Pingos ritmados na janela, céu acinzentado, vento frio no mesmo dia em que o amanhecer foi quente: o cenário de Joinville parece ser sempre o mesmo, mesmo que as estações mudem. “Em Joinville sempre chove. É só pegar a primeira nuvem à esquerda em direção ao Sul que você encontra a cidade”, costumam dizer os moradores, com a sombrinha a tiracolo.

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Ainda que a paisagem de Joinville tenha voltado à sua configuração mais tradicional nos últimos dias, os dados pluviométricos mostram que há muito tempo não chovia tão pouco por aqui: de 21 de junho a 22 de setembro, foram apenas 121,9 milímetros, volume semelhante à média mensal individual de julho e de agosto, considerados os meses mais secos do ano em Joinville. A média geral para o inverno em Joinville é de 323,8 mm.

A previsão para os próximos meses também não é positiva: estima-se que será uma primavera com chuvas abaixo do padrão e com temperaturas mais altas que o normal, apesar de ser uma estação mais propícia a temporais e, por isso, não tão seca como nos últimos três meses. Em outubro, por exemplo, a média histórica é de 182 milímetros.

A explicação para Joinville ter passado tanto tempo sem grandes precipitações é a mesma para estiagem no resto do País: a não formação do El Niño, fenômeno climático que aquece as águas do oceano Pacífico e tem como consequência principal no Brasil o aumento das chuvas na região Sul nesta época do ano.

– Havia uma massa de ar quente parada sobre a região que impediu que as frentes frias pudessem subir do polo Sul. A frente fria entrava pelo Uruguai, pela Argentina e não conseguia avançar pelo Brasil – explica o professor de climatologia na Universidade da Região de Joinville (Univille), Paulo Ivo Koehntopp.

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– Agora, enfim, as frentes frias começam a subir, mas muito tardiamente, já estamos na primavera. Elas não deveriam mais estar chegando – avisa ele.

Com base nos dados da estação meteorológica da Univille, a doutoranda em climatologia Yara de Mello já realizou um teste de tendência e verificou que Joinville não apresenta nem aumento nem diminuição no índice pluviométrico nas últimas décadas, ainda que a impressão para quem reside na cidade possa ser de que chovia mais no passado.

– O clima é muito dinâmico, por isso a média não é uma forma certa de representá-lo. Ela acaba suavizando os dados e não representa a realidade. Ao olhar um gráfico, você perceberá que sempre há oscilações. Este inverno é considerado seco, mas não muito seco, e está dentro da dinâmica do nosso clima – avalia Yara.

Localização é fator para as chuvas

A oscilação na precipitação de chuvas de Joinville pode ser percebida pelos gráficos que mostram os índices de chuvas desde 1895. Naquele ano, choveu cerca de 2.200 mílimetros, valor bem próximo ao que ainda é considerado como média anual para a cidade, que é de 2.130,1 mm. Desde 1950, os anos em que mais choveu ns cidade foram: 1957 (2.649,7 mm), 1983 (2.782,1 mm), 1998 (2.611,2 mm) e 2008 (2.570,9 mm) — anos conhecidos por enchentes históricas em Joinville.

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Há três anos, uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) divulgou que Joinville havia sido a cidade onde o Sol menos apareceu em todo o Brasil durante o ano de 2013, com apenas 116 dias de Sol, o que queria dizer que, por 249 dias, os moradores conviveram com nebulosidade ou chuva. A precipitação com maior índice ocorreu na região próxima à Serra do Mar.

– Podemos explicar por que chove tanto em Joinville em três frentes: a localização latitudinal, a localização geográfica e a malha hidrográfica – diz Paulo Ivo Koehntopp.

O professor explica que, além de a cidade estar na parte do planeta onde a frente fria do polo Sul e o ar quente do Norte se encontram, as condições de relevo representam uma grande influência:

– O município está próximo à serra do Mar, que consiste em uma barreira para as nuvens, concentrando-as e fazendo chover no pé da serra, unindo-os à umidade provocada pelos ventos nordeste, sul e leste. De qualquer direção, os ventos passam pela baía da Babitonga e trazem umidade para a cidade. É o que chamamos de chuva orográfica. E, ainda, há a umidade do solo que, por causa de proximidade do mar, é muito encharcado – afirma.

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Ilha de calor

Ainda que não seja possível afirmar que o total de chuvas de Joinville diminuiu nos últimos anos, é certo que, quando foi criada a Colônia Dona Francisca, há 166 anos, os imigrantes viveram muito mais dias de tempestades. Com o desmatamento para abrir a cidade, a diminuição da quantidade das chuvas é inevitável, a não ser que exista um planejamento para as cidades continuarem “verdes”. Segundo Paulo Ivo Koehntopp, Joinville, assim como as outras cidades do País, está virando uma ilha de calor.

– Um eucalipto adulto produz 500 litros de água por dia para a atmosfera. Com a redução dele, reduz-se a evapotranspiração, e isso pode mudar radicalmente o clima de uma região. [Joinville cresceu muito] e desmatamos para ampliar, construir uma cidade de concreto e asfalto. Com isso, aquecemos o ambiente e o secamos – afirma Paulo Ivo.

Desde os anos de 1990, a cada fim de década noticia-se que aquela foi a mais quente da história desde 1850, quando as medições começaram a ser feitas. O mesmo ocorre a cada janeiro: o ano anterior é o mais quente da história. Paulo Ivo comenta que, ainda que a mudança seja natural, tornou-se mais rápida no último século.

– É claro que há uma soma de fatores, mas poderia ser mais natural se não fosse a “contribuição” do ser humano. Não conhecemos ainda a intensidade da interferência humana nesse processo. Precisamos saber como não ultrapassar os limites, cuidando do meio ambiente, do lixo, preservando as florestas – avisa.

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