As soluções para a mobilidade urbana existem e são acessíveis. Já evoluíram das promessas mirabolantes ou pirotécnicas para planos mais realistas, sem grandes segredos para serem colocados em prática. O desafio é, a partir de agora, colocar o que está sendo pensado em prática de forma continuada, crescente, acompanhado de um trabalho de conscientização da sociedade.

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Estas soluções realistas são, nada mais, nada menos, do que investimento crescente no transporte coletivo, com mais corredores exclusivos, implantação de BRTs (ônibus de trânsito rápido), mais conforto neste modal, além da integração dele com outros modais sustentáveis, como o deslocamento de bicicleta e a pé, por meio de calçadas acessíveis.

A curto e médio prazos, pelo menos, são estas medidas que serão vistas com mais frequência na tentativa de permitir que a sociedade se desloque com mais rapidez e conforto de um ponto a outro da cidade ou da região.

A frota de carros, motos – o transporte individual – continuará crescendo, impactando em mais congestionamentos e acabará sofrendo restrições em detrimento dos modais coletivos e sustentáveis, pelo simples fato de não haver espaço para todos circularem do jeito que bem entendem em um futuro próximo.

São estes os recados que ficam do terceiro e último debate de 2013 do Joinville que Queremos, uma iniciativa do jornal “A Notícia”, em parceria com o Perini Business Park, UniSociesc e Ciser.

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O evento teve como debatedores o presidente do Instituto de Pesquisa e Planejamento para o Desenvolvimento Sustentável de Joinville (Ippuj), Vladimir Constante; a professora de engenharia e pesquisadora em mobilidade da Udesc, Ana Mirthes Hackenberg; e participação em vídeo do consultor Alan Cannel, que tem atuado em sistemas de transportes em todo o mundo. O debate foi mediado pelo apresentador da RBS TV, Rafael Custódio, com comentários do colunista da “AN”, Jefferson Saavedra. O prefeito Udo Döhler fez as considerações finais.

A necessidade de integração de modais sustentáveis, como ônibus e bicicletas, os questionamentos por mais ciclovias, segurança aos ciclistas, calçadas e acessibilidade ganharam espaço no evento. Embora haja consciência do governo de que o planejamento viário de Joinville contempla obras importantes também para o transporte individual, a tendência é de que deslocamentos com carros e motos sofram mais restrições no futuro.

Planos para modais futuros, como veículos leves sobre trilhos ou sobre pneus e mesmo bondes aéreos, foram mencionados, principalmente na fala do prefeito Udo Döhler, como algo a ser pensado a partir de agora para as próximas décadas. O foco no transporte coletivo por ônibus e o avanço nas ciclovias e em calçadas, porém, serão medidas mais visíveis a curto prazo.

1. Bike, ônibus e a pé numa viagem só

A maior lição que o debate deixa para o futuro é a necessidade, cada vez maior, de avançar na integração dos modais de transportes como solução aos problemas de deslocamentos.

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Na prática, é a pessoa fazer o trajeto de casa até um terminal de bicicleta ou a pé, por exemplo. Embarcar em um ônibus para uma viagem mais longa. Descer em outro terminal. E alugar uma bicicleta pública neste ponto ou mesmo um carro para resolver suas necessidades perto daquele ponto.

A integração entre terminais de ônibus de Joinville e a aposta, recente, em bicicletários e nos planos para aluguel de bicicletas públicas em terminais caminham nesta direção.

O diferencial é tornar o transporte coletivo mais rápido e mais atrativo que o carro e dispor de uma maior extensão de ciclovias e calçadas. As metas da Prefeitura e do Plano Diretor convergem nesta direção.

2. Corredores, conforto e tecnologia

Para tornar o transporte coletivo mais atrativo e avançar na integração de modais, medidas básicas e outras mais avançadas são necessárias. A implantação de corredores exclusivos de ônibus é fundamental, segundo o presidente do Ippuj, Vladimir Constante.

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Hoje, segundo Constante, a cidade conta com apenas 13 quilômetros de corredores, que começaram a ser implantados há cinco anos, com o corredor da rua Blumenau.

A meta a curto prazo – a previsão de obras é a partir de meados do ano que vem – é passar de 55 km com a requalificação de corredores existentes, construção de novos e a criação do primeiro BRT (ônibus de trânsito rápido) na Beira-rio. A novidade consiste em pista dupla, separada dos carros, só para deslocamento de ônibus.

Outros investimentos para tornar os ônibus mais atrativos devem atingir o conforto e a tecnologia. Nisto, entram ônibus de piso baixo ou com elevador para cadeirantes, ar-condicionado e pontos de ônibus mais confortáveis.

