O cenário é difícil para as forças de segurança de Santa Catarina. Há dificuldades financeiras, queixas de desmotivação, acúmulo de inquéritos, regiões dominadas por facções criminosas e o quadro de avanço da violência.

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Nesse contexto, o delegado Marcos Ghizoni e o coronel Araújo Gomes tem a missão de liderar as polícias Civil e Militar, respectivamente. Eles foram as apostas do agora governador em exercício Eduardo Pinho Moreira (PMDB) e confirmadas pelo futuro secretário de Segurança Pública, o professor e advogado Alceu Pinto de Oliveira Júnior.

Os dois assumem os cargos diante de um quadro crítico. Florianópolis e Joinville sofreram explosão de assassinatos em 2017. No Estado, o número de homicídios cresceu 10%.

Antecipação ao crime organizado

Nascido em Florianópolis e criado em Tubarão, no Sul do Estado, o delegado Ghizoni, 45 anos, com 12 de carreira, chega à Delegacia Geral em uma ascensão meteórica. Ao menos os cinco chefes de polícia anteriores – Aldo Pinheiro D´Ávila, Ademir Serafim, Maurício Eskudlark, Ilson Silva e Ricardo Thomé – tinham mais de 20 anos na Polícia Civil quando alcançaram o cargo de número 1.

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Com fama de gestor durão, trabalhou principalmente no Sul e nos últimos três anos era delegado geral adjunto, função que o fazia lidar diretamente com as decisões de impacto estadual.

Entusiasmado com a nova função, Ghizoni promete ações fortes contra o crime organizado, com inteligência, integração e antecipação aos delitos. Ele reconhece ser desafio interno a questão das promoções dos policiais e afirma que vai se esforçar por isso no governo. De acordo com o delegado, é preciso definir uma data base da categoria.

TEMOS QUESTÕES INTERNAS, ADMINISTRATIVAS, QUE TÊM QUE SER FEITAS PARA QUE TENHAMOS UMA POLÍCIA FOCADA NO PAPEL DE INVESTIGAÇÃO. SÓ NÃO PODEMOS ENTRAR NESSE CÍRCULO VICIOSO DE QUERER, QUERER E QUERER.

MARCO GHIZONI

Diretor geral da Polícia Civil

Sobre o efetivo policial, Ghizoni lembra que há concurso em andamento para 399 policiais que devem ingressar ainda em 2018.

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– Temos questões internas, administrativas, que têm que ser feitas para que tenhamos uma polícia focada no papel de investigação. Só não podemos entrar nesse círculo vicioso de querer, querer e querer. Primeiro, é preciso trabalhar e fazer a sua parte – diz.

Ele admite o estresse externo muito grande para vencer a criminalidade em crescimento, mas garante que a polícia dará conta e entende que as críticas devem ser construtivas.

Ações nas ruas serão otimizadas

O coronel Araújo Gomes, 51 anos, é conhecido pelo perfil operacional e técnico. Faz 31 anos de formação em 2018. Foi no comando do 4o Batalhão da PM, em Florianópolis, que ganhou visibilidade e passou a ser referência dentro da corporação. Mas, antes, cumpriu funções em Joinville e dentro do Corpo de Bombeiros e na Defesa Civil, além de ter participado de missões do governo federal em outros Estados. O plano é intensificar as ações nas ruas para sufocar o crime.

Até quinta-feira, às 10h, quando assume oficialmente o posto, será subcomandante-geral. Por isso, conhece os problemas a fundo. Agora, com a caneta na mão, garante que terá a oportunidade de aplicar convicções próprias e pretende agir para reduzir o número de mortes violentas.

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A POTENCIALIZAÇÃO DA INTELIGÊNCIA VAI NOS TORNAR AINDA MELHORES NA INTEGRAÇÃO COM OUTROS ÓRGÃOS E NO COMBATE ÀS FACÇÕES.

ARAÚJO GOMES

Comandante da PM de SC

Segundo ele, serão quatro conceitos de operações: de choque de ordem, com presença intensa nas comunidades; de sufoco, para a prisão e apreensão de criminosos; de ferrolho, com o monitoramento das áreas conflagradas para o controle de fronteiras; e de força-pública, com intervenção social nas áreas onde há mais conflito.

Por meio de um levantamento interno, o coronel constatou uma mancha criminal concentrada em 10 municípios catarinenses, onde ocorrem 50% dos crimes do Estado. Por isso, pretende focar energias e policiais nesses locais.

– A potencialização da inteligência vai nos tornar ainda melhores na integração com outros órgãos e no combate às facções. Em outro nível, será importante a colaboração das agências de inteligência locais para repressão qualificada e identificação das lideranças – diz.

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Baixo efetivo e atendimento são obstáculos

A reportagem ouviu entidades da categoria para elencar os principais problemas que serão enfretados pelos novos chefes das polícias. No caso da Civil, representantes dos agentes e delegados citam as faltas de promoções e baixo efetivo como obstáculos.

