As ruas eram esburacadas e muitas de terra, é verdade. Mas chegava-se cedo à praia, sem pegar trânsito para ir ou para sair na hora da chuva. Era fácil encontrar um lugar para estacionar e quase sempre a vaga vinha com o bônus da sombra de uma grande árvore. Gente rica sempre existiu, mas a ostentação passava longe. Praia era lugar de tomar banho de mar e era ele quem ditava o verão.

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É fato que as paisagens mudaram muito de décadas para cá. Isso em alguns aspectos trouxe melhorias, como infraestrutura, e em outros causou problemas, como praias com sombras de prédios e poluídas por esgotos de condomínios inteiros que por décadas desembocaram sem fiscalização na imensidão azul.

Independente do que o crescimento trouxe, as maneiras de curtir os verões também se moldaram a novas tendências.

Até 1900 o litoral catarinense nunca havia recebido turistas. De acordo com o historiador Isaque Borba, o primeiro registro que se tem de alguém que deixou sua cidade para curtir a praia ocorreu em Penha exatamente em 1900. Foi um alemão, morador de Blumenau, que na época saiu de carroça para veranear.

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Segundo ele, foram também os alemães que começaram o banho de mar por aqui. Em meados de 1910, passaram a procurar o litoral para banhos na água salgada, que acreditavam ter propriedades terapêuticas. Até então os nativos das praias apenas se lavavam, de roupas, no mar, sem necessariamente curtir o momento.

A partir desta época Cabeçudas, em Itajaí, tornou-se o primeiro grande balneário catarinense. Os veranistas então, foram costeando a praia e descobriram ali perto a atual Praia Central de Balneário Camboriú.

– Eles acharam a praia mais bonita, ampla e mais limpa, então começaram a vir – conta Borba.

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O sucesso da praia foi tanto que em 1952 Norberto Cândido da Silveira Júnior escreveu um livreto de divulgação da Praia Central. Era uma espécie de informativo turístico que trazia relatos de gente que ali vivia e fotos, como a das moças de maiô comportadíssimo, porém quase indecentes para a época.

Em uma das páginas o pescador Manoel Germano conta que anos antes conhecia os moradores da cidade um a um. Eram apenas 48 casas de famílias. Em 1952, esse número já tinha subido para 400.

“Depois da instalação dos hotéis é que os terrenos começaram a encarecer. A pobreza foi procurando os morros, os verdadeiros donos das praias, que são os pescadores, êsses, coitados, acharam melhor vender seus terrenos aos banhistas para aproveitar o preço e desapareceram. E hoje só quem é rico pode ter um terreno aqui”, relatou o pescador na época.

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Eram também os pescadores que mais se incomodavam com os novos hábitos do banho de mar. Os banhistas, que antes usavam trajes completos, até com toucas, aderiram à moda praia menor.

– As mulheres que não respeitavam os hábitos mais conservadores eram xingadas, e as esposas dos pescadores não queriam deixá-los ir para a praia no verão para evitar o contato com as pessoas “incouro”, termo usado na época que significa “em pele” – conta Borba.

Sem beach clubs

Prioritariamente, o que regia o ritmo das praias era o mar e o banhistas procuravam aquelas de águas mais calmas. Em Florianópolis o point das famílias eram as praias do continente, Coqueiros e Bom Abrigo. Havia uma estrada de terra e nada mais.

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Natural da capital catarinense, o cronista Sérgio da Costa Ramos, 67 anos, lembra que os moradores tinham casas de veraneio no continente. Naquela época, entre 1950 e 1960, mesmo a calma Canasvieiras era considerada praia de mar grosso. Havia apenas um hotel bastante precário por lá, com banheiros fora dos quartos e um aroma forte que surgia das pitangueira em frente. Famílias iam até lá para passar férias, mesmo porque a ida até Canasvieiras era considerada uma viagem.

Assim, as praias continentais se tornaram as favoritas dos moradores da região central da Ilha.

– Dizíamos que a praia mais querida da Ilha ficava no continente. Se existia poluição em Coqueiros era algo muito tolerável – descreve.

Hoje a praia praticamente não é frequentada por banhistas. Uma extensa avenida se formou na sua margem, limitando a faixa de areia. A água é considerada imprópria para banho, tanto em Coqueiros quanto no Bom Abrigo, conforme o relatório mais recente da Fundação de Meio Ambiente (Fatma).

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Ali também ficava a sede de praia do clube 12 de Agosto. Lá, as famílias se reuniam para passar o dia, tomando banho de mar e aproveitando para saltar do trapiche. Os gritos do Carnaval tradicional que ocorriam no clube do Centro também aconteciam na sede.

Apesar de essa área do clube reunir um público mais abastado, a praia de modo geral era mais democrática. A diversão era cair na água. Não existiam beach clubs e entornar taças de champanhe de frente para o mar estava longe de ser uma opção:

– Foi só em 1970 que houve uma transição. Os argentinos tinham descoberto a Joaquina em 1960 e em 70 veio a moda das praias de mar grosso – diz Sérgio (leia mais na pág.x).

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Invasões vizinhas

A partir de 1970 é que os balneários catarinenses viveram o boom do turismo. O câmbio favorável fez os argentinos surgirem em peso, acabando por adotar algumas praias catarinenses como suas favoritas.

– Em 1980 Florianópolis começou a investir em turismo, mas os acessos às praias eram muito ruins – conta Isaque Borba.

Além da proximidade geográfica, as praias do litoral de Santa Catarina com águas mais quentes foram o principal atrativo para os argentinos. Depois da descoberta do território por eles vieram também uruguaios, paraguaios e chilenos, esses últimos mais frequentes em anos recentes.

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– Foi preciso investir em infraestrutura. Hoje temos uma rede hoteleira preparada para esse turista e [melhoramos] especialmente em relação à língua – explica o presidente do Convention & Visitors Bureau de Florianópolis e região, Marco Aurélio Floriani.

Claro que a vinda de muitos desses turistas não ocorre por acaso. Associações participam durante o ano todo de feiras nesses países para divulgar Santa Catarina para as agências operadores de turismo.