*Por Dra. Perri Klass
Como as crianças vão entender os tempos que estamos vivendo? Como os pais podem ajudá-las a capturar – e a entender – a narrativa, mesmo quando eles próprios se sentem preocupados, sobrecarregados e inseguros?
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Voltei a vários pediatras que eu já havia consultado sobre diferentes aspectos do coronavírus e perguntei: como você fala com seus filhos sobre a pandemia?
A dra. Gail F. Shust, professora associada da divisão de doenças infecciosas pediátricas da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York, disse a seus filhos, de 13 e 15 anos: “Se vocês tiverem filhos, um dia vão contar a eles sobre esse tempo em que todos ficamos em casa durante meses e usamos máscara.”
O dr. Adam Ratner, diretor de doenças infecciosas pediátricas da Escola de Medicina Grossman da Universidade de Nova York e do Hospital Infantil Hassenfeld da NYU Langone Health, escreveu em um e-mail: “Não sei como contar nem a mim mesmo o que está acontecendo agora. Em certos dias me parece uma grande história de coragem e esperança, e em outros me parece que estamos na beira (ou pulando) de um abismo. Minha filha está na faculdade, e posso falar com ela como falo com um adulto, ela ama coisas de saúde pública. Como está interessada em medicina, eu lhe disse: ‘Eu queria ser um exemplo do bom comportamento médico, porque às vezes você tem de fazer coisas assustadoras sobre as quais não tem 100 por cento de informação.'”
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As histórias variam dependendo da idade das crianças, mas todas precisam de narrativas. Grace Black, pediatra da faculdade da Universidade de Rochester, tem três filhos pequenos; o mais velho estava no jardim de infância quando o confinamento começou. A seu filho de três anos e meio, que queria sair e ir a este ou àquele lugar, ela disse: “Não podemos ir. Tem um vírus que está deixando as pessoas doentes, por isso não dá, não queremos ficar doentes.”
Ela contou que o menino concordou e três dias depois perguntou: “Não adoecemos. Podemos ir agora?”
Jenny Radesky, professora assistente de Pediatria do Hospital Infantil C.S. Mott, em Michigan, comentou: “Queremos contar aos nossos filhos o que tudo isso vai significar, mas vamos conseguir? Às vezes, quando o estresse é muito grande, é difícil fazer uma pausa e refletir sobre a situação em geral.”
Em um e-mail, ela escreveu: “Acho que mostrar às crianças um sentido geralmente envolve alcançar um senso de coerência central que muitos pais dos EUA não têm agora.” Especialista em crianças e em mídia digital, Radesky explicou que uma das razões pelas quais essa conversa pode ser difícil é porque os pais estão lidando com poucas informações, vendo coisas ruins na internet e tentando entender a situação. “E é mais difícil quando sua mente está dispersa, traumatizada e isolada: geralmente, precisamos de outras pessoas e de nossa cultura coletiva para que possamos entender certas experiências”, complementou.
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Ler outras narrativas pode ajudar as crianças a desenvolver as próprias, e escrever é algo poderoso. A dra. Amy Shriver, pediatra geral em Des Moines, no Iowa, tem filhas de 9 e 12 anos. A mais velha está lendo “O Diário de Anne Frank”, e falou a respeito de se sentir presa.
“Hamilton”, que estreou em forma de filme no fim de semana do Quatro de Julho, foi um ponto de referência para várias crianças. Radesky comentou que o musical ajudou sua família a passar pelo que, de outra forma, teria sido um feriado difícil, e a filha de Shriver de 12 anos, uma fã, disse a ela: “Mãe, é assim que é quando o mundo vira de cabeça para baixo.”
Shriver escreveu: “Estou encorajando minhas filhas a escrever um diário todas as noites sobre a vida durante a pandemia. Digo a elas como é incrível que todos no mundo estejam vivendo o mesmo estresse e a mesma preocupação simultaneamente. Ainda que fisicamente distantes, todos nos sentimos mais próximos um do outro devido a essa experiência compartilhada.”

O dr. Ken Haller, professor de Pediatria da Universidade de St. Louis, disse que fazia essa mesma pergunta aos pais desde 2014, quando muitos de seus pacientes foram afetados pela revolta em Ferguson, no Missouri, depois que Michael Brown foi morto: “Eu perguntava em especial aos pais de bebês e de crianças muito pequenas o que eles contariam a seus filhos dali a 10 ou 15 anos sobre como era a vida durante os protestos.”
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Na época, segundo ele, a maioria dos pais afirmou que não tinha tempo de pensar nisso, mas, quando ele faz a pergunta agora, eles se mostram interessados em manter a narrativa – escrever um diário, salvar postagens nas redes sociais e talvez até mesmo produzir vídeos deles conversando com os filhos quando estiverem mais velhos.
“Como pediatras e pessoas que cuidam de crianças, este é um momento fascinante de nossa história”, ressaltou a dra. Ruchi Gupta, professora de pediatria e diretora do Centro de Pesquisa em Alergia Alimentar e Asma da Northwestern e do Hospital Infantil Lurie. “Como um vírus pode parar o mundo?” Ela queria que seus filhos me contassem as próprias histórias desta vez. Houve decepções: seu filho de 18 anos perdeu a celebração presencial de seu último ano e sua formatura, e a filha de 14 perdeu sua formatura do oitavo ano depois de passar 11 anos na mesma escola.
Mas seu filho Rohan Jain afirmou que era importante “escrever todos os dias sobre o que está acontecendo no mundo e quais são meus pensamentos”, e que era indispensável lutar por justiça racial.
Sua irmã, Riya Jain, escreveu um livro explicando a Covid-19 para crianças. “Eu tinha muitas perguntas, portanto as crianças mais novas que eu teriam as mesmas perguntas, se não mais.” E mantém um diário de vídeo. “Espero que em 20 anos eu possa mostrar isso aos meus filhos para ajudá-los a entender como foi o ano de 2020.” Citando os protestos e a chance de mudar o mundo, ela acrescentou: “Nem tudo foi ficar sentado em casa, triste.”
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Haller tem perguntado às crianças como é não ir à escola, e um garoto de seis anos respondeu: “Odeio isso.” Sua mãe observou: “Ele sempre dizia que odiava a escola.”
Haller escreveu: “Ele olhou para ela e disse: ‘Não, não falei isso.’ Ela devolveu o olhar com uma sobrancelha levantada. Ele suspirou e olhou para o chão novamente. ‘Sinto falta dos meus amigos. Quero voltar.'”
Então o médico perguntou à criança: “Daqui a 20 anos, você pode ter um filho. O que vai dizer a ele sobre como foi viver em 2020?”
O menino respondeu: “Vou dizer que foi muito ruim.” Ele pensou brevemente e acrescentou: “E vou dizer que eu realmente gostava da escola.”
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Haller escreveu: “A mãe sorriu. Olhei para ela e acenei com a cabeça. ‘Vou dizer a ele que estávamos cansados o tempo todo, mas de alguma forma todos nós saímos dessa’, afirmou ela, olhando para o filho.”
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