O ideal, o justo, o certo, em um domingo carioca como hoje, era ele estar vivo. Nosso maior intérprete do futebol ali, impávido colosso, gigante pela própria natureza como a torcida cantará à capela, esparramado nas tribunas do seu Maracanã sorvendo cada lance de camisa surrada e suspensório para depois traduzir tudo numa crônica única, definitiva e inesquecível. A final desta Copa das Confederações, entre Brasil e Espanha, é tão grande que merecia um Nelson Rodrigues.

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Primeiro por que há um pouco do Complexo de Vira-latas nos rondando. A Seleção Brasileira, que antes era o teste derradeiro para seus adversários, agora vive o sentimento oposto. Desde que a Espanha eliminou a Itália nos pênaltis naquele calorão de Fortaleza, o país festeja um suposto cansaço dos súditos de Xavi e Iniesta. É como se, na bola e com eles inteiros, não fosse possível.

É o Complexo de Vira-latas, mal diagnosticado por Nelson Rodrigues, que nos acometia até Pelé, Didi e Nilton Santos nos darem alta em 1958. Convivo no ambiente da Seleção desde o amistoso de reabertura deste mesmo Maracanã reconstruído, contra a Inglaterra, e posso testemunhar. Em toda o período de preparação para a Copa das Confederações não houve um só dia em que eu não tenha ouvido a seguinte pergunta:

– Tá, mas e a Espanha: como parar os espanhóis?

E não apenas em perguntas de jornalistas para jogadores. Falo do motorista de táxi. O garçom do boteco. O voluntário das arenas. O policial que garantia a segurança na rua, lutando contra a minoria vândala que insiste em macular protestos pacíficos. O torcedor na rua. Nós, jornalistas brasileiros, entre nós, na sala de imprensa, após cada passo vigoroso adiante no torneio, embalado pelo talento de Neymar, o voluntarismo de Paulinho e o oportunismo de Fred. O Japão: bom. Fim da touca mexicana. Itália? Ótimo. Estrela, garra e sorte para vergar a garra charrua do Uruguai.

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Mas e a posse de bola da Espanha? E o talento do regente Iniesta? Eles são experientes e erguem taças (a de 2010, duas Euros) com a leveza de um brinde de champanhe, enquanto nós somos um time jovem, sujeito às inconstâncias da adolescência, como no pênalti cometido por David Luiz em Lugano na semifinal. O goleiro Casillas, aliás, repete essa diferença de perfil entre os dois times em todas as entrevistas só para nos meter medo, pode reparar. Muito esperto este Casillas. Não é à toa que derrubou José Mourinho no Real Madrid.

Enfim, é mesmo um Complexo de Vira-latas versão 2013. Ganhar é importante, mas o fundamental é a Seleção provar para si mesma (e convencer o torcedor disso) que é possível encarar uma equipe invicta há três anos e meio na condição de protagonista. Antes, nós éramos o parâmetro. Agora vamos buscá-lo em outro. E esta terapia se dará em um jogo pródigo de simbolismos e referências históricas, de inspirações mágicas e temores trágicos, com memórias revividas entre o futebol mais vencedor de todos os tempos e o papa-títulos do presente.

Em 1934, a Seleção perdeu por 3 a 1, mas Leônidas fez gol no lendário goleiro Zamora. Sócrates garantiu o 1 a 0 em 1986 com um gol marcado pelo juiz, já que a bola bateu no travessão e muito antes da linha. Evaristo de Macedo, ídolo do Barcelona e do Real Madrid nos anos 50, está contando suas histórias ao lado de Puskas e Gento. Também Zagallo, que contra todos lutou e de todos venceu em sua carreira inigualável. Há muito para lembrar.

Mas não há Iniesta ou Neymar que suplante em brilho a grande estrela desta decisão: o Maracanã, que agora virou arena mas carregará eternamente a alma do passado. Um estádio que viveu com a Seleção tragédias como o Maracanazo de 1950 diante de 200 mil vozes embargadas e explosões de alegria como a conquista da Copa América de 1989 para delírio de 140 mil torcedores. Hoje serão 70 mil no Maracanã. Se Thiago Silva erguer a taça, talvez o gesto seja visto por mais de um bilhão pela TV, no mundo todo, fazendo o Brasil de Felipão saltar de desacreditado a favorito em 2014.

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Só vai faltar Nelson Rodrigues para nos contar como foi.