Dono de uma revenda de automóveis usados em Porto Alegre e de uma pequena construtora, o empresário Silvio Roberto da Silva, 37 anos, firmou uma convicção. O movimento de queda dos juros, acentuado pelo corte da taxa Selic para o mínimo histórico de 8,5% ao ano, força quem busca remuneração melhor nas aplicações a vasculhar alternativas mais rentáveis em relação a modalidades conservadoras como a renda fixa. Da convicção, Silva foi para a ação. Decidiu redirecionar todo o capital que tinha em fundos atrelados ao juro básico da economia, previdência privada e caderneta de poupança.
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– Vou resgatar tudo que está com rendimento cada vez menor e investir mais em meus negócios – revela.
Silva espera que, na outra ponta do mercado, a do crédito, a queda no juro forçada pelo governo por meio de bancos oficiais reaqueça a economia e beneficie a atividade de suas empresas. Então, poderá ter um retorno melhor na comparação com as aplicações. Como consumidor, Silva tirou proveito da redução das taxas, embora avalie que, em regra, o acesso ao juro menor ainda é restrito ou obtido apenas quando condicionado à compra de outros serviços. Ao comprar um automóvel para uso particular, conseguiu uma taxa de 0,99% ao mês em uma linha que antes cobrava 1,27%.
Para o consultor Gustavo Cerbasi, considerado um guru da autoajuda financeira, a reflexão de Silva é um exemplo da transformação cultural que deve ocorrer no país caso o Brasil comece a entrar de forma definitiva em uma era de juros mais baixos. O corte dos juros, entende Cerbasi, será um empurrão até mesmo para o pequeno poupador investir de uma maneira um pouco mais complexa. Ou seja, abrir mão da segurança da poupança, que passa a render menos com a taxa básica a 8,5%, e se educar financeiramente para aplicações mais ousadas.
– A queda nos juros nos convida a abandonar a renda fixa e a investir em renda variável, imóveis, empreendimentos e compra e venda de qualquer coisa que conheçamos bem – afirma Cerbasi.
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Juro baixo alimenta conversas
A transição para um mundo de taxas menores vai levar os brasileiros a se educarem financeiramente para entender as novas possibilidades de investimento
O assunto tem dominado os últimos almoços semanais de um grupo de amigos de Canoas. Empresários e profissionais liberais, eles discutem as melhores alternativas de investimentos com o cenário de redução dos juros, principalmente a partir da queda da taxa Selic para 8,5%. A marca, a menor da série histórica dos juros oficiais iniciada em 1986 pelo Banco Central, também acionou o gatilho para a mudanças na regra da poupança. Aplicação mais tradicional no país, a caderneta vai remunerar os depósitos feitos desde 4 de maio com 70% da Selic mais a taxa referencial. Na prática, desde a sua criação, em 1961, pela primeira vez a poupança vai render menos de 6% ao ano – com pouca margem para ganhar da inflação.
Atento às mudanças na rentabilidade, o empresário Edinei Freitas Teixeira, 39 anos, pensa em abandonar o CDB, também afetado pelos cortes na Selic, e investir em um fundo que remunere conforme a variação inflacionária mais o rendimento do CDI (que acompanha a Selic). Teixeira entende que, caso a nova era de juros mais civilizados se mostre sustentável, o brasileiro terá de mudar o comportamento e se habituar a novas formas de aplicar o dinheiro.
– Se isso ocorrer será uma mudança cultural tão grande que vamos ter de reaprender a investir – projeta Teixeira, que vê nos imóveis uma boa aposta.
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Para Augusto Saboia, consultor de planejamento pessoal, a transição para um mundo de juros baixos também exigirá a criação de modalidades de aplicações para “os mais de 50% de brasileiros que usam a poupança”.
– Os poupadores terão de passar por upgrade como investidores. O mundo em que vivem até hoje está acabando. O contrário será o mesmo que uma pessoa dizer que não quer usar computador. Mas nos adaptamos bem ao que é bom, assim como nos adaptamos a viver sem inflação – compara.
