Há 12 anos, o mundo assistia ao avanço do H1N1 no hemisfério norte. Nos meses que se seguiram, a ameaça chegou ao Brasil, invadiu cidades catarinenses e fez pelo menos 2 mil vítimas num espaço de 12 meses no país. Por ser relativamente recente, não é raro lembrar-se de situações peculiares daquela pandemia, como uso do álcool em gel, da etiqueta da tosse e depois da vacina. Mas seguramente médias móveis, escalas logarítmicas e gráficos documentando o avanço do H1N1 não eram populares. E a palavra “ciência” não era dita com tanta frequência para defender uma conduta que já era consenso.

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Completamos agora um ano lutando contra o coronavírus. Além da agressividade desse novo vírus e variantes, falta de remédios comprovados para combatê-lo, outro aspecto difere esta da pandemia ocorrida há 12 anos. É um surto da era do big data, em que celulares, além das selfies, geram dados, empresas geram dados (também lucram com eles), governos geram montanhas de informação, por vezes desorganizada. 

Essa profusão de partículas de informação fez até ficar famosa uma ciência (ela de novo, a ciência), a ciência de dados, que reúne conhecimentos de tecnologia e estatística para análise de métricas.

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A década que se encerrou em 31 de dezembro teve um movimento transformador. Muitos países da América Latina, da Europa e da América do Norte aprovaram suas leis de acesso à informação. No Brasil, ela foi sancionada em 2012. Essas normas permitiram ao cidadão comum solicitar informações a órgãos públicos, antes restritas aos gabinetes, a ver publicamente os gastos, os salários, as ocorrências policiais.

As leis fomentaram uma cultura de transparência, obrigando o serviço público a informar o cidadão quando solicitado e estimulando-os a prestar na internet informações sobre as atividades, incluindo arquivos de dados abertos e detalhados. Esse direito, que não existia na pandemia de 2009 no Brasil, foi imprescindível para que esta pandemia fosse documentada diariamente em números e métricas.

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Mas é preciso reunir esse caos numérico e dar sentido para a vida das pessoas. Assim, diversas iniciativas mundo afora permitiram enxergar o filme da pandemia não apenas pelas angustiantes imagens dos hospitais lotados. Essas iniciativas fotografaram a pandemia por meio de colunas, barras, linhas e médias móveis, e cálculos computacionais, que permitiram não apenas enxergar pelo retrovisor o que se passou nas cidades, mas a antever a crise quando ela se agravava.

Iniciativa pioneira entre os jornais do Brasil

Na NSC Comunicação, apenas 12 dias depois da confirmação oficial do primeiro caso de coronavírus pelo governo do Estado, estava no ar o Painel do Coronavírus. Uma iniciativa pioneira entre os veículos de comunicação do Brasil, que detalha até hoje em mapas e gráficos o avanço da pandemia em Santa Catarina e no país. O painel do portal NSC Total surgiu um mês antes de o governo do Estado começar a disponibilizar uma página interativa com os números e três meses antes até que dados abertos do governo começassem a ser disponibilizados.

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Não foi simples no começo. Não havia a respeito dos novos casos confirmados de coronavírus informação estruturada e organizada sobre idade, gênero, cidade de residência, internação, viagem ao exterior, contato com outros pacientes. O governo do Estado, fonte primária de informação, divulgava no início de maneira espalhada os relatos de novos infectados. A reportagem fez pedidos via Lei de Acesso à Informação, recorreu às prefeituras, que ajudaram a preencher as lacunas de informação sobre os pacientes. Mas nem todas estavam dispostas a abrir detalhes, algumas disseram até que os casos eram “confidenciais”, como se diante de uma pandemia desta proporção fosse possível esconder os números do público.

Com isso, a reportagem criou a própria base de dados estruturada. A equipe do painel foi procurada até por pesquisadores brasileiros e instituições empresariais, que também buscavam dados organizados para se planejar diante do desconhecido.

Como os dados ajudaram a enxergar a pandemia

Foi esse controle diário dos dados que baseou uma reportagem do Diário Catarinense de abril, que mostrava o crescimento acelerado de casos na região de Concórdia, iniciado pela contaminação num frigorífico. Debruçar-se sobre os números ajudou o NSC Total a cravar, em maio, que bastou a liberação de shoppings, centros comerciais e restaurantes um mês antes para haver uma explosão de novos infectados.

Levantamos os primeiros dados de curados em Santa Catarina, ainda em abril, e expomos o tamanho da disparidade do total de casos identificados pelo Estado e pelas prefeituras, que naquela altura era 32% maior, segundo os municípios. Em 10 agosto, o governo do Estado decidiu integrar bases de dados com laboratórios privados, prefeituras e SUS. No mesmo dia, divulgou 96 novas mortes, um recorde até então, e devido ao aumento de mortes diárias, afirmou que não mais divulgaria detalhