A cada ano que passa, o número de mulheres chefiando os lares brasileiros cresce. Dados mais recentes do IBGE, de 2017, apontam que elas já comandam 28,5% dos domicílios no país. Em 2012, esse percentual era 22,7%. Quando o assunto é mercado de trabalho, esse avanço ainda não se confirma.
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Apenas 37,8% das posições de liderança eram ocupadas por mulheres em 2016, contra 39,5% cinco anos antes. Os motivos que limitam a ascensão feminina na carreira são os mais variados, apontam especialistas. A rotina doméstica, a criação dos filhos e o preconceito estão no topo da lista, principalmente por ficar tudo na responsabilidade da mulher, sem divisão igualitária com os homens.
– Se a cultura machista não for banida, as mulheres sempre terão menos oportunidades do que os homens – afirma a psicóloga, mestre, doutora em Antropologia Social e professora da Univali, Micheline Ramos de Oliveira.
Ainda assim, é possível observar a garra delas para alcançarem os postos que desejam. Não à toa Santa Catarina tem pela primeira vez na história uma vice-governadora mulher. A Universidade Regional de Blumenau (Furb) elegeu a primeira reitora. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Subseção de Blumenau tem atualmente a segunda mulher na presidência desde a fundação da entidade. No Poder Judiciário, a Comarca de Blumenau está sob o comando de uma mulher.
Todos cargos que na maior parte do tempo foram ocupados por homens. Outras entidades de Blumenau, a exemplo de Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e Associação Empresarial de Blumenau (Acib), bem como a prefeitura e a Câmara de Vereadores nunca tiveram mulheres no comando, conforme as próprias instituições apontam nas galerias de ex-gestores nos respectivos sites.
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Micheline defende que o Brasil ainda é um país muito machista. Os números de casos de violência contra a mulher e os salários abaixo dos pagos aos homens são exemplos disso, aponta. Apesar desses dois fatores altamente relevantes e que precisam ser combatidos com políticas públicas de igualdade de gênero, a docente vê o avanço de mulheres em cargos importantes como primordial para a construção de uma nova cultura.
Entretanto, defende que ao chegarem a estes postos, devem atuar em causas feministas para garantir outras conquistas.
– Existem vários impactos positivos da presença da mulher assumindo cargos que antes elas não ocupavam, mas é importante que elas tenham clareza de que este papel é muito importante para reverter uma lógica de desigualdade social entre homens e mulheres – argumenta a especialista.
O Santa entrevistou quatro mulheres que batalharam e atualmente ocupam cargos historicamente liderados por homens. Confira a seguir:
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Quitéria Tamanini Vieira Péres, juíza diretora do Foro de Blumenau
Natural de Umuarama (PR), ela tem 46 anos e quatro filhos. Quando contou sobre a vontade de entrar na faculdade e cursar Direito, recorda do avô falar para o pai se era de fato necessário investir dinheiro em ensino, considerando que ela iria casar. Reflexo de um tempo em que não se via mulheres no mercado de trabalho.
Orgulhosos, anos mais tarde, pai e avô juntaram dinheiro para comprar o anel de formatura. Uma graduação que só foi possível com a dedicação em empregos que pagavam parte do ensino superior. A inspiração veio sempre de quem estava ao lado dela, a mãe, que sonhava em fazer um curso de cabelereira, e contou com o apoio do marido para transformar o desejo em realidade. Profissão que a mãe mantém até hoje.
Atualmente, Quitéria Tamanini Vieira Péres é juíza diretora do Foro de Blumenau. A primeira mulher a ocupar a titularidade do cargo. Se há uma palavra que define a atuação é respeito, tido por ela como a solução dos principais problemas da humanidade.
Um dia você almejou ter esse cargo e como é a relação com os homens?
Eu via a direção do Foro com muita naturalidade. Aliás, sempre vi o papel do homem e da mulher dentro do Judiciário com muita naturalidade. Essa discriminação não é forte aqui. Ela vem de fora com reflexos aqui dentro, até pelo número de egressos que agora vem mudando bastante. Mas no Judiciário as oportunidades são as mesmas e a direção é um cargo ocupado periodicamente e cada juiz é convidado a exercer a função por dois anos pela sua antiguidade. Eu sabia que um dia essa oportunidade aconteceria, o que eu me perguntava é como seria quando ela chegasse. E o interessante é perceber que quando a oportunidade chegou, eu me sentia com muita vontade de exercer. Acho que essa vontade me dá disposição para enfrentar as adversidades próprias do dia a dia.
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Algum tema ligado às mulheres que deseja dar mais voz em sua atuação?
