O pai do cinema novo e o maestro soberano da bossa nova lado a lado. Quem promove esse encontro de dois titãs da cultura brasileira é o filme A Música Segundo Tom Jobim, em cartaz na Capital. Aos 83 anos, o cineasta Nelson Pereira dos Santos assina a direção do documentário ao lado de Dora Jobim, neta do músico. Na entrevista a seguir, o diretor de clássicos como Rio, 40 Graus (1955) e Vidas Secas (1963) e imortal da ABL fala sobre a sinfonia de imagens que revê a trajetória de Tom Jobim sem narração – apenas com a linguagem da música.

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Agência RBS – Fazer um filme sem diálogos foi inevitável diante da obra de Tom Jobim?

Nelson Pereira dos Santos – Diante do material que fui garimpando, percebi que não precisava de mais nada. Era só acrescentar alguma informação visual também, uma fotografia, um documento, enquadrado na cronologia, que segue a composição das músicas. A primeira vez que se ouve Garota de Ipanema é com o Tom e o Vinicius cantando, mas a idade física deles nas imagens não corresponde à do áudio de quando eles compuseram aquela beleza. Na medida em que fomos vendo o material, ele dispensava qualquer outra interferência.

Agência RBS – A pesquisa revelou algo desconhecido?

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Nelson – O título do filme é o mesmo de um programa que fiz em 1985 com o Tom para a extinta TV Manchete. É o Tom contando a história da música popular brasileira. Ele convida pessoas importantes como o Radamés Gnattali e o Dorival Caymmi para contar essa história. E tem os amigos cantores também, como o Chico, a Nana, a Gal Costa, a Olivia Byington. Ao morrer, a Manchete também levou consigo o original do programa, mas conseguimos algumas cópias caseiras e ele está salvo. Tenho uma intimidade com o Tom e o jeito dele por causa do programa. E o Paulo Jobim (filho de Tom) fez as músicas dos meus filmes Cinema de Lágrimas e Brasília 18%.

Agência RBS – O que é mais forte na música de Tom Jobim?

Nelson – Sou ouvinte comum, não tenho cabeça de músico. O que me encanta na música dele é a grande combinação de gêneros musicais. Tudo o que ele fazia era muito estudado. Tenho um outro filme, que é a memória dele contada pela irmã, a primeira e a segunda esposa. Se chama À Luz de Tom. Ficou pronto antes desse, mas não foi lançado. A Teresa, primeira esposa, conta como o Tom trabalhava duro, estudava muito e ia tocar piano nas boates para ganhar dinheiro para o aluguel. São informações que dimensionam como esse grande compositor se construiu com muita pesquisa, muito trabalho.

Agência RBS – O que há de significativo na nova geração de cineastas brasileiros?

Nelson – Tenho meus preferidos. Aí no Sul, tem a patota do (Jorge) Furtado, gente ótima. Gosto também do pessoal de Pernambuco, do Cláudio Assis. Ele é agressivo, mas sabe das coisas. São muitos projetos. Nos anos 1960, éramos uns 15 ou 20 diretores, conseguíamos ver tudo. Hoje, não há tempo para ver tudo o que fica pronto.

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Agência RBS – Qual a contribuição de sua geração para o cinema brasileiro?

Nelson – O cinema novo deixou muita coisa importante. São coisas tão arraigadas, hoje, que muita gente não percebe que elas foram conquistas da época. A questão étnica: nas chanchadas, só podia aparecer um negro para ser palhaço, que era o Grande Otelo, ou em papel de empregado. Tivemos a coragem de por na tela nossos irmãos de todas as origens. Tem também a questão do preconceito social: gente pobre não aparecia no cinema. Meu primeiro filme, Rio, 40 Graus, virou caso de polícia. Queriam queimar o filme. E ainda tem a questão política que foi inserida por esse viés social. Hoje, lida-se com isso tranquilamente. E tinha o problema da língua portuguesa: a censura proibia as gírias. Isso só podia aparecer em chanchada, de uma forma escrachada.