“Rua da República/ Vera e Marinho/ Cerveja no balcão/ E o som fluindo num/ Remendado violão.” Os versos são de Lua da República, de Zé Caradípia, e homenageiam Celmar Rodrigues, o Marinho, ainda no tempo em que seus “remendados violões” passeavam de mesa em mesa do bar Gota d?Água, quase na esquina com a Lima e Silva.

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Em mais de 30 anos de noite na Cidade Baixa, Marinho já fechou e reabriu o Gota d?Água, esteve à frente do Estância de São Pedro (na João Alfredo), até que bar e dono passaram a se confundir de tal forma que ninguém mais ia ao Gota ou ao Estância, e sim “ao Marinho”. Pois o Bar do Marinho – como foi oficialmente batizado nos anos 1990 – está interditado há dois meses pela prefeitura da Capital.

:: Quais bares poderiam virar patrimônio cultural? Dê a sua opinião

Nelson Coelho de Castro define como “coreografia da noite” o movimento de ida dos músicos que, como ele, em determinado momento, rumam para o Marinho para empunhar os remendados violões e “tocar mais livremente”. Naturalmente, com o ponto de encontro da MPG fechado, vieram as mobilizações da comunidade cultural pela reabertura. A primeira delas seria no sábado, mas a chuva forjou o adiamento para o início da noite desta terça-feira. No início da tarde de terça, quase 500 pessoas haviam manifestado, via Facebook, a intenção de comparecer ao ato em frente à sede da Secretaria Municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic).

Vale lembrar que Marinho se mudou em 2011. Prestes a completar 60 anos, queria um espaço mais bem estruturado do que aquele que mantinha no encontro da Lima e Silva com a Leão XIII, a esquina da qual “ouvem-se tamborins” e onde “tem uns burburins”, como canta Sérgio Rojas em Cidade Baixa, mais uma das várias canções que o homenageiam (há outras de Elton Saldanha, Paulo Piccoli, Caetano Silveira e Fausto Prado). Encontrou esse espaço na Sarmento Leite, quase na esquina com a Travessa Comendador Batista.

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E aí começaram os problemas.

– Estou há dois anos esperando o alvará de casa noturna – comenta Marinho, que vinha operando com alvará de bar e restaurante (que permite abertura apenas até a 1h de domingo a quarta-feira e até as 2h de quinta a sábado e em vésperas de feriado). – Nem esse alvará quiseram renovar, não entendo por quê.

Na Smic, apontam-se “queixas quanto ao horário de funcionamento” como justificativa para a autuação e a posterior interdição do bar. Por e-mail enviado via assessoria de imprensa, o secretário Humberto Goulart cita a existência de “alguns abaixo-assinados de moradores do entorno relativos à perturbação do sossego”. Em dois prédios à frente do bar, foram realizados pelo menos dois outros abaixo-assinados – mas em apoio à reabertura do estabelecimento.

O alvará de casa noturna é concedido pela Secretaria de Urbanismo (Smurb), que também enviou por e-mail uma resposta à consulta de ZH. “O processo está tramitando e, desde janeiro, está na Supervisão de Edificações”, escreveu Paulo André Machado, supervisor de Controle e Prevenção da Smurb.

Lembrando que alvarás provisórios deixaram de ser concedidos após o caso da boate Kiss, em Santa Maria.

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– O problema – diz Marinho – é a demora na concessão do definitivo.

Bar pode ser patrimônio cultural?

Esta pergunta já não cabe mais em se tratando do Rio de Janeiro. Com um decreto publicado no fim do ano passado, a prefeitura do Rio tombou 14 botequins tradicionais da boemia carioca como “patrimônio cultural da cidade”. O ato é apenas simbólico, o que significa que não envolve isenção ou mesmo desconto em impostos. Serve para separar os empreendimentos comerciais efêmeros daqueles que têm valor histórico e, por isso, merecem atenção especial do poder público.

E se a prefeitura de Porto Alegre adotasse medida semelhante? Seria o Bar do Marinho um candidato ao tombamento? E quais outros, além dele? Clique aqui, acesse o mural de ZH sobre o tema e dê a sua opinião sobre o assunto.

O que eles dizem:

“As restrições aos bares mais tradicionais da Cidade Baixa, por parte da prefeitura, favoreceram a proliferação de casas sem alma e tradição, com uma proposta nitidamente comercial. Os botecos de relevância cultural estão desaparecendo. Privar os frequentadores de continuar desfrutando do Bar do Marinho é uma afronta ao bom senso. Mas este é o mal menor. Pior é impedir de trabalhar um sujeito honesto e competente, com uma história de 30 anos na noite de Porto Alegre.”

>> Paulo César Teixeira, jornalista, autor de Esquina Maldita

“O Marinho é um raro dono de bar que realmente gosta de música. Lá o violão é como se fosse um chimarrão: passa de mão em mão, e as canções surgem espontaneamente. A música não está ali pelo negócio, mas porque as pessoas simplesmente fazem questão de que ela esteja ali. Por incentivo do Marinho. E é um espaço de música local, no qual a música daqui sempre surgiu dessa maneira natural.”

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>> Nelson Coelho de Castro, músico