Terça-feira, 20 de junho, é o Dia Mundial do Refugiado, data internacional designada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Refugiadas são pessoas que por causa de perseguições são forçadas a fugir dos respectivos países, seja por causa da etnia, religião, opinião política, grupo social. Pelo menos 108 milhões de pessoas foram forçadas a deixar as respectivas casas, das quais 35 milhões tornaram-se refugiados.
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Neste ano, o Dia Mundial do Refugiado se concentra no poder da inclusão e nas soluções para as pessoas refugiadas: esperança longe de casa. Realidade essa que não pode ser experimentada por dezenas que morreram afogados depois que um barco pesqueiro com imigrantes naufragou na costa da Grécia, na quarta-feira, 14. O barco era oriundo da Líbia e fazia uma rota comum de imigração ilegal em direção à região do Peloponeso. A maioria dos imigrantes tinham como origem o Paquistão e o Afeganistão – que voltou a ser um polo de diáspora desde a implantação do governo do Talibã.
No começo de 2023, existiam 65 mil pessoas reconhecidas como refugiadas no Brasil, informa o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), órgão colegiado, vinculado ao Ministério da Justiça, que reúne segmentos representativos da área governamental, da Sociedade Civil e das Nações Unidas (Acnur). Tem por finalidade analisar e decidir todos os pedidos de refúgio no Brasil. É também o órgão encarregado de formular a política sobre refúgio no Brasil e criar normas que esclareçam os termos da lei de refúgio (Lei nº 9.474/97).
De acordo com a ONU, os países que mais possuem refugiados no mundo são Síria (4,9 milhões), Afeganistão (2,7 milhões) e Somália (1,1 milhão).
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ONG atua para proteger, integrar e proteger refugiados
Incluir os refugiados nas comunidades onde eles encontraram segurança é a maneira mais eficaz de apoiá-los no recomeço de suas vidas e permitir que contribuam para os países que os acolhem. Em Santa Catarina, uma das instituições que atuam diretamente nesses processos é a Círculos de Hospitalidade (CH). A organização atua em três áreas principais: proteção, integração e conscientização.
Os projetos da CH incluem orientações sobre acesso a direitos, regularização migratória, assistência psicossocial, preparo e acesso ao mercado de trabalho, parcerias com o sector privado, aulas de português, programa de empreendedorismo, oportunidades de geração de renda, realização de feiras e eventos multiculturais, entre outras iniciativas.
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Por meio da parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM), no marco do projeto Oportunidades, financiado pela USAID, entre os meses de março de 2020 e junho de 2021, a CH atendeu cerca de 3.650 migrantes de 18 nacionalidades diferentes, sendo a venezuelana e a haitiana as nacionalidades mais expressivas.
Os serviços mais procurados são de regularização migratória, empregabilidade, atenção psicossocial, aulas de português e curso de empreendedorismo. O trabalho se iniciou em 2015, quando a fundadora e presidente, Bruna Kadletz, passou a atuar com crianças, mulheres e homens que buscavam refúgio em Florianópolis.
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– No momento em que atravessamos crises humanitárias sem precedentes, com o número de pessoas em deslocamento forçado atingindo a marca de 108 milhões de pessoas ao redor do mundo, é mais essencial que nunca compreendermos a temática do refúgio, conhecermos a face humana e as histórias por detrás das estatísticas e relatórios para que possamos realmente proteger e integrar migrantes e refugiados vítimas de crises humanitárias – diz Bruna.
A Círculos de Hospitalidade não somente apoia famílias refugiadas em Santa Catarina como também busca fazer esse papel de conscientização da população em geral sobre esse tema a fim de construirmos sociedades mais hospitaleiras e inclusivas.
Costurando o novo destino
Em março deste ano, a sala 8 de um prédio na Rua Felipe Schimidt, no Centro de Florianópolis, ganhou novo visual. Máquinas de costura, peças de tecidos e carreteis de linha transformaram o lugar num ateliê para costurar e reformar roupas. À frente do empreendimento está Ghassan Halabieh, 31 anos, um dos quase 6 milhões de sírios que deixaram o país de origem para fugir da guerra iniciada em 2011.
Mais de uma década depois do começo da série de protestos contra o presidente Bashar al-Assad, que segue no governo, o país continua mergulhado no caos social que já matou pelo menos 350 mil pessoas. Longe dos ataques, tendo parte da família por perto e gerando o próprio negócio, Ghassan, que significa “muito jovem” no idioma árabe, se declara feliz com a oportunidade recebida no Brasil:
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– Em 2019, quando desembarquei em Santa Catarina, tinha 300 dólares emprestados por meu irmão e poucas roupas na mochila. Quatro anos depois, posso dizer que estou cheio de esperança e muito agradecido por ter sido aceito como refugiado e poder tocar a minha vida reiniciada do zero.