Otimista, o professor de finanças da Universidade de São Paulo (USP), Alberto Borges Matias vislumbra o início de um círculo virtuoso. As taxas mais baixas permitirão que as empresas invistam a custos mais competitivos no aumento da produção e o consumidor poderá manter o gasto e comprar mais. Com a queda do custo dinheiro, diz Matias, até o conceito de que endividamento é algo ruim se transformará. Os menores gastos com juros, diz, permitirão inclusive alívio nos impostos.
– O crédito no Brasil é equivalente a 49% do PIB, enquanto nos países desenvolvidos chega a 150%. As pessoas poderão se endividar com juros menores. Isso explode o consumo e o desenvolvimento – prega Matias.
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Ex-diretor do BC, o economista Carlos Eduardo de Freitas, desconfia da eficácia da ação do governo para baixar os juros.
– É raro ter experimentos em economia do tipo ensaio, tentativa e erro. O movimento do BC é mais calculado. O outro, de redução dos spreads, não tem lastro nem estudos – alerta.
Caminho com percalços
A travessia da era dos juros escorchantes para taxas mais módicas, entretanto, não se dará por canetaços, alertam os especialistas. O consultor Gustavo Cerbasi, por exemplo, lembra que, ao contrário do anunciado pelos bancos, a queda dos juros não foi sentida por todos os clientes e, em alguns casos, foi compensada por aumento das tarifas. Para Cerbasi, no entanto, a repercussão serviu ao menos para a população ver que o acesso ao dinheiro com menor custo é privilégio de bons pagadores e, assim, partir para um planejamento financeiro consciente.
– Se os brasileiros se mobilizarem nesse sentido, essa terá sido a grande conquista da intervenção do governo nos juros – sustenta.
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A psicanalista Márcia Tolotti, orientadora de programas de educação financeira, teme que, no curto prazo, a divulgação massiva de juros em queda, sem que as taxas menores beneficiem todos, cause mais inadimplência.
– Pessoas das classes C e D, com instrução financeira menor, podem querer fazer aquisições sem colocar tudo na ponta do lápis – pondera.
O passo adiante rumo a um país com juros civilizados reserva um capítulo aos bancos privados, que se mostraram contrariados com a pressão do governo. Na transição do período de inflação para a estabilidade da moeda, em meados da década de 1990, apesar da quebra de instituições como Bamerindus, Nacional e Econômico, a maioria das instituições sobreviveu sem sobressaltos. Na época, a receita inflacionária foi substituída por ganhos com aumento da taxas de juros na carteira de crédito e pelo aumento das tarifas.
– Os bancos terão de ganhar mais no volume de crédito do que na margem. Esse é o modelo vigente no mundo todo – afirma o professor da USP Alberto Matias.
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Reflexo dos novos tempos
Ressabiado com o tombo da bolsa de 2008, o empresário Jeronimo Esposito, 30 anos, se tornou um fiel adepto da poupança. Atrás de segurança, há quatro anos todas as economias caem na caderneta, um hábito que agora admite deverá ficar para trás. Com a curva descendente dos juros, Esposito já vinha refletindo sobre o caminho a tomar para obter uma remuneração mais atraente para o seu capital. Como o rendimento dos novos depósitos da mais tradicional aplicação do brasileiro passou a ser menor após a queda da Selic, ele acelerou a reflexão sobre alternativas mais remuneradoras
– Já vinha pensando em não poder ficar em renda fixa. Com estas mudanças, o que eu colocava na poupança devo aplicar em outro tipo de investimento – diz Esposito, proprietário de três óticas em Porto Alegre.
Antes de decidir, entretanto, se dedica a pesquisar a fundo as opções tanto em cursos sobre investimentos quanto buscando informações sobre as possibilidade que cogita.
– É preciso conhecer o produto antes de investir. Sei disso porque já tive prejuízo com algo que eu não conhecia – ressalta.
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Pensando em trocar de carro, o empresário também vasculha ofertas de financiamento. Em um banco, uma simulação indicou que pagaria um juro de 1,21% ao mês. Ao refazer os cálculos com calma, porém, notou que, pelo valor da prestação, a taxa era na verdade de 1,38%.