Rica, bonita e com uma população não tão grande se comparado com outras regiões, Santa Catarina sempre serviu de refúgio para criminosos de outros estados. Inúmeras vezes policiais catarinenses prenderem ou foram acionados por colegas para dar voz de prisão a foragidos. O assaltante de banco Claudio Adriano Ribeiro, o Papagaio, recambiado algumas vezes para o Rio Grande do Sul, é uma referência. Outros bandidos não têm o nome revelado, como os que constam na lista vermelha da Interpol, a Organização Internacional de Polícia Criminal, mas foram repatriados pelas forças policiais de Santa Catarina.

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No entanto, na madrugada deste 1º de dezembro, houve um revés. Criciúma, a sétima cidade do Estado com 215 mil moradores, foi palco de um ataque de criminosos fortemente armados que por quase duas horas mantiveram a cidade paralisada e encurralada. 

Vestindo roupas especiais, coletes à prova de balas, fuzis e armas de uso restrito das Forças Armadas, a quadrilha formada por 30 criminosos fuzilou o batalhão da Polícia Militar, interditou prováveis vias de acesso, como o Túnel do Formigão, em Tubarão, usou pessoas como escudo e tirou uma rádio do ar. Em seguida, os bandidos deixaram o local num comboio de 10 carros e que foram abandonados durante a fuga em uma cidade vizinha.

> Quadrilha ficou em Criciúma por pelo menos três meses para planejar assalto a banco, indica investigação

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Forças de segurança de SC em ação pelas ruas de Criciúma no dia seguinte ao crime (Foto: Diorgenes Pandini)

No mesmo dia do crime, o governador Carlos Moisés pediu ajuda para a polícia de São Paulo. Ele declarou que nenhuma esfera de inteligência, federal ou estadual, tinha informação de que esta ação de Criciúma estava sendo planejada.  

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A ação possui semelhança com assaltos ocorridos nas cidades paulistas de Ourinhos (maio deste ano), Botucatu (dezembro de 2019 e julho de 2020) e Campinas (outubro de 2019), quando houve ataque a carros-fortes no aeroporto de Viracopos. 

Além do ataque aos carros-fortes no aeroporto Quero-Quero de Blumenau, em março de 2019, quando uma mulher morreu por bala perdida, e dois vigilantes ficaram feridos.

As investigações apontam para uma quadrilha de fora de Santa Catarina. A questão não teria a ver com a territorialidade. Mas com o lucro advindo do crime. 

As polícias suspeitam da participação da maior facção criminosa do país, a partir de São Paulo. O delegado da Diretoria Estadual de Investigação Criminal (Deic), Anselmo Cruz, cravou: 

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Sabemos que esse tipo de crime é cometido por pessoas de fora. Anselmo Cruz, delegado da Diretoria Estadual de Investigação Criminal (Deic)
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Marcas de tiros que os criminosos dispararam pela região central de Criciúma durante o crime (Foto: Diorgenes Pandini)

Assaltos podem diminuir prejuízos do tráfico na pandemia

Para Bruno Paes Manso, sociólogo, jornalista e autor de livros como “A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil” e “A República das Milícias: Dos esquadrões da Morte à Era Bolsonaro”, ações como a de Criciúma apontam para o processo de profissionalização, um dos ramos que a maior facção criminosa do país tem desenvolvido desde que passou a funcionar como uma espécie de agência reguladora do mercado do crime, em São Paulo.  

Para a facção de bandidos, explica, não interessam mais pequenas disputas em que os integrantes correm risco de morte pela polícia ou na disputa de pontos.  

— A questão está na liquidez das ações planejadas, e por isso a escolha de um alvo que permita um bom dinheiro.

Paes lembra que devido à pandemia, a venda de drogas diminui por causa do isolamento social, fechamento de casas noturnas e a diminuição de baladas.  

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— Provável que venham buscando uma fonte de renda mais rápida e eficiente – diz o pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).

> Rádio de Criciúma recebeu ameaças durante assalto e precisou interromper transmissão 

A organização das facções criminosas

Como em qualquer outro estado brasileiro, o crime sempre esteve presente em Santa Catarina. Talvez, a diferença, esteja na organização das quadrilhas que se faz de forma mais recente. Para se falar das facções criminosas, é preciso retroceder ao começo dos anos 2000. 

Em 2003, na recém-inaugurada Penitenciária de São Pedro de Alcântara, surge uma facção catarinense, nos moldes do temido grupo de São Paulo. A facção de Santa Catarina reunia bandidos de alta e média periculosidade. Além de financiar crimes, tinha o objetivo de proteger os membros, chamados de irmãos, e pregava obediência ao estatuto: pagamento de dízimo e a entrega de percentual sobre vantagens ilícitas do tráfico de drogas e de crimes patrimoniais.