A violência doméstica ainda é tema que me sensibiliza ao mesmo tempo em que me assusta muito. Alguma coisa precisa ser feita para isso, porque essa violência é o oposto de tudo o que eu falava. É reflexo da falta de respeito, de reconhecimento, de valorização. E pensar que tudo isso acontece em uma relação que originalmente se estabeleceu pelo afeto. Nós entramos num paradoxo: como é que pode ter afeto onde não há respeito? Tenho procurado estudar para que eu possa fazer algum trabalho em beneficio dessa conscientização, desse empoderamento, não só da mulher, mas da conscientização do homem também, porque o respeito tem que acontecer em ambos os sentidos. Mas para além do exercício do meu papel, um aspecto em que precisa se dar voz à mulher é na vida política. É o meio pelo qual vai se conseguir alcançar as maiores transformações.
Por que ainda é tão difícil ter mulheres em cargos de lideranças?
A mulher precisa confiar na própria capacidade, mas para isso ela precisa descobrir isso, saber quais são seus valores, suas aptidões. Sua capacidade não difere em nada dos homens. Muito pelo contrário, ela tem uma sensibilidade muito mais aflorada, uma vivência da administração da casa, de conflitos. Basta que ela acredite nesse potencial e não para cumprir uma exigência legal, a exemplo da política. As mulheres precisam expressar sua voz, não só dentro de casa como fazem com os filhos. Gosto muito de lembrar que nós mulheres somos metade da população e mãe da outra metade. Olha a força disso. Nós educamos a outra metade. A mulher precisa se desafiar a experimentar.
Daniela Reinehr, vice-governadora de Santa Catarina
Aos 41 anos, advogada e produtora rural, ela entrou para a história como a primeira mulher a alcançar o cargo de vice-governadora de Santa Catarina. Natural de Maravilha, no Extremo-Oeste, tem uma trajetória profissional que iniciou na Polícia Militar, aos 19 anos. Na época, fazia graduação de Direito. Aos 23, se formou, mas foi no campo que encontrou a vocação. Como ela mesma diz: “adoro a lida, adoro cavalos e as plantas. Viver na área rural também é um privilégio com o qual sempre sonhei”. A diversidade de áreas de interesse a levou, inclusive, para uma pós-graduação de Gastronomia, além de cursos de mecânica automotiva, corte e costura, panificação entre outras qualificações que a tornaram uma profissional versátil.
O que a inspirou a ser vice-governadora e como é a relação com os homens?
Foi a vontade de mudar nosso país, a começar pelo nosso Estado. Mas a grande inspiração são meus filhos, quero deixar um bom lugar para eles viverem. Tive muita inspiração nas minhas antepassadas, que conquistaram seu espaço ainda em tempos em que as mulheres tinham menos destaque na vida profissional. Sou a primeira mulher a conquistar o cargo de vice-governadora e também a compor o governo em Santa Catarina. O que é uma honra, mas também uma grande responsabilidade e desafio. Meu nome já faz parte da história do Estado. Agora quero agregar um grandioso trabalho em benefício da nossa gente. Percebo a admiração de muitos pelas mudanças que estamos fazendo. No entanto, percebo que esse alinhamento se faz acima de tudo pelo trabalho que estamos realizando. Sempre trabalhei em ambientes majoritariamente masculinos, a PM, o Direito, a atividade rural, e sempre consegui estabelecer um ambiente de respeito e profissionalismo.
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O que faz com que tenhamos uma vice-governadora seja uma exceção?
Penso que a coragem e o desprendimento foram essenciais, além de muita determinação para fazer isso acontecer. Ainda é muito forte a visão de que a política não é um bom caminho a se seguir, mas precisamos passar a fazer parte das decisões que vão definir o Estado e o país que viveremos no futuro. É preciso se perguntar: o que podemos fazer pelo nosso lugar? Qual o meu papel enquanto cidadã? Somos parte da solução e precisamos ajudar a construir o futuro que sonhamos. Penso que as mulheres podem e devem estar e trabalhar onde se sentem bem, onde se realizem plenamente, cada uma ao seu gosto, e tudo que vir para contribuir com seu pleno desenvolvimento, eu vejo com grande entusiasmo.
Márcia Cristina Sardá Espíndola, reitora da Furb
Ela veio de Otacílio Costa, no Planalto Serrano, e construiu uma carreira dentro da universidade. Aos 47 anos, com um filho, tem ligação com a Furb desde o ensino médio, quando chegou a Blumenau. Foi a primeira a ingressar como estudante, ser funcionária, professora e chegar ao posto de reitora, cargo ocupado de forma inédita por uma mulher. Técnica administrativa, professora substituta, professora efetiva, chefe de departamento de Arquitetura e Urbanismo, diretora do Centro Tecnológico, ela passou por todas as etapas dentro da universidade até alcançar a missão que desempenha hoje.
