
Não importa o sentido: Norte, Sul, Leste ou Continente. Para onde se queira ir no horário de pico, o trânsito de Florianópolis costuma ser implacável com os congestionamentos. Se é sexta-feira, piora. Se chove, se acontece um acidente, a estimativa de chegada só aumenta.
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Florianópolis foi escolhida a pior cidade do país para dirigir na pesquisa Waze Satisfaction Index, do aplicativo Waze, feita em 2017 com critérios como nível de trânsito, segurança e qualidade das vias e fator econômico e social. Em outubro deste ano, dado mais recente, sensores instalados na Ponte Pedro Ivo apontaram que em média 106 mil carros por dia entraram na Ilha. A frota do município já contabiliza 360,8 mil veículos emplacados, proporção de mais de um carro para cada dois habitantes.
A menos de um mês do verão, o risco de que congestionamentos ainda mais severos se repitam quando o maior volume de turistas estiver na cidade recoloca em discussão os problemas que envolvem a mobilidade de Florianópolis. O tema é complexo, mas para especialistas ouvidos pela reportagem alguns problemas se sobressaem.
Um deles é a falta de alternativas para o transporte diário.
O doutor em Engenharia de Transportes José Leles de Souza afirma que as linhas de ônibus na cidade ainda não atingiram um grau de confiabilidade capaz de fazer as pessoas deixarem o automóvel em casa. De fato, números do Consórcio Fênix mostram que nos últimos cinco anos o sistema teve redução média de 2,8% no número de passageiros. Uma tentativa de fazer mais pessoas optarem pelo ônibus em vez do automóvel é a integração do transporte coletivo entre os municípios da Grande Florianópolis. Porém, ela ainda não está funcionando. (Colaboraram Leonardo Thomé e Clarissa Battistella).
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A preferência pelo carro e as limitações viárias
A limitação de alternativas contribui para que o carro continue sendo a principal opção de deslocamento. No Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis (Plamus), o transporte individual motorizado responde por 48% das viagens diárias na região. Em outras metrópoles brasileiras, esse mesmo transporte individual responde por 25% a 33% dos deslocamentos.
Comportar esses deslocamentos de carro esbarra em outra dificuldade da mobilidade da Capital: o espaço reduzido para grandes projetos e ampliações de rodovias e acessos aos bairros.
O arquiteto e urbanista Ângelo Marcos Arruda, coordenador do grupo de trabalho (GT) de Mobilidade do Comitê Metropolitano para o Desenvolvimento da Grande Florianópolis, aponta que a característica da Capital contribui para restringir as opções de deslocamento.
– Estamos em uma ilha, cuja acessibilidade central é por rodovias estaduais, avenidas que cortam de Norte a Sul, de Leste a Oeste, ladeadas por morros, montanhas, água, córrego, mangue, muitas dificuldades para ocupar o espaço físico. O que significa dizer que sai todo mundo na mesma hora e deságua nesses lugares, com alta quantidade de veículos circulando – avalia.
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Essa mesma limitação é o que torna difícil também, na visão dos especialistas, a adoção de corredores de ônibus. Essas faixas, já existentes em Blumenau por exemplo, diminuíram o tempo de deslocamento entre 50% e 300% nas principais vias centrais da cidade.
Em Florianópolis, um projeto de anel viário com implantação de um sistema binário na região do Pantanal e da Carvoeira está em execução. O projeto terá corredor exclusivo de ônibus, no formato BRT (Bus Rapid Transit), em grande parte do trajeto, próximo à região da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Segundo edital lançado ano passado, o BRT está previsto em dois trechos que somam 3,2 quilômetros. As obras viárias no local têm previsão de conclusão até julho.
Confira cidades que podem inspirar a mobilidade
Amsterdã (Holanda) e Copenhague (Dinamarca) | foco nas bicicletas

As duas cidades europeias se destacam pelas boas condições e pela prioridade oferecidas ao transporte via bicicleta. Em Amsterdã, a cidade conta com cerca de 880 mil bicicletas, número maior do que a população da cidade, estimado em 820 mil em 2015. Em Copenhague, as bikes respondem pelo meio de transporte adotado por 50% dos moradores nos trajetos para trabalhar ou estudar.
Amsterdã conta com vagas em estacionamentos subterrâneos para ciclistas guardarem as bicicletas. Por todo o cenário favorável, com ciclovias integradas, a bicicleta torna-se uma alternativa com alto índice de escolha nessas cidades.
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Em Amsterdã, e as bicicletas possuem preferência.
– Temos que ter não só o circuito interligado, como a prioridade na própria lei para essa circulação. O Código de Trânsito Brasileiro é 99% voltado para a normatização para veículos – avalia o doutor em Engenharia de Transportes, José Leles de Souza.
Berlim (Alemanha) | diversidade de opções

