Estado que interferem na vida e no psicológico da mãe e afetam o crescimento de uma criança feliz e sadia.
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Sem poder sair de casa, elas acabam não se desenvolvendo de maneira adequada e recorrem à tevê e ao celular, de acordo com Fernanda, seja porque lá fora está violento ou porque não tem um parque para brincar.
— Há diferentes formas de dar assistência a uma jovem mãe, e essa é a melhor forma de se ter uma sociedade mais pacífica e amorosa. Mas o Estado faz o contrário. Descuida muito da mãe, dos bebês, das crianças, gerando traumas emocionais e psicológicos, processos que vão se acumulando e prejudicando muito a sociedade como um todo — finaliza.