Se há algo que o futebol brasileiro deva tirar dessa Copa sediada no país se chama lição. O DC ouviu cinco especialistas de diferentes áreas que apontam que o futebol brasileiro precisa de grande mudança e pode começar a partir do próprio exemplo dos alemães, que investiram pesado na formação de atletas até chegar à conquista de ontem

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O Brasil precisa seguir bons exemplos

O futebol brasileiro precisa de mudanças e não é de agora, afirma o técnico do Avaí, que foi campeão brasileiro de 2001, com o Atlético-PR, Eugênio Machado Souto, conhecido como Geninho. Para ele, o que falta para o futebol no país é mais seriedade no trabalho, nas categorias de base.

Geninho afirma que a Seleção de 2013 não estava pronta para encarar uma Copa com a obrigação de vencer, pois a maioria dos jogadores eram inexperientes. Para recuperar o bom futebol, ele acredita que o país precisa seguir exemplos positivos como o da Alemanha.

– Mas a reformulação alemã foi feita com calma. Em 2006, quando a Copa foi disputada em terras germânicas, a seleção alemã deu o primeiro passo para a mudança. Passaram por duas Eurocopas e mais um Mundial até conseguir um título, mesmo assim tiveram bons desempenhos em todas as competições que participaram. Revolução no futebol precisa de tempo e de gente experiente no time.

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Ele ainda acrescenta que o Brasil não pode abrir mão da individualidade, como fez nesta Copa do Mundo.

– A Seleção é conhecida por partir para cima do adversário. E isso não é para ser esquecido. O Brasil parte para cima desde a época do Pelé. Mas para isso precisamos de jogadores diferenciados. O Messi foi marcado pela Alemanha por três atletas e isso dificultou o sucesso da Argentina. Foi assim com o Brasil em cima de Neymar. Devemos copiar a compactação na marcação sem esquecer a nossa essência, que é a criatividade, individualidade – afirma.

Sávio esteve na Seleção Brasileira, não jogou uma Copa do Mundo, porém conquistou tudo que havia para ser conquistado em clubes. Revelado pelo Flamengo, o capixaba fez sucesso na Espanha, quando com o Real Madrid conquistou três Liga dos Campeões. Experiente, o ex-jogador acredita que a grande mudança do futebol brasileiro passa primeiro por uma reformulação na CBF.

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– A Alemanha sofreu uma reformulação e a primeira coisa que foi mudada foi a federação de futebol deles. Há alguns anos a CBF não acrescenta em nada ao futebol brasileiro. Temos que ter projetos de capacitação de atletas, transformar eles em melhores cidadãos – analisa Sávio.

O ex-jogador acredita que para a Seleção ter um resultado melhor o futebol brasileiro tem que mudar, começando pela base.

– Temos que ter humildade e reconhecer que não somos os melhores há muito tempo. Temos potencial para voltar a ser os melhores e para isso o trabalho tem que ser a longo prazo, começando pelas categorias de base.

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O ex-craque, que encerrou a carreira no Avaí, faz um alerta: Mesmo se as mudanças começarem amanhã, o resultado não será colhido já na Copa da Rússia, em 2018. Sávio afirma que é preciso paciência para a construção de um futuro melhor.

– Os resultados não serão a curto prazo. O Brasil quer resultados. Mas nesse momento temos que pensar a longo prazo. No trabalho de base, em melhorar o Campeonato Brasileiro, que hoje está longe da qualidade dos torneios europeus, por exemplo – afirma.

Irresponsabilidade financeira é o problema

Para o chefe do Departamento de Ciências Econômicas da Udesc, Adriano de Amarante, o problema do Brasil é a irresponsabilidade financeira dos dirigentes dos clubes. Administrar o dinheiro com pouca cobrança, sem legislação, escanteia o país das grandes contratações. Não há competitividade no campo econômico. E aí, entram os times ricos.

