Do Brasil para Moçambique, de Florianópolis para Maputo. É o que vai ocorrer nesta sexta-feira, às 19h30min, na cerimônia de passagem do Mundos de Mulheres 2017-2020. É um dos últimos atos do 13º Congresso Mundos de Mulheres conjuntamente com o 11º Seminário Internacional Fazendo Gênero, que entre os dias 30 de julho e 4 de agosto reuniu cerca de 8,5 mil pessoas na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
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Na ocasião será divulgada a logomarca do próximo evento, daqui a três anos. A imagem apresenta algo simbólico para as mulheres moçambicanas, as miçangas. Com as peças coloridas elas fazem correntes, colares, tranças nos cabelos, utensílios domésticos. Lembra, ainda, a formação de uma roda de conversa. Na África, a cultura é repassada principalmente a partir da transmissão oral dos mais velhos para os mais jovens.
O título fala em ¿corredores dos saberes¿ e foi inspirado na pesquisa da jornalista brasileira Vera Gasparetto, que na tese de doutorado estuda o feminismo entre as mulheres moçambicanas. A professora Isabel Casimiro dá aulas na Universidade Eduardo Mondlane e faz parte da organização do evento que será realizado em Maputo.
Doutora em Sociologia, ela diz que sediar o próximo encontro mundial é um grande desafio para se discutir feminismo em um país que só conseguiu a independência em 1975. Além disso, enfrentou uma guerra civil que por 16 anos dizimou grande parte da população e fez com que temas como educação e saúde ainda estejam em processo de construção.
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— A nossa história é feita de desafios, temos a participação das mulheres como guerrilheiras nas lutas de nosso país e nós queremos valorizar isso. Além do fato de sentirmos que o meio acadêmico é ainda muito machista — diz a feminista.
Para a educadora, é necessário também acelerar a presença dos movimentos sociais para dentro da academia como forma de responder demandas do povo moçambicano. A ideia é que o Mundo de Mulheres ajude nesse diálogo. Todos esses fatores, diz Isabel, fazem com que ainda ocorra pouca visibilidade das lutas e potencialidades de organização das mulheres moçambicanas. Inclusive dentro do continente africano, que tem muita diversidade. Ela lembra que, apesar de existir o Fórum Feminista Africano, na organização não existem representantes de mulheres de Moçambique, assim como outros que falam o idioma português, como Angola, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe.
Em Moçambique, a língua portuguesa, do colonizador, é a oficial. Mas o país convive com 20 dialetos. Isabel acredita que será muito importante envolver também mulheres de outros países que falam o mesmo idioma e fazem parte de organizações feministas da África do Sul. Além disso, contam com mulheres de Uganda, e da Universidade de Coimbra, uma das mais importantes e tradicionais instituições de Portugal.
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Agenda comum pelo fim do casamento das crianças
A ativista Graça Samo coordena o secretariado internacional da Marcha de Mulheres. Representante dos movimentos sociais, ela explica que em Moçambique a coordenação do próximo evento será de uma rede com cerca de 80 instituições que articula as iniciativas que atuam com igualdade de gênero.
— O nosso país tem uma diversidade muito grande. Temos que lutar contra os males que nos assolam não apenas como mulheres, mas como cidadãos — diz.
Para Graça, o que falta para as mulheres de Moçambique é elaborar uma agenda comum. Isso ela acredita que possa ocorrer com a construção do Mundo de Mulheres:
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— Viemos para Florianópolis com uma delegação de pessoas formada por mulheres do campo, da cidade, militantes, estudantes, urbanas. Agora vamos tentar responder a essa pergunta sobre como enxergar objetivos comuns.
Graça reconhece que em Moçambique a academia está a emergir. Mas acredita que não sirva de impedimento para o processo de aproximação com os movimentos sociais. Cita o que ouviu das mulheres indígenas durante as oficinas do Mundo de Mulheres:
— O que faz a academia que deixa o meio ambiente ser destruído, que convive com a terra sendo envenenada, a água contaminada? Será que o engenheiro não tem que ir ver o que obra está causando para essas pessoas? Será que o médico não deve ir lá e saber o motivo dos índios não morrerem mais de morte natural, mas de não índio como ouvimos aqui?
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Graça diz que um das questões a serem enfrentadas são as uniões forçadas. Politicamente, explica, a expressão casamentos prematuros é evitada. Isso por entenderem que casamento deve ser algo decidido por pessoas com autonomia para decidir por si. As uniões estão associadas a elevados índices de gravidez de meninas muito novinhas e que deixam de estudar:
— Isso decorre da visão de que as mulheres existem para servir aos homens. Não só em Moçambique, mas em vários lugares da África a submissão das crianças em tenra idade é uma realidade a que chamam de rituais de iniciação. Nós discordamos, pois em vários processos de vida a gente passa por iniciação, inclusive na academia própria academia.Mas existe uma pauta presente na agenda de todos os movimentos que trabalham com igualdade de gênero.
A erradicação da união forçada, que incide diretamente na saúde das meninas.
— Para nós é muito melhor prevenir, mas temos por outro lado questões financeiras muito graves e as famílias entendem que diante da perda de terras para cultivar é melhor se livrar dos filhos, das crianças, das meninas e até dos meninos — diz.
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Graça explica que homem que trabalha nas minas, em multinacionais que abrem estradas e outra obras oferecem dinheiro para se casarem com crianças e adolescentes muito jovens.
— Isso é a ponta do iceberg dos problemas sociais que vivemos não só em Moçambique, mas do mundo diante dos modelos de um mundo do controle do corpo das mulheres e as coloca no centro das vulnerabilidades. Por isso, o feminismo que a gente constrói hoje não basta ficar discutindo questões sociais relativas somente à terra, por exemplo, mas combinar todos os que são urgentes.
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