A checagem abaixo foi produzida pelo Projeto Comprova, iniciativa que reúne a NSC Comunicação e outros 23 veículos de mídia do país no combate à desinformação.

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São falsas as informações divulgadas em um vídeo no YouTube segundo o qual as máscaras de proteção de pano e de uso profissional recomendadas por autoridades sanitárias prejudicam a imunidade dos usuários. As máscaras são classificadas pelos órgãos de saúde como importantes instrumentos para diminuir as taxas de transmissão do novo coronavírus.

O vídeo de oito minutos foi gravado e divulgado por Daniél Rocha em seu canal no YouTube no dia 6 de maio e teve mais de 33 mil visualizações. Nas imagens, Rocha faz diversas afirmações contra o uso de máscaras, como a de que o aparato diminui a imunidade, aumenta a inspiração de dióxido de carbono e potencializa a proliferação de bactérias. Nenhuma das alegações é verdadeira.

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Por que checamos isto?

O Comprova fez essa verificação pois o conteúdo do vídeo é potencialmente danoso à saúde pública, tendo em vista que diversas autoridades sanitárias têm recomendado o uso das máscaras para reduzir a possibilidade de contaminação pelo novo coronavírus.

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Em circulação desde o fim de 2019, o novo coronavírus já matou mais de 290 mil pessoas no mundo, segundo a Universidade Johns Hopkins, dos Estados Unidos.

Como verificamos?

O Comprova selecionou afirmações do vídeo sobre o uso das máscaras para o combate ao novo coronavírus e questionou três médicos infectologistas sobre o assunto. A reportagem ainda tentou falar com Daniél Rocha, mas não obteve retorno. Também consultamos a Organização Mundial de Saúde (OMS), citada no vídeo.

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O que dizem os especialistas

O Comprova questionou três infectologistas sobre as afirmações do vídeo e a eficácia do uso de máscaras contra o novo coronavírus: Jean Gorinchteyn e Guilherme Spaziani, do Instituto de Infectologia Hospital Emílio Ribas, de São Paulo; e Antonio Carlos Bandeira, integrante da diretoria da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Primeiro, a filmagem afirma que “se você usa máscara, você vai respirar menos oxigênio ainda, você vai respirar mais dióxido de carbono”. Segundo os três especialistas, isso é falso.

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Gorinchteyn explica que as máscaras têm pequenos filtros, que impedem a passagem de gotículas e partículas maiores, mas permitem a troca do ar. Segundo o infectologista, o grau de proteção depende do material utilizado na produção do equipamento de proteção. Mas, tanto as máscaras cirúrgicas quanto as artesanais, feitas de pano, não impedem a respiração. “Os poros não evitam a passagem do ar, são filtros, filtram partículas. Os gases têm tamanho muito menor e conseguem passar”, ressaltou o médico.

Antonio Carlos Bandeira destaca que os tecidos habitualmente usados nas máscaras artesanais não impedem a respiração. Ele recomenda que a confecção seja com algodão: “Tem que ter cuidado de não usar um tecido com gramatura tão alta que impeça o indivíduo de respirar. Se for de algodão, ou com a gramatura adequada, são mais fáceis de ventilar porque as aberturas são maiores. Só teria uma situação assim (de dificuldade de respirar) se for um tecido super fechado. Mas não é o que a gente vê que está sendo usado”.

O vídeo também diz que “pessoas que usam máscara terão mais bactérias na boca, mais bactérias na gengiva, mais bactérias atacando seus dentes, no trato respiratório e, consequentemente, nos pulmões”.

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Guilherme Spaziani explicou que o ser humano já tem bactérias próprias da mucosa e de outros lugares do corpo, mas que o uso da máscara de proteção não aumenta o número desses organismos. “Não é porque tem o anteparo na frente do rosto que vamos ter mais bactérias. Essas bactérias precisam estar lá no nosso organismo e ficam na mesma quantidade”, disse.

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Gorinchteyn lembra que, apesar de as máscaras não aumentarem a quantidade de bactérias na boca, é preciso trocá-las em um intervalo regular: de 2 h para máscaras cirúrgicas e de 1h30 para equipamentos de pano. “Elas ficam úmidas, pelo ato de falar, transpirar e acabam perdendo o papel de proteção”, completou.

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Por fim, os três especialistas destacam que o uso de máscara não diminui a imunidade. “A imunidade é composta por proteínas que são anticorpos e não vai ser prejudicada por usar um objeto na frente do rosto, seja de pano ou hospitalar”, comentou Spaziani.