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A má administração perde os craques para os times do exterior. Dos jogadores da Copa, Neymar joga no Barcelona, Thiago Silva e David Luiz no Paris Saint-Germain, Oscar no Chelsea, Fernandinho no Manchester. A dispersão mina a identidade do futebol brasileiro, já que a juventude joga fora e isso também enfraquece os campeonatos nacionais. Em campo, os jogadores têm menos tempo para conhecer o jogo do parceiro, a sintonia diminui, as estratégias dos técnicos são limitadas.

Quando é a vez do Brasil contratar astros, sobra grana apenas para aqueles em fim de carreira, reforça Amarante. É o caso do holandês Seedorf, ex-Milan, contratado pelo Botafogo aos 36 anos. Nas contratações dos craques canarinhos são eleitos aqueles próximos de pendurar as chuteiras. Ronaldo, o fenômeno, foi contratado pelo Corinthians depois de jogar no Milan, quando já era apelidado de “o gordo”. No mesmo time, Roberto Carlos foi escalado aos 36 anos. Rivaldo, pentacampeão, jogou no São Paulo com 38. O Grêmio oficializou Dida como atleta aos 39. Para o especialista a igualdade em caixa é a chance para igualar em campo.

Momento é de juntar os cacos e começar do zero

Especialista em gestão e marketing esportivo, Amir Somoggi diz que o momento após a Copa do Mundo no Brasil é de juntar os cacos e começar tudo do zero para revolucionar o futebol brasileiro. As principais sugestões dele são a criação de um plano estratégico pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e mudança na utilização de recursos públicos pelo governo brasileiro.

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– Precisamos de um plano estratégico nacional para o futebol a longo prazo, que a CBF nunca fez e agora que faça como a federação alemã e exija dos clubes investimentos na base como a Alemanha exige. Hoje os clubes brasileiros investem como querem, sem estratégia, apenas por interesses próprios – diz Somoggi.

Aos clubes, o consultor recomenda ainda que esses projetos de investimento sejam integrados e não cada um por si. Além disso, ele afirma haver um papel importante do governo brasileiro que poderia marcar essa revolução associando o futebol com a questão social. Para Somoggi, o recurso público utilizado tem papel importante para que a mudança aconteça e os resultados voltem a aparecer com sucesso.

– O governo tem papel fundamental no uso do recurso público no sentido de que seja direcionado para esses projetos estratégicos da base. Por exemplo, o uso de patrocínios das estatais como a Caixa (Econômica Federal), poderia ser direcionado não para os clubes de futebol profissional, mas aos projetos de futebol de formação – completa o especialista.

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Temos que assumir a nossa identidade

“É um velho problema. Sempre que quisemos ser o que não somos, não deu certo. No começo do Século XX, imitando Anatole France e Romand Roland, uma geração de escritores tornou-se ilegível: Coelho Neto, Humberto de Campos, João do Rio… Nossa literatura se aprumou quando assumimos que somos diferentes. Explodimos, então: Lima Barreto, Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Mário de Andrade, Carlos Drummond.

Pode-se dizer o mesmo da arquitetura, do cinema ou da música. Ao copiar no carbono os bons para ser aceitos por eles, somos sofríveis. É que somos diferentes. Únicos. Temos que digerir, reprocessar, interpretar a informação que vem de fora; aí, distraídos, fazemos um baita de um sucesso.

Quem nos contou isso foram os estrangeiros que vieram para a Copa. Encontraram tudo funcionando direitinho, mas de um jeito diferente, e nos deram notícia disso. Nosso povo, hospitalidade, simplicidade, malícia, e até nossos defeitos, é que nos identificam.

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Muita gente entendida atribuiu o desempenho pífio da Seleção na Copa à falta de gingado, de meio de campo, de garrinchisses, de filigranas, de alegria. Imaginem que tivéssemos perdido, como perdemos, mas jogando no melhor estilo Pelé, Didi, Nílton Santos… Estaríamos tristes, como estamos, mas todos nos olhariam com inveja.

O Brasil cresce, enfim, com todos os seus problemas; visto de fora, parece maior e mais importante do que se imagina aqui. Temos que provar que não queremos ser os maiores, nem os melhores; nos contentamos em ser felizes e em ser nós mesmos. No futebol ou em qualquer outra coisa”.