– O grande desafio dele (delegado Ghizoni) será motivar os policiais civis, que não são promovidos como as outras carreiras de estado e precisam ser devidamente reconhecidos, mas também é preciso melhorar o atendimento – acredita o presidente da Associação dos Delegados de Polícia (Adepol), Ulisses Gabriel.

Além das promoções atrasadas, há quantidade insuficiente de policiais e reclamações internas de impacto na área operacional, com corte de 20% no combustível das viaturas no começo do ano, pontua o interventor do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol), Thiago Luis Lemos.

– Faltam policiais, temos poucas delegacias que tocam a investigação propriamente dita, algumas com um ou dois policiais apenas – ressalta Thiago, acrescentando que o crime está sempre à frente da polícia no quesito “aparelhamento”.

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Motivação, efetivo e promoções

A Associação de Praças de Santa Catarina (Aprasc) aponta para o efetivo como a principal necessidade de melhoria da Polícia Militar na gestão do novo comandante-geral. O número da PM atual é de 10.784 servidores, segundo dados de janeiro do Portal da Transparência. Mesmo com reposições recentes, o número é menor do que o de janeiro de 2013. O presidente da entidade, Edson Fortuna, questiona ainda o uso de 600 servidores em serviços de segurança em órgãos governamentais como a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Justiça.

– Tudo passa por efetivo. Há muitos policiais novos trabalhando na parte interna dos quartéis, com serviço administrativo, e não no policiamento preventivo nas comunidades – critica Fortuna.

O presidente da Associação de Oficiais Militares de SC (Acors), coronel Sérgio Luis Sell, enxerga em Araújo Gomes habilidade para administrar a corporação. Como a gestão de Pinho Moreira terá inicialmente 10 meses, ele reconhece que o tempo será curto.

– Apesar do pouco tempo, ele tem habilidade gerencial e equipe técnica para que possa cumprir essa tarefa – diz.

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Obstáculos pela frente

NA POLÍCIA MILITAR

Letalidade policial

Em 2017, SC teve 70 mortes em ações da PM. O número é 20,6% maior do que em 2016. O crescimento gera críticas de bastidores no Ministério Público e Judiciário.

Bases comunitárias

Especialistas apontam a necessidade de maior atuação comunitária. A abertura de bases fixas nos bairros é questionada diante da necessidade de mais policiais em rondas nas ruas.

Setor de inteligência

O novo secretário de Segurança Pública, Alceu de Oliveira Pinto Junior, pretende focar atividades na área. Apesar de não ser foco direto da Polícia Militar, a corporação é fundamental na captura e troca de informações entre os órgãos de segurança.

PMs cedidos a outros órgãos

Levantamento da Aprasc diz que 600 policiais militares atualmente estão cedidos para outros órgãos.

Viaturas e equipamentos

O ano passado terminou com dificuldades financeiras para recuperação de viaturas e abastecimento dos veículos. Os policiais também reclamam da necessidade de reciclagem do armamento e dos coletes à prova de bala.

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Integração com a Polícia Civil

As duas corporações tiveram recentes desentendimentos por conta das atribuições de cada uma. A mais impactante foi a disputa pela investigação de homicídios em confrontos da PM com suspeitos.

NA POLÍCIA CIVIL

Recursos financeiros

Em janeiro houve anúncio de 20% no corte do combustível para as viaturas. Há queixas em delegacias de Florianópolis de falta de material de expediente e escritório.

Delegacias que não investigam

Talvez um dos grandes problemas da instituição. Delegacias de bairro viraram registradoras de boletins de ocorrências e tocam poucas investigações alegando baixo efetivo. Apurações de furtos, ameaças e outros crimes de menor potencial acabam engavetadas, provocando sensação de impunidade e prejuízos à população.

Falta de efetivo

São 3.165 policiais civis e um déficit de cerca de 3 mil. O interior é o que mais sente.

Integração com a PM

Nos últimos anos houve fatos graves que colocaram policiais em lados opostos, por exemplo, em Florianópolis, Itajaí e Balneário Camboriú. O compartilhamento e as ações integradas são raros e quando acontecem geralmente são para representar à população que está tudo bem.

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Grandes traficantes

A Deic apreendeu no ano passado 16 toneladas de maconha, três vezes mais do que no ano anterior, um recorde na história da Polícia Civil. Mesmo assim, circula em bastidores que faltam ser pegos os grandes barões da droga e chefões violentos do tráfico.

Crime organizado

A mais difícil tarefa: frear o ímpeto das facções por território do tráfico. Há o embate violento entre o local Primeiro Grupo Catarinense (PGC) e o paulista Primeiro Comando da Capital (PCC). Apesar das operações e centenas de prisões em 2017, elas seguem enraizadas com fortes comandos em presídios, onde conseguem se comunicar com comparsas das ruas e ordenar crimes.