Jean Gorinchteyn ressaltou que a máscara protege de infecções. “A máscara vai evitar que você esteja exposto aos agentes infecciosos”.

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Os três médicos reforçam a importância do uso de máscaras para as pessoas que precisam sair de casa, mas ressaltam que são necessárias outras medidas para evitar o contágio pelo novo coronavírus. “A máscara não é um passaporte para andar na rua, até porque tem outros tipos de contágio, como pelo toque. É preciso lavar sempre as mãos”, completou o doutor Spaziani.

A Sociedade Brasileira de Infectologia criou programas de conscientização sobre a importância do uso de máscaras por quem precisa sair de casa. O “Máscara para Todos” é um deles.

“A gente tem procurado estimular o uso de máscaras pela população para que as pessoas saiam de máscara e voltem de máscara, usando continuamente e respeitando o tempo de uso. A ideia é que isso, somado ao distanciamento social e outras medidas, ajude a reduzir as taxas de transmissão do coronavírus”, finalizou Antonio Carlos Bandeira.

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Quem é Daniél Rocha?

Daniél Rocha é o dono do canal do YouTube “Daniél Rocha – Alkaline Man”, com 120 mil seguidores.

Não há indicação no canal ou em seu site oficial sobre a formação profissional de Rocha. No site, Daniél vende livros e seminários sobre emagrecimento com saúde. Ele se descreve como “difusor da Alimentação Alcalina no Brasil”. No texto de apresentação, o youtuber diz ser “referência em Emagrecimento, sem intervenções cirúrgicas, pesquisador empírico, renomado como Mestre do Emagrecimento e Desintoxicação no Brasil”.

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No YouTube, Daniél Rocha publica conteúdos sobre alimentação e, mais recentemente, sobre o novo coronavírus. Um deles, publicado há três meses, com o título “A farsa do coronavírus”, tem 159 mil visualizações.

O Comprova entrou em contato com Daniél por e-mail, questionando quais eram as fontes das afirmações do vídeo, mas não obteve resposta.

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George Soros não comanda a OMS

No vídeo, Rocha afirma, ainda, que o megainvestidor George Soros, fundador da organização filantrópica Open Society Foundation, “comanda a OMS (Organização Mundial da Saúde) e tem interesse na redução populacional”.

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Ao Comprova, a OMS informou que Soros não tem qualquer relação com a entidade, seja como empregado ou como embaixador. A reportagem não encontrou indícios de que o bilionário húngaro-estadunidense tenha relação com a instituição.

A OMS é parte do complexo de agências das Nações Unidas e foi criada pela Conferência Internacional de Saúde, realizada em 22 de julho de 1946, após o fim da Segunda Guerra Mundial, com a chancela de 61 países. A entidade começou a funcionar em 7 de abril de 1948. O diretor-geral da OMS, atualmente, é o etíope Tedros Adhanom.

Soros anunciou que doará US$ 130 milhões para o combate à pandemia, principalmente em regiões mais afetadas nos Estados Unidos, como o Estado de Nova Iorque.

Segundo reportagem da BBC Brasil de 2018, Soros é criticado pela direita por financiar ONGs de defesa de direitos humanos. O bilionário é personagem frequente de boatos falsos online, como o que ele é avô da ativista Greta Thunberg, que investiu na “destruição” do presidente Jair Bolsonaro e que empregava o presidente do partido Novo, João Amoêdo.

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As orientações da OMS para o uso de máscaras estão aqui.

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Contexto

Vários Estados e municípios tornaram obrigatório o uso de máscaras de proteção em ambientes públicos a partir de abril, seguindo recomendação do Ministério da Saúde. O aparato passou a ser considerado importante para prevenção, mesmo entre pessoas sem sintomas da covid-19. Em São Paulo, por exemplo, Estado com o maior número de casos do novo coronavírus, o item é obrigatório para quem sai na rua desde o dia 7 de maio.

A recomendação mudou após especialistas identificarem grande transmissão da doença entre pessoas assintomáticas. A máscara funciona, segundo especialistas, como uma barreira física.

– O uso da máscara de pano de algodão de duas camadas é recomendado a todo momento na rua. Ela não vai te proteger, ela vai proteger o outro – explicou o médico Guilherme Spaziani.

Alcance

O vídeo publicado no canal do Youtube de Daniél Rocha teve 33 mil visualizações com mais de 800 comentários sobre o tema.

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