A justificativa dada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para negar uma liberação de recursos para a realização de um congresso de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem causado revolta no meio acadêmico e notas de repúdio de entidades ligadas à educação.
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Ao alegar que o evento teria "organizadores e palestrantes de elevada relevância para a comunidade de militância política na área do direito", o órgão ligado ao Ministério da Educação (MEC) negou um recurso que pedia R$ 80 mil do governo federal e ainda retirou R$ 20 mil que já haviam sido autorizados anteriormente.
O motivo da discussão é o Congresso Internacional Constitucionalismo e Democracia, marcado para novembro em Florianópolis. Organizado pela Rede Internacional para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano, o evento está em sua 9ª edição e nos oito anos anteriores (sempre realizado em uma universidade diferente) recebeu a mesma verba de apoio da Capes, através do Programa de Apoio a Eventos no País (PAEP).
Desta vez, conforme explica uma das organizadoras do evento e Pró-Reitora de Pós-Graduação da UFSC, Cristiane Derani, foi feito um pedido inicial de R$ 80 mil e o retorno da Capes apontava uma liberação parcial de R$ 20 mil. Com isso, os organizadores tentaram um recurso dentro das normas do programa pedindo uma nova análise do valor — em uma tentativa de conseguir o total da verba. A surpresa veio no novo parecer que, além de negar a liberação dos recursos, reformava a decisão anterior, retirando os R$ 20 mil aprovados inicialmente, sob a justificativa de "militância política".
— Esse retorno ocorreu em junho. Desde lá tentamos por todos os meios conversar com a Capes, entrar com requerimentos, mas não tivemos mais respostas. O pedido ficou sem manifestação. Só depois de todas as tentativas tornamos isso público nas redes sociais. Agora, com a mobilização que isso gerou, fiz um recurso de ofício ontem (segunda-feira, 13) para o Conselho Superior, mas ainda não tivemos resposta — explica a professora Cristiane Derani.
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Procurada pela reportagem, a Capes se manifestou explicando que a decisão é tomada após uma análise de um conselho de especialistas que não são servidores do governo, e tal conselho não havia considerado o evento "científico" (leia a nota na íntegra no fim da reportagem). A Capes explicou também que o conselho é variável, formado por pessoas diferentes a cada encontro.
Pelo outro lado, Derani questiona a razão do primeiro conselho ter aceitado uma liberação parcial e, depois, o segundo retirado todos os recursos:
— Ele foi considerado científico inicialmente, tanto que liberaram R$ 20 mil. Como é considerado uma vez e depois não? Fere toda a Constituição você ter um processo em que as pessoas retroagem o que foi concedido anteriormente.
Organização busca outras fontes de recurso
A Rede Internacional para o Constitucionalismo Democrático Latino-Americano garante que o evento segue marcado para novembro na UFSC e que está buscando outras agências de fomento para tentar recursos. O congresso teria como tema "Novas economias e formas alternativas de pensar e viver" e tem na agenda palestrantes nacionais e internacionais vinculados a programas de pós-graduação em direito.
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— O evento vai acontecer. Quais as condições ainda é uma incógnita — resume a professora Cristiane Derani.
O que diz a Capes
O Programa de Apoio a Eventos no País (PAEP) é responsável pelo fomento de eventos científicos e tecnológicos no país, implementado pela CAPES ao longo de sua existência. Seu objetivo é incentivar a divulgação cientifica e tecnológica das pesquisas realizadas pelo Programas/Cursos de pós-graduação no âmbito do Sistema Nacional de Pós-Graduação.
Semestralmente ocorre a seleção das propostas apresentadas em resposta aos editais publicados pela CAPES, garantindo-se, deste modo, a isonomia e a objetividade dos julgamentos promovidos pelos próprios pares da comunidade acadêmica.
No caso do evento ‘VIII Congresso Internacional Constitucionalismo e Democracia: decolonialidade, pluralismo jurídico e alternativas ao desenvolvimento’, a análise de mérito foi realizada por um consultor ad hoc, com autonomia em relação à CAPES, que concluiu não ter a proposta apresentada preenchido os requisitos de cientificidade mínimos exigidos para implementação do fomento.
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A CAPES, como princípio, honra o compromisso de valorizar a avaliação entre pares, respeitando a autonomia da academia em relação a qualquer interferência institucional ou administrativa.