Com a ajuda de Pablo Neruda e seus belos versos sobre a igualdade entre os homens, sofri para chegar às quartas de final com a vitória épica, depois de três tempos sofridos e iguais.

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Neruda sabia, lá do Além, que a igualdade sonhada pelo bem-estar do homem não se aplica ao futebol, mundo em que o que decide é a “diferença”.

Se há um Deus que regula o futebol, ele é brasileiro. Nervos à flor da pele, o Brasil só poderia perder para si mesmo. E quase perdeu.

Numa disputa de pênaltis digna de um “thriller” de Hitchcock – 3 a 2 – o sonho do Hexa sobreviveu, quando já respirava “por aparelhos”.

“Ele” não seria irônico ao ponto de eliminar precocemente o “país do futebol”, anfitrião da mais bela e animada Copa a que o Mundo já assistiu.

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O primeiro tempo foi um jogo de erros, a começar pelo do juiz Howard Webb: um pênalti em Hulk. No segundo tempo, outro erro vital: o gol mal anulado de Hulk, por um “hands” que ninguém viu. Funcionou, mais uma vez, a “tática” chilena de pressionar o juiz.

Um dia, parece que profetizando esta eletrizante tarde de sábado, Pablo Neruda poetou num dos seus belos versos de igualdade e esperança:

[“Morre lentamente quem passa os dias se queixando da má sorte/ Quem não arrisca o certo pelo incerto, atrás de um sonho”…]

Na prorrogação, o destino do jogo foi entregue ao cansaço e aos avaros deuses do futebol, que desafiavam o desejo coletivo. Por que desgostar 70 mil almas presentes, mais 200 milhões de brasileiros?

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O que aconteceu com os nossos nervosos craques estrelados? Quando Neymar fez o terceiro de pênalti – e o chileno Jara perdeu o seu – o Senhor consertou o destino que se insinuava traiçoeiro.

A verdade é que a responsabilidade de vencer uma Copa do Mundo jogada em casa quase sepultou o sonho dourado.

A vitória de 3 a 2 – dramática, shakespeariana – lavou os corações, desanuviou os espíritos, desarmou os belicosos, colocou os “secadores” – entre eles a própria Fifa, os chilenos e o juiz – no seu devido lugar.

O Hexa está vivo, mas, como diria Neruda: [ “Confesso que sofri”.]

Juntando a argamassa desse sofrimento, vamos construir o sonho e levantar o caneco dia 13 no Maracanã.

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Tática do juiz

A arbitragem do inglês Howard Webb esteve desde o início sob pressão por tática chilena, alimentada pelo técnico Jorge Sampaoli, antes mesmo que a bola rolasse.

Fosse o juiz inglês, senegalês ou marciano, a estratégia seria igual: criar um desconforto para o árbitro assinalar as faltas chilenas e assim facilitar a marcação. Com o trauma de seguidas eliminações nas Copas de 1962, 1998 e 2010, o Chile precisava reduzir a diferença técnica entre os times com um “diferencial” no jogo duro.

A falta tática partia de um pressuposto: entrar nos lances fazendo falta sempre, 100%: o juiz só marcaria a metade, 50%.

Tanta foi a pressão que um pênalti claro sobre Hulk, no primeiro terço do jogo, confirmou a profecia de Felipão: não haverá mais pênaltis para o Brasil nesta Copa .

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Herói goleiro

Sinal dos tempos. O Brasil, que já venceu finais por goleada – os 5 a 2 de 1958 – mudou o “coro” para festejar seus heróis: o Messias, hoje, foi o goleiro Júlio César. Duas ele pegou, outra foi na trave.

O Brasil só perderia para si mesmo, traído por nervos à flor da pele. De um lateral pró-Brasil e uma devolução de bola errada do Hulk, nasceu o gol chileno de Aléxis Sanchez

Um sinal de mau agouro.

Transfigurados

País de melhor IDH na América Latina, com boa educação e pelo menos dois Prêmios Nobel – os poetas Pablo Neruda e Gabriela Mistral – o Chile é um país de povo amigo e acolhedor, com estrutura para ser o primeiro latino a ingressar no dito Primeiro Mundo. Pena que a recíproca não seja verdadeira no futebol. Nos estádios, jogadores e torcidas chilenas se transfiguram.

A Copa Libertadores registra cenas de estádios chilenos em que, para executar um escanteio, o jogador visitante precisa ser protegido por escudos dos policiais. E, por absurdo, não retiram os agressores das arquibancadas: simplesmente enviam policiais para proteger o jogador, “admitindo” a prática do arremesso de objetos contra o visitante…

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Extra campo

Quem não se lembra do caso do sinalizador e do goleiro Rojas, nas eliminatórias de 1989? A fogueteira Rosemary atira, do alto das arquibancadas, um sinalizador marítimo, que não produzia nada mais do que fumaça. O goleiro do Chile, perdendo por 1 a 0, armou uma facinorosa pantomima. Cortou-se no supercílio com arames de sua luva, simulando uma ferida provocada pelo artefato. Retiraram-se no gramado alegando “falta de segurança”. E acabaram punidos exemplarmente pela Fifa, com a suspensão por duas Copas.

Rojas foi banido do esporte e teria experimentado a miséria absoluta em seu país não fosse a oferta, anos depois, do São Paulo, que o contratou como treinador de goleiros.

Hoje o chileno vive bem em São Paulo, como funcionário do clube. E admite a “besteira” que fez.

A atual equipe chilena somou a catimba do passado a uma boa técnica e aumentou sua hierarquia, com Aléxis Sanches, Arturo Vidal, Aránguiz e Eduardo Vargas.

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Escapamos de boa.