Atitudes e declarações do vice-presidente Michel Temer contribuíram, desde o começo do ano passado, para pavimentar seu caminho até as portas do Palácio do Planalto. Fiel a um estilo discreto e avesso ao confronto aberto, afastou-se lentamente de Dilma Rousseff e contou com subterfúgios como o vazamento de uma carta e de um discurso para buscar protagonismo, arregimentar aliados e fortalecer a tese do impeachment.

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Nesta quarta-feira, quando o Senado avalia o afastamento de Dilma, a estratégia pode transformar Temer em presidente apesar de contar com 62% de reprovação popular, segundo pesquisa do Instituto Ipsos de 19 de abril.

O julgamento no Senado é consequência de um processo que ganhou forma com a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara — alcançada com discreto apoio de Temer —, em fevereiro de 2015.

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Desde então, as ações do vice aumentaram sua visibilidade ao mesmo tempo em que, aos poucos, abriram um abismo com a presidente: declarou que o Brasil precisava de alguém capaz de “reunificar” o país, deixou a articulação política do Planalto após quatro meses na função e sacramentou o desembarque do governo com uma carta a Dilma em que se queixava por ser um “vice decorativo“.

— Temer soube mandar os sinais certos nas horas certas — avalia o professor da FGV Direito Rio e especialista em Ciência Política Michael Mohallem.

Para o professor, o vice cometeu um gesto “arrojado” ao estreitar laços com Cunha e se opor a uma “parte poderosa” do PMDB representada por Renan Calheiros (AL) e José Sarney (MA). Ao mesmo tempo, manteve boas relações com a ala majoritária do PSDB de Fernando Henrique Cardoso e José Serra (SP), importante para consolidar o impeachment e dar sustentação a seu possível governo.

— Temer jogou xadrez direito no seu próprio partido e com a oposição. E nenhum dos gestos dele, isoladamente, foi decisivo. Fez coisas singelas como vazar o discurso pelo WhatsApp ou divulgar o plano do PMDB para a economia mostrando insatisfação com o caminho que Dilma estava tomando — completa Mohallem.

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Antes de romper com o PT, mandato era desenhado há vários meses

O estilo conciliador ajudou a preservar laços com os setores antigovernistas do PMDB mesmo durante a lua de mel com o PT, que depois seriam fundamentais para buscar votos pró-impeachment e permitir a ascensão do correligionário à Presidência.

— Nunca apoiei o Michel para vice, mas ele nunca colocou isso como uma questão pessoal, sempre me tratou muito bem. Ninguém é presidente do PMDB por tantos anos sem ser habilidoso — sustenta o deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), cogitado para assumir um ministério no eventual governo.

Temer, que também é citado em apurações da Lava-Jato, chega ao dia decisivo com amplo apoio de seu partido e da oposição, mas sob incômodas acusações de “golpista” atribuídas por governistas e diante de um cenário de grave crise econômica que deverá representar seu maior desafio em um mandato que começou a ser desenhado há vários meses.