A capital da Alemanha foi a primeira colocada
em um ranking internacional de mobilidade urbana do estudo Mobility Futures, da consultoria Kantar. No caso de Berlim, o destaque na mobilidade ocorre por maior economia nas viagens e pela rede de infraestrutura de transporte público.
Em março deste ano, o governo da tradicional Berlim anunciou investimento de 28 bilhões de euros até 2035 em melhorias no transporte público, como novas linhas de bonde e expansão de trens e metrôs. A intenção é reduzir para 3,3 minutos o tempo de espera por um metrô e para 10 minutos o período a aguardar por um ônibus, segundo a Deutsche Welle (DW).
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– Em Berlim, o destaque principal é o volume de opções intermodais. Você tem trem, ônibus, metrô, bicicletas, tudo interligado, o que permite um rol maior de opções de sistema de transporte – compara Leles de Souza.
São Paulo (Brasil) | diversidade de opções
No mesmo ranking do Mobility Futures que Berlim aparece como a primeira colocada, São Paulo ocupa a penúltima colocação entre 31 cidades do mundo. Ainda assim, com as dificuldades do transporte viário, no Brasil é a capital paulista quem ocupa a melhor condição de mobilidade entre as grandes cidades do país.
O motivo é o mesmo fator que rende destaque a Berlim e que poderia ampliar as opções de deslocamento em Florianópolis: variedade de opções para deslocamento.
– O sistema de Londres, outro caso famoso na Europa, tem em torno de 400 quilômetros somente de rede de metrô na área urbana. Em São Paulo, com as entregas recentes, está chegando à casa de 100 quilômetros. Considerando o tamanho da população e das duas cidades, estamos longe de ter as mesmas alternativas. Mas, ainda que seja pouco, São Paulo é a cidade brasileira que mais tem volume de alternativas. Usa-se trem, metrô, transporte individual, há espaço cicloviários – analisa Leles de Souza.
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Curitiba (Brasil) | inovações para o transporte coletivo
Outro caso famoso na área de mobilidade entre cidades brasileiras é o de Curitiba. No caso da capital paranaense, o destaque foi o modelo de transporte coletivo implantado a partir de 1974. No formato de BRT (bus rapid transit), o sistema conta com terminais integrados, ônibus articulados e biarticulados, canaletas exclusivas para os veículos e estações de embarque fechadas e com pagamento antecipado.
O modelo inspirou sistemas de transporte coletivo em mais de 80 países e alguns desses conceitos são replicados até hoje. Nos últimos anos, no entanto, a cidade viu crescer o número de reclamações por conta de fatores como necessidade de renovação da frota
– Foi um exemplo para boa parte da América Latina. Colômbia e Peru utilizam hoje sistema parecido – explica o professor da Udesc Daniel Pinheiro, responsável por um estudo sobre opções de mobilidade em Florianópolis.
Novidades no transporte coletivo como um trecho de BRT estão entre as opções
Medellín (Colômbia) | teleféricos

A cidade que já foi conhecida pela violência do narcotráfico e que se reinventou pela inclusão social desenvolveu um sistema de mobilidade diversificado, com alternativas como metrô de superfície, BRT e ciclovias. Mas são os teleféricos ligando as regiões periféricas à área central de Medellín o meio de transporte mais famoso da cidade colombiana.
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Ligação por bondinho entre a região do Centro, Morro da Cruz e Trindade já chegou a ser discutida em Florianópolis em 2013, mas até hoje não avançou. Embora na Colômbia – e também no RJ – seja utilizado como deslocamento por trabalhadores, o modelo é considerado interessante.
– Isso não é algo que resolveria o problema de mobilidade. Seria mais uma opção para quem mora na região central, que está indo de um lado a outro do morro. Mas o problema de mobilidade está principalmente na conexão para trazer pessoas de lugares mais longes do Centro – avalia Daniel Pinheiro
Rio de Janeiro (Brasil) | transporte marítimo
Na capital carioca ocorre um exemplo de modal de transporte bastante discutido, mas ainda quase inexistente em Florianópolis: o transporte marítimo. No caso fluminense, barcas com capacidade para de 1,3 mil a 2 mil pessoas fazem o deslocamento entre Rio e Niterói. Em Salvador, o transporte marítimo também foi adotado como forma de desafogar o sistema de trânsito em determinados trajetos.
– O caso de Florianópolis é especial porque há condições de interligar as regiões da cidade. Você pode integrar bairros do Norte e do Sul da Ilha com o Centro, do Sul com Norte, as cidades próximas. É característica que boa parte das outras cidades não têm e que pode ser aproveitada – defende José Leles de Souza, que menciona que mesmo no Rio e em Salvador o transporte marítimo ainda é feito de forma tímida.
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Uma discussão em Florianópolis já tentou implantar, mas até o momento não avançou.