Também contam painéis eletrônicos que informam horários nos pontos e aplicativos com os quais seja possível o deslocamento de determinado ônibus em uma linha – detalhes que estão inclusos na licitação do transporte coletivo, segundo a Prefeitura.

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3. Vans, linhas interbairros e intermunicipais

A professora Ana Mirthes Hackenberg lembra de alternativas que podem complementar o transporte coletivo por ônibus.

Entram nisto o transporte por vans, as linhas interbairros e o avanço nas linhas intermunicipais – principalmente se pensarmos que no futuro Joinville estará cada vez mais conectada com Araquari, Garuva, São Francisco do Sul e Itapoá.

Ana lembra de Curitiba, de onde é natural, onde estes tipos de alternativas funcionam. Vans, segundo ela, podem possibilitar um transporte mais capilar nos bairros, onde os ônibus não chegam. Funcionam como táxis, mas com um caráter mais coletivo.

Vale lembrar que Joinville já tentou modelo parecido com o Pega-fácil (micro-ônibus), mas que acabou há alguns anos por não ser viável financeiramente.

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Linhas interbairros e intermunicipais, por sua vez, segundo Ana, permitem o deslocamento sem passar por regiões centrais das cidades. O fato de Joinville ter bairros que já são praticamente cidades abre caminhos para isto.

4. Pedalar por benefício, não por necessidade

Os deslocamentos de bicicleta se tornaram temas de pesquisas da professora Ana Mirthes nos últimos anos. Os levantamentos constatam que, em Joinville, ainda é o operário e o estudante que não têm acesso a carros e motos os que mais usam a bicicleta.

Mas são pessoas que, à medida que conquistam uma renda melhor, logo trocam a bicicleta pela moto ou carro, mas principalmente pela moto.

– É uma realidade que temos que mudar. É preciso encontrar maneiras de fazer com que a bicicleta continue sendo viável não só financeiramente, mas em relação ao tempo de deslocamento e outros fatores – afirma a professora.

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Segundo Vladimir Constante, do Ippuj, a cidade chegou a 125 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas recentemente. Está em posição confortável em relação a outros municípios brasileiros. Também tem um ótimo índice de deslocamentos de bike: 11% das viagens na cidade ainda são feitos com elas.

O que é preciso avançar, segundo Ana, é a ligação entre ciclovias e a segurança relacionada a ela, embora Vladimir Constante lembre que acidentes marcantes envolvendo pedestres em calçadas ou ciclistas em ciclovias tenham acontecido em trechos retos, bem sinalizados, onde o excesso de velocidade do carro é o problema.

5. Índice de caminhabilidade

Há um indicador para medir a qualidade das calçadas de uma cidade: é o índice de caminhabilidade. Segundo Vladimir Constante, do Ippuj, Joinville tem hoje um índice de 7,5 na região central e de 4,5 nos bairros. A meta é chegar a pelo menos 7 em toda a cidade.

Para isto, são necessários investimentos em calçadas, um investimento complicado porque, por lei, depende dos moradores. Vladimir lembra que uma das ações que mais deu resultado foi fazer valer a lei do desconto na alíquota do IPTU para quem tem calçadas regularizadas.

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– Chegamos a 17 mil calçadas cadastradas e 7 mil regularizadas, um recorde em pouco tempo, quando antes não chegávamos a 200 cadastros por mês – lembra.

Investimentos que partem do poder público, como nas regiões centrais, também contam. Junto disto, entra a acessibilidade: piso podotátil para cegos, faixas e lombofaixas para travessias, retirada de obstáculos dos passeios, calçadas mais largas e embelezadas, que convidem as pessoas a caminhar nelas.

Nem por isto, porém, a cidade é uma maravilha em relação a passeios. Ainda há muito a ser feito, principalmente nos bairros.

6. Menos espaço para carros

Junte sonho de consumo com melhoria na renda e facilidade de crédito e tem-se o cenário atual: um mundo de carros inundando ruas País afora. Esta é a realidade das últimas décadas e que vai continuar existindo pelo menos por algumas décadas ainda.

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Ou seja, quem tem carro tem que estar consciente de que vai faltar cada vez mais espaço para estarem todos ao mesmo tempo na rua e que medidas de moderação ou até proibição do uso serão necessárias mais dia, menos dia. O motivo para isto é que abrir novas estradas em pontos críticos, como nas regiões centrais de cidades, já têm custo impeditivo e são pouco eficientes em um curto período de tempo.

O presidente do Ippuj lembra de experiências de cidades americanas, como Los Angeles, que seguiram neste caminho e em poucos anos viram grandes intervenções viárias travarem novamente em meio a congestionamentos. Para seguir nesta linha, teria que se chegar ao ponto de implodir prédios e asfaltar boa parte de centros urbanos só para carros circularem sem lentidão.