Ghassan morava em Hama, cidade histórica nas margens do rio Orontes, no centro da Síria, ao norte da capital Damasco. Com um ano de vida já ouvia o barulho das 60 máquinas de costura e as conversas dos 70 empregados na fábrica de confecção dos pais. Naquele ambiente, aos seis anos, aprendeu a costurar, o que desde que deixou a Síria serviu-lhe de sustento.
O pai, o mestre, morreu do coração, aos 61 anos, meses depois do começo da guerra:
– Tudo foi seguindo, mas a guerra impedia a chegada de produtos e as pessoas tinham medo de sair de casa. Em 2017, decidi que não havia mais segurança para ficar no meu país. Para chegar à fronteira com a Turquia, país que mais recebeu sírios, caminhei 12 horas por um penhasco.
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Em Istambul, Ghassan trabalhou por alguns meses em uma loja de costura. Por não entender claramente o idioma turco, sofreu preconceito (xenofobia) e deixou a função. Inicialmente, o desejo era ir para a Holanda, onde já estava um irmão. Fez várias tentativas por um rio na fronteira com a Grécia, mas era capturado pela polícia e de tanto apanhar chegou a ter que ser hospitalizado.
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Até que o irmão, com quem se comunicava por telefone, lembrou que conhecia uma família catarinense.
– Procurei o consulado brasileiro na Turquia, expliquei toda a situação e três meses depois consegui o protocolo para ingressar no Brasil. Sou muito grato a família do Eloim Weber (falecido há três anos), da esposa Maria de Abreu e da filha Carol, por terem me acolhido, em Palhoça, e ajudado a dar os primeiros passos.

Até chegar na atual Ghassan Fashion, ele trabalhou numa empresa de costura e como motorista de aplicativo:
– A vida de um refugiado tem entraves, e a língua é um desses. Foram três anos e meio dirigindo e aprendendo português com os passageiros. Todo o dia eu separava uma parte do que ganhava para comprar três máquinas de costura. Até que consegui abrir um empreendimento de costura, reformas de peças e roupas sob medida, e onde também desenho os moldes – conta.
Em 2022, o negócio recebeu reforços importantes: a mãe e a irmã caçula que, com o apoio de Ghassan, vieram da Síria para morar no Brasil e trabalhar com ele.
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– Quero buscar investidores para montar uma empresa de costura e, em outra sala, disponibilizar uma lavanderia 24 horas, com sistema de inteligência e atendimento 100% on-line – planeja.
Reinvenção da vida a partir do zero
Reinyera Maria Mujica Mata, 33 anos, é uma entre 425 mil imigrantes da Venezuela, entre residentes e refugiado, que escolheram o Brasil para recomeçar a vida. Do total, 100 mil passaram pelo programa de acolhida em Roraima, o estado brasileiro na fronteira, o caminho traçado pela engenheira industrial formada no ano de 2016. Foi justamente a crise das indústrias no país natal que fez com que ela decidisse buscar uma alternativa.

Hoje, mora com a companheira na praia dos Ingleses, Norte da Ilha de Santa Catarina. Toca a vida com uma pequena empresa de acessórios pets e na função de analista de dados na Círculos de Hospitalidade, organização sem fins lucrativos que implementa projetos socioeconômicos, educacionais e culturais com o objetivo de facilitar o processo de integração de refugiados e migrantes.
– Nos últimos anos, a vida na Venezuela estava desafiadora. A população enfrentava a falta de alimento nas prateleiras e as vendas cada dia mais baixas. Isso forçou a nossa família buscar melhores condições. Eu decidi partir. Entrei via terrestre pela fronteira de Pacaraima. Acabei recebendo um convite para trabalhar em Florianópolis para, no verão, atender turistas espanhóis, e aqui fiquei.
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Reinyera também sente o idioma como um grande obstáculo:
– No começo, eu não sabia uma palavra em português. Isso fez com que eu tivesse que buscar diferentes empregos. O bom foi que, cinco meses após a chegada e terminado o verão, achei uma oportunidade de atendimento online falando espanhol.

A empreendedora conta que a experiência de imigrante (quando a pessoa faz o deslocamento voluntário em busca de melhores condições de vida, podendo retornar a seu país de origem sem riscos por ameaças) ou de refugiado pode ser dividida em etapas:
– No começo é tudo novo, diferente e dependendo da questão emocional de cada um as coisas vão fluindo. A pessoa aprende sobre novas culturas, idiomas e pode até mudar de profissão. Também ajudar financeiramente quem ficou. Mas batem momentos de saudade, dias bons dias e não tão bons. A distância familiar é diminuída com muitas ligações, vídeochamadas, mensagens.
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Acerca dos brasileiros que convivem ou encontram um estrangeiro na condição de imigrante ou refugiado, Reinyera sugere:
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– Estendam a mão, orientem, façam encaminhamentos para quem está precisando. Sejam pacientes quando alguém falar e vocês não entenderem, pois com certeza essa pessoa está no processo de aprendizado. Quem sai do seu país, começa como uma criança, aprendendo do zero, se reinventando.
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