Em um cenário de preconceitos e desigualdades dos Estados Unidos nos anos 60, o movimento cultural “ballroom” surgiu como um instrumento de acolhimento, orgulho e resistência para a comunidade LGBTQIA+. Essa cultura se espalhou por cidades de todo o mundo ao longo das últimas seis décadas, inclusive no Brasil. E, no próximo fim de semana, será celebrada dentro da programação do Festival de Dança de Joinville.
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As “ballrooms” se inspiraram na cultura dos bailes, que existiam há décadas nos Estados Unidos, onde homens se montavam como figura feminina e desfilavam em categorias de melhor roupa, caminhada ou maquiagem, por exemplo. Os eventos eram, majoritariamente, formados por pessoas brancas e marginalizavam toda uma comunidade formada por negros, latinos e LGBTQIA+ (principalmente, transexuais).
Foi assim que, na década de 1960, essa comunidade decidiu criar seus próprios bailes na periferia, onde poderia celebrar a diversidade de gênero, raça e sexualidade. Ao longo dos anos, foram sendo criadas diversas categorias de competição, dançadas ou não, em que os participantes disputam pela melhor performance.
Ao som de uma música, cada um entra para receber a avaliação da banca de júri. Quem não se classifica, recebe um chop (corte, em inglês), sinalizado por um X. Já os classificados passam para a próxima fase, onde acontecem as batalhas, em um sistema de chaves, até restar apenas o campeão.
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As competições são abertas para todos, e qualquer pessoa presente na ballroom pode participar da categoria, passando pela avaliação do júri. No entanto, é comum ter a presença dos integrantes de houses (casas, em inglês), como se fossem times. Segundo o artista e integrante do movimento ballroom de Joinville, Dilson Schulz, as casas são elementos que surgiram junto dessa cultura.
— Hoje, a gente já sabe que as pessoas LGBTs são expulsas de casa, então imagina o contexto de 100 anos atrás em que elas moravam nas ruas. Elas começavam a se conectar para criar uma rede de apoio e construir suas próprias casas — explica.
Dilson comanda a Casa Indigo, criada por ele neste ano em Joinville, por isso é chamado de “pai” da house. Esta tradição existe desde o início do movimento, quando as lideranças das casas começaram a ser indicadas como “pai” ou “mãe”. Isso acontece porque os integrantes se enxergam como uma família, mesmo que a rivalidade e as provocações apareçam no momento da competição.
— As casas estão competindo entre elas, temos momentos de tensão durante a batalha, mas está todo mundo no mesmo barco. Quando para a música, as pessoas se abraçam e estão ali pela mesma causa, pelo espaço de acolhimento, onde vão ser como querem ser — resume Dilson.
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Um lugar de acolhimento e descobertas
Ao lado de Dilson, a Casa Indigo foi fundada e hoje é comandada também pela “mãe” Ira. Ela é bailarina de dança contemporânea e clássica, já tinha contato com o voguing – um estilo de dança característico da ballroom – e conheceu o movimento cultural durante uma temporada em que apresentou “O Quebra-Nozes” por uma companhia em São Paulo.
Durante a passagem pelo sudeste brasileiro, a bailarina esteve longe da família e dos amigos, mas se sentiu abraçada pelo movimento ballroom paulista. Foi quando entrou para a Casa LaRaia, onde permaneceu mesmo após retornar para Joinville, em 2021. Desde então, começou a desconstruir algo em si, segundo ela.
— A ballroom preencheu essas dúvidas que eu tinha em relação a mim e ao meu corpo. Eu consegui me encontrar, uma pessoa agênero. E descobri essas nomenclaturas, a identidade de gênero dentro da ballroom — conta.
Outro integrante da Casa Indigo é o jovem Eduardo Lopes, que começou a participar do movimento há menos de um ano pelas categorias de “Runway” (passarela) e “Face” (rosto). Ele conta que tem insegurança com a própria estética por usar aparelho nos dentes, por exemplo, mas que, na ballroom, o mais importante é cada pessoa entregar sua beleza, independente de como ela seja.
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— Ninguém vai te julgar por isso. A ballroom é algo muito maior do que uma competição, é acolhimento. A gente se solta, mostra o seu lado mais íntimo, sem medo de ser julgado. É assim que a cultura nos recebe — complementa.

Voguing e a conexão com a dança
O “pai” da casa Indigo explica que as principais categorias de uma ballroom são “Runway” (caminhada de passarela), “Face” (beleza de rosto) e “Realness” (performar como um personagem pré-definido), entre as não dançadas. Já nos segmentos que envolvem dança é comum ter elementos de um estilo conhecido como voguing.
Esse tipo de dança nasceu a partir da década de 1970, inspirado nas poses de modelos que saíam nas páginas da revista Vogue, uma das principais fontes sobre moda para a comunidade, que não tinha acesso àquela realidade mostrada nas publicações.
— O povo começou a perceber que se eu trocar de pose a cada batida da música, parece que estou dançando. Aí começamos a ter os primeiros movimentos de dança e surge o voguing, que é o fazer vogue — explica Dilson, que também dá aulas gratuitas do estilo de dança em Joinville.
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Entre as categorias mais famosas inspiradas no voguing estão o “Old Way”, que trabalha as poses mais marcadas, com linhas, ângulos e simetria; o “New Way”, com mais flexibilidade e fluidez nos movimentos; e o “Vogue Femme”, em que há mais elementos femininos, dramáticos e com acrobacias.
Na década de 1990, o voguing teve uma disseminação ainda maior pelo mundo pelo lançamento do sucesso “Vogue”, da cantora Madonna. O videoclipe trazia elementos da dança famosa nas ballrooms e fez com que muitas pessoas tivessem interesse em aprender o estilo.
Além do voguing, as ballrooms também podem ter outras categorias dançadas que envolvam diferentes tipos de dança. É comum que alguns segmentos sejam adaptados para os países em que são praticados. No Brasil, por exemplo, há competições inspiradas em passinhos de funk, samba no pé e no rebolado.

Major Ball traz a ballroom para o Festival de Dança
Toda a cultura das Ballrooms estará presente no Festival de Dança de Joinville, em um encontro realizado no último dia de evento. A Major Ball será uma oportunidade para as pessoas conhecerem de perto o movimento, entenderem mais sobre o formato e também se inspirarem para começar a praticar.
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Serão 13 categorias de competição, todas com a temática do Festival de Dança. O segmento de “Best Dressed” (melhor roupa) terá como inspiração a Noite de Gala, enquanto “Runway” vai remeter à Feira da Sapatilha, por exemplo.
Segundo Dilson, um dos organizadores da Major Ball, o evento vai reunir pessoas importantes da cena Ballroom brasileira. Um deles é Felix Pimenta, um dos pioneiros do movimento no país e que também faz parte de uma casa internacional.
A Major Ball acontece no Espaço 185, a partir das 20 horas, com classificação etária de 16 anos. Os ingressos estão à venda pelo site TicketCenter e pessoas transexuais têm acesso gratuito ao evento.
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