Vanderleia Will tenta encaixar o pequeno espelho em uma das dobras de sua necessaire. Ela gira a maleta preta de um lado para o outro uma dezena de vezes até que o objeto se fixa. Concentrada, pega o punhado de presilhas que está sobre a mesa. Primeiro prende o cabelo em coque com ajuda dos finos utensílios e depois usa quatro deles para enfeitar o penteado. Confere o resultado analisando seu reflexo, mexe os músculos do rosto como num aquecimento e se volta para a plateia improvisada que acompanha seu preparo. Nesse momento, não é mais Vanderleia quem fala, mas, sim Dona Bilica:
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— Cheguei!
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A personagem, que acompanha a atriz há 30 anos, é uma idosa orgulhosa em ser “manezinha da Ilha”. Ela veste uma saia que cobre as pernas até a altura dos joelhos e usa um casaco cinza que esconde parte da camiseta de babados. O sotaque e os trejeitos são característicos dos nativos, tudo parte de um levantamento feito pela atriz que a interpreta.
A pesquisa de três décadas inclui conhecimento sobre palhaçaria, comédia e mimese. A última é a arte de imitar, copiar o gesto, a expressão do rosto, a maneira de falar. Vanderleia transborda a técnica até em sua maneira de conversar. Grava nomes com facilidade, repete feições. Olha nos olhos.
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Enquanto ainda é Vanderleia que conversa, a atriz lembra do começo da carreira, quando emancipou a personagem de uma dupla teatral. Passou a fazer de tudo. Foi agente, empresária e produtora.
— Eu sou de uma época que o machismo dominava. Uma mulher independente era difícil. Eu lembro muito bem que quando eu decidi fazer sozinha a Dona Bilica, suava frio nas primeiras apresentações — conta.
Com o tempo, a personagem Bilica caiu nas graças do público. A manezinha passou a ser chamada para shows em escolas, apresentações em empresas e palcos de teatros. As apresentações hoje em dia têm cenários diferentes e integram o folclore da Ilha. Para o público infantil, ela se apresenta junto ao boi-de-mamão.
Toda a vida de Bilica — seus cenários, figurinos e trejeitos — estão guardados na casa de sua intérprete. Mais precisamente em um cômodo no jardim da casa. Vanderleia diz que só consegue interpretar a personagem quando está caracterizada. Uma entidade baixa, comenta a atriz.
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Questionada sobre quando vai deixar de interpretar a personagem, Vanderleia se emociona.
— Eu acho que [vou parar de atuar] quando eu morrer. Até me emociono porque eu não imagino — diz.
Para celebrar Bilica e também Vanderleia, o espetáculo “Naquele Tempo” será apresentado no Teatro Ademir Rosa nesta quarta-feira (15), às 20h. A peça é um “retalho de histórias”, define a atriz. Para construir o texto, ela escutou histórias de nativos e cada fala de sua personagem é inspirada em episódios reais. O incremento da cultura, contudo, não se limita só a linguagem, ocupa também o cenário, o roteiro e a maneira de recepcionar o público.
— É para o pessoal sentir como se estivesse entrando na casa da Dona Bilica — diz Vanderleia, antes da transformação na personagem da Ilha.
Serviço
O quê: Dona Bilica 30 anos apresenta Naquele Tempo
Quando: 15/6, às 20h
Onde: Teatro Ademir Rosa, no Centro Integrado de Cultura (CIC), Av. Gov. Irineu Bornhausen, 5600, Agronômica, Florianópolis
Quanto: a partir de R$ 50 (Clube do Assinante NSC paga R$ 40)
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