Com o anúncio feito nesta quarta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de que bebidas muito quentes podem ser a causa de câncer de esôfago, o chimarrão voltou ao centro da polêmica. A avaliação sobre o potencial cancerígeno do consumo de café, mate e bebidas muito quentes foi publicada na revista científica The Lancet Oncology.

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Mas a causa não seria a bebida em si. A entidade fez questão de explicar que, até certa temperatura, chimarrão, café e chá não têm efeito cancerígeno.

– O consumo de bebidas muito quentes é uma causa provável de câncer de esôfago e é a temperatura, não a bebida em si, que parece ser a causa – disse Christopher Wild, diretor da Agência Internacional para a Pesquisa sobre Câncer (IARC, na sigla em inglês), ao apresentar o estudo realizado por um comitê de 23 especialistas.

Mas como saber se o chimarrão está na temperatura adequada para a saúde? Nada de água “pelando” de quente. Essa é a primeira regra, segundo o diretor-executivo da Escola do Chimarrão, Pedro Schwengber. A segunda norma inclui um item que pouca gente costuma usar: o termômetro.

– Cuia, bomba, térmica e termômetro. Esses são os itens necessários para preparar um bom chimarrão. Não é frescura – garante.

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Para preparar o mate da maneira certa é preciso seguir a receita à risca: a água não pode passar dos 70ºC. Para saber isso, só com termômetro de cozinha.A questão da temperatura é parte da discussão sobre pesquisas que relacionam bebidas quentes e câncer de esôfago. Especialista na doença, o oncologista do Hospital Moinhos de Vento Rui Fernando Weschenfelder aposta que é a temperatura o problema.

– Pesquisas produzidas em diferentes países chegaram à conclusão de que, a partir dos 60ºC, a bebida pode causar lesão no esôfago. Alguns casos em que a pessoa tem pré-disposição para a doença ou hábitos de risco, como ser fumante, a célula machucada pelo calor sofre uma mutação e se transforma em célula cancerígena. Esse é o efeito carcinógeno das bebidas muito quentes 0 – explica.

Perigo estaria acima dos 60°C

Exemplo disso é um estudo feito em 2000 pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Câncer de Esôfago do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, que analisou a temperatura da água do chimarrão em 107 residências de Taquari. Os voluntários, em média, tomavam a bebida a 63,4ºC, em níveis seguros, segundo a OMS. No entanto, o artigo classifica a temperatura como perigosa para o desenvolvimento de câncer de esôfago. A base são outras pesquisas, feitas em países como Paraguai, Japão e Irã, que apontam uma relação entre ingestão de bebidas acima de 60ºC com o maior risco de câncer.

Divergências sobre os efeitos do chimarrão

A ciência ainda está descobrindo os efeitos do chimarrão no organismo humano. Até agora, os resultados são contraditórios. No ano passado, a própria organização divulgou um estudo no qual apontou que a combinação da erva-mate com altas temperaturas aumenta os riscos de câncer de esôfago, estômago e boca. A culpa não seria uma possível queimadura nas células do organismo, como está na recomendação divulgada ontem. O problema seria o glifosato, herbicida usado no cultivo da erva para matar plantas que crescem ao redor do pé. Com a água quente, o veneno liberaria ainda mais toxinas. Até a memória seria prejudicada, segundo pesquisa da Universidade de Passo Fundo (UPF) de 2010. O trabalho foi feito com ratos e mostrou que eles tiveram um déficit de memória.

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Para o médico e vice-presidente do Instituto Escola de Chimarrão, Oly Pedrinho Schwingel, a polêmica acerca da bebida é antiga. Mas ele ressalta a necessidade de ter atenção à temperatura da água.

– O ideal seria colocar um termômetro na bomba para a pessoa ver a temperatura. Até porque, a água quente é importante para extrair os princípios bioativos da erva, como antioxidantes – afirma.

Tais princípios foram encontrados no chimarrão em um estudo da Unipampa, publicado no mês passado no Journal of Food Chemistry. O trabalho mostrou que a mistura tem uma grande quantidade de polifenóis – substâncias que combatem os radicais livres. O chimarrão também teria propriedades analgésicas, conforme um estudo feito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na Universidade de Ponta Grossa, no Paraná, publicado em março no Pharmacognosy Research.

Sindimate-RS diz que recomendações já são seguidas

O presidente do Sindimate-RS, Gilberto Luiz Heck, diz que as recomendações das embalagens de erva-mate já previnem contra o risco alertado pela OMS.

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– Há pelo menos cinco anos, o setor recomenda que se coloque a água na garrafa térmica a uma temperatura de até 70ºC. Até ir para a cuia, entrar em contato com a erva, passar pela bomba e chegar à boca do consumidor, a água esfriou 20ºC. O gaúcho está ciente de que precisa tomar o chimarrão devagar e não muito quente – diz Heck.

Para alcançar os 70ºC sem termômetro, ele recomenda que as pessoas esperem a chaleira chiar e, em seguida, desliguem o fogo e coloquem um pouco de água gelada. Heck disse considerar a possibilidade de colocar nos rótulos das embalagens um aviso sobre o risco de câncer de esôfago em beber um chimarrão muito quente.

*Com agências