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Policial em área que foi isolada próximo ao local onde ocorreu o crime (Foto: Diorgenes Pandini)

No começo, as autoridades catarinenses negavam a existência da facção. Enquanto isso, a população acompanhava medidas paliativas, como a transferências de líderes. Mas o discurso começou a mudar diante de uma onda de crimes na Grande Florianópolis. Não havia mais como esconder: a ordem partia da penitenciária. O embate entre o grupo criminoso e o Estado resultou em momentos de ebulição. 

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> Novo cangaço: o que é o termo usado para ação de quadrilhas em SC

QG do bando, a Penitenciária de São Pedro de Alcântara vivenciou em 2011 uma série de mortes de presos pelos próprios detentos. Em 26 de outubro de 2012, o assassinato a tiros da agente penitenciária Deise Alves, 30 anos, em São José, mostrou que a facção precisava ser levada a sério. Deise era casada com Carlos Alves, diretor de São Pedro de Alcântara, apontado como linha-dura contra a facção, e a morte dela teria sido por engano. O plano era liquidar com o então diretor. Depois, os presos do grupo criminoso ordenaram uma onda de atentados nas ruas, em retaliação às torturas que diziam ter sofrido na penitenciária. 

A Força Nacional de Segurança entrou em cena e dezenas de presos tidos como líderes da facção foram para presídios federais. As transferências foram consideradas para cortar a linha de comando das organizações que ficariam fragilizadas.

Os caixeiros de Joinville

Em 1990, uma década antes de aparecer uma facção criminosa catarinense, o Estado já tinha um grupo dedicado ao crime, os “Caixeiros de Joinville”. O nome faz uma alusão ao uso pelos bandidos de técnicas para furtar equipamentos da rede bancária. 

No último dia 18, um homem conhecido como “Rei dos Caixeiros” foi preso em Joinville. Ele, que tem 46 anos, é investigado como líder da organização criminosa que furta caixas eletrônicos em todo o país. A ação, organizada pela Divisão de Lavagem de Dinheiro da Deic, da Polícia Civil, foi batizada de Operação Xeque-Mate.

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Agência que foi alvo dos criminosos em Criciúma, na madrugada da última terça-feira, dia 1º (Foto: Diorgenes Pandini)

Em 2002, a cidade foi palco da maior operação contra os arrombadores: 44 jovens foram incriminados pela Polícia Civil e tiveram os carros adquiridos com os arrombamentos apreendidos. A prisão virou notícia nacional. Mas não o suficiente para que a quadrilha deixasse de operar. Para a polícia, uma coisa que dificulta o combate é a tipificação, o furto, com pena inicial de dois anos, o que faz com que o condenado logo deixe a cadeia. A reportagem ouviu um policial civil que prefere não se identificar:  

– Se alguém arrombar a janela de uma casa e levar uma mochila vazia terá a mesma punição de quem usa um maçarico, arromba um eletrônico e leva um montante em dinheiro – compara.

Os caixeiros não utilizam violência, como ocorre em assaltos a bancos, e onde pessoas são feitas reféns. Agem quase sempre na calada da noite e como o dinheiro tem seguro, é um tipo de crime que não impacta tanto a sociedade como outros, pois no censo comum ninguém perde nada. Policial civil que prefere não se identificar

O vaivém do Papagaio

O mundo policial catarinense se acostumou com as prisões e fugas de Claudio Adriano Ribeiro, o Papagaio. O assaltante é o mentor do roubo a uma agência do extinto Banco do Estado (Besc), em Blumenau. Durante a ação, em 1997, foram levados R$ 980 mil e uma pessoa, um vigilante que reagiu aos criminosos, foi baleado e morreu. 

Papagaio protagonizou um verdadeiro vaivém desde as primeiras fugas, em 1997, quando livrou-se das algemas que o prendiam a uma cama de hospital, onde se recuperava de um tiro levado durante um assalto. Menos de dois anos depois de começar a cumprir pena no RS, Papagaio conseguiu escapar da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueda (PASC).

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> Como, onde e quando os suspeitos do assalto a banco em Criciúma foram presos

Em 6 de janeiro de 2000, no litoral catarinense, mais uma prisão. Em junho, foi para o semiaberto, no albergue da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ) no RS. Fugiu três meses depois. Foi recapturado no dia 28 de novembro de 2006, em Balneário Camboriú. Em janeiro de 2008, a quinta fuga. Foi recapturado em 4 de abril, em Tubarão, e levado de volta para a PASC.

Detido desde 2018 no Paraná, após ter fugido, um ano antes, do regime semiaberto no RS, Papagaio havia sido liberado pela Justiça por fazer parte do grupo de risco da Covid-19. Contudo, uma decisão impediu a prisão domiciliar. Segue preso.