Então, medidas de restrição, como pedágios, vias transformadas em calçadões, corredores de ônibus, com o espaço do carro trocado pelo de ciclovias, é cada vez mais uma realidade sem volta.

7. Anel viário

As restrições aos carros, porém, não tiram a responsabilidade de Joinville de completar seu anel viário, um grande sistema que melhore a circulação para todos os modais na área urbana atual, segundo Vladimir Constante.

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É nestes planos que entram a duplicação da avenida Santos Dumont, por exemplo, a futura ponte do Adhemar Garcia com o Boa Vista e outras obras ainda nos planos diretores.

Como são intervenções caras, que dependem de dinheiro federal, não são iniciativas rápidas de serem feitas. A boa notícia é que elas estão vindo com corredores de ônibus, calçadas, ciclovias, rede de drenagem, ao contrário de até pouco tempo, em que só o asfalto era feito.

O avanço do chamado anel viário é uma reivindicação não só para o deslocamento de pessoas, mas de cargas, de prestadores de serviços, que dependem de vias no entorno da cidade para acesso mais rápido a diferentes bairros.

8. Produzir conhecimento e inovação

Outros pontos do debate que deixam recados interessantes para o futuro a necessidade de se produzir mais pesquisas e gerar dados sobre mobilidade (fala de Ana Mirthes), de se tratar o tema com mais razão que paixão (Alan Cannel) e achar formas de destinar dinheiro do carro para outros modais (Vladimir Constante).

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Ana tem trabalhado com pesquisas na área e considera pesquisas com universidades fundamentais para gerar diagnósticos do trânsito. Hoje, segundo ela, faltam informações sobre deslocamentos, modais, comportamentos no trânsito, entre outros dados que ajudariam a fornecer informações para o planejamento e para ações de governos e da sociedade.

Em participação em vídeo, o inglês radicado brasileiro Alan Cannel lembrou que mobilidade é um tema que não pode mais ser tratado com paixão ou deslumbramento, mas olhando-se a realidade e trabalhando-se a partir dela. Na prática, é entender e trabalhar para que o ônibus ou a bicicleta sejam mais atrativos a partir do momento em que forem mais rápidos, confortáveis, seguros do que carros.

Constante mencionou o direcionamento de parte do dinheiro arrecadado com o estacionamento rotativo para subsidiar o aluguel de bicicletas, por exemplo, como já acontece em Barcelona, na Espanha, como sinônimo de uma inovação que pode dar certo.

9. Vantagens de Joinville

Alan Cannel abriu o tema, por meio de participação em vídeo, e o debatedores complementaram: há que se reconhecer que Joinville tem vantagens para a melhoria de sua mobilidade urbana.

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A primeira, segundo Cannel, é o fato de a cidade ainda não ser uma megalópole e ter condições de planejar e implementar medidas de forma mais rápidas e fáceis. O segundo é o fato de a população ter uma qualidade de vida e um índice de escolaridade maior, que facilita a conscientização.

O terceiro é ter entidades, principalmente empresariais, que agem como parceiras ou cobrando o poder público a agir, que estão interessadas no debate e que podem participar de contribuições às melhorias, como flexibilizar horários de entrada e saída de funcionários de empresas.

Vladimir Constante complementa que o fato de a cidade ser plana é um dos motivos que facilita o uso da bicicleta, por exemplo, mas que o bom poder aquisitivo também a levar a ter mais carros e motos.

10. Modais futuros e avanços

Coube ao prefeito de Joinville, Udo Döhler, convidado para fazer as considerações finais do debate sobre a mobilidade, comentar sobre modais futuros, como VLPs e VLTs (veículos leves sobre trilhos ou sobre pneus) ou até bondes aéreos.

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Udo voltou a falar da necessidade de se planejar a cidade para as próximas décadas e frisou que há necessidade de incluir modais com maior capacidade para o futuro. Bondes ou trens aéreos, por cabos, segundo ele, estão se tornando realidades em alguns países por não requererem desapropriações de imóveis no solo.

Em prazo menor, porém, o prefeito disse que é preciso melhorar a qualidade e o tempo de deslocamento da frota de ônibus, fazendo com que mais passageiros usem o serviço, o que impactaria na diminuição da tarifa. Hoje, cerca de 25% dos deslocamentos são de ônibus, quando o ideal é que passagem dos 35%, segundo ele.

Além de mais calçadas e bicicletas, Udo lembrou ainda da ampliação do Aeroporto de Joinville, um modal cada vez mais importante nos deslocamentos nacionais e regionais, de passageiros e também de cargas, e comentou sobre que hábitos como a carona solidária devem ser incentivados.

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