A mãe, exemplo de determinação, sempre ressaltou para as filhas que deveriam estudar e serem independentes. Ser docente foi uma decisão pautada pela vontade de transmitir conhecimento e acompanhar uma etapa importante da vida dos estudantes. O fato de querer ensinar requer cuidado e dedicação, aponta Espíndola, que diz ver assim a missão que assumiu à frente da Furb, onde alia também a experiência de gestão adquirida nos cargos anteriores.
Como é a relação de liderança em relação aos homens no ambiente de trabalho?
Em 54 anos de história, sou a primeira reitora da Furb. Hoje já temos algumas mulheres reitoras, inclusive em universidades de Santa Catarina, mas ainda somos minoria. Dentro da fundação temos um plano de carreira que nos dá isonomia salarial. Acredito que isso contribua para a relação de igualdade que temos no ambiente de trabalho. Pertenço ao centro tecnológico, conhecido como o centro mais masculino da Furb. Fui diretora desse centro e não encontrei dificuldades para exercer o cargo.
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Há alguma pauta relacionada às mulheres que deseja dar mais força em sua atuação?
Nosso principal serviço é a educação. Acredito que ela é o que mais empodera, e é uma importante alavanca para as mulheres conquistarem sua autonomia. Queremos dar oportunidades para que todos possam ter acesso a um ensino de qualidade, serem inseridos no mercado de trabalho, ter uma formação completa. Essa formação pode garantir a independência financeira.
Por que, na sua visão, ainda é difícil ter mulheres em cargos como o seu?
Tenho um cargo de gestão eletivo. Muitas mulheres não se colocam à disposição para uma disputa eleitoral. É importante elas o façam, tenham a confiança de que estão preparadas e que as participações são importantes. Não como uma competição, mas como um complemento, somos diferentes na maneira de agir e tomar decisões e essas diferenças enriquecem o ambiente de trabalho.
Maria Teresinha Erbs, presidente Subseção de Blumenau da OAB
Ela tem 57 anos, dirigiu caminhão, pilotou avião, foi parteira e hoje preside a Subseção de Blumenau da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Há 25 anos se formou em Direito e sempre teve como prioridade os dois filhos. Agora vive a paixão pelo neto. A inspiração para uma carreira eclética até definir o caminho que seguiria veio da mãe, uma mulher descrita por ela como forte.
Força inclusive é uma palavra que define bem Maria Teresinha. Embora não seja a primeira mulher na presidência da entidade em Blumenau, tem uma ligação de destaque com a OAB da cidade, na qual anteriormente foi vice-presidente. Para ela, a ascensão ao cargo máximo dentro da subseção sempre foi vista com naturalidade e resultado do engajamento junto à entidade.
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Você almejou esse cargo de presidente?
Jamais pensei ou imagine ocupar o cargo de presidente da OAB, mas posso te dizer que a minha vida com a OAB também tem uma longa trajetória, não é de hoje. Desde 2002, durante presidência do doutor Celso Garcia, eu já atuava em uma aproximação dos acadêmicos de Direito com a instituição. Depois fui coordenadora da Comissão de Ensino Jurídico, conselheira e vivenciando a história da OAB. Então, quando você me pergunta se eu almejei esse cargo, te repondo: não pensei em alcançar um cargo que somente uma vez foi ocupado por uma mulher, que foi a doutora Eliana Zimermann, pelo qual tenho muito carinho e respeito. Ocupando hoje esse cargo, o que eu posso dizer é que como eu já vinha atuando ao lado do então presidente doutor Romualdo Paulo Marchinhacki, e como eu sempre digo, nem à frente nem atrás, sempre ao lado, isso fez com que eu tivesse a segurança para bem representar os advogados.
Alguma pauta relacionada às mulheres que deseja dar mais força em sua atuação?
Vamos efetuar um trabalho que está sendo projetado pela Comissão da Mulher para tentar minimizar a questão da violência doméstica. E queremos fazer isso com a Polícia Militar, Secretaria de Estado de Segurança Pública, numa visão global da situação. E uma mensagem para as mulheres seria que elas não deveriam ser homenageadas só no dia 8 de março, mas todos os dias. Porque a maioria delas tem sua profissão, são mães e ainda têm o terceiro turno, que é a organização da casa. Então, que todas tenham em mente que têm uma pedra preciosa dentro de si, basta descobrir e polir. Cada uma delas tem potencial, capacidade para galgar os caminhos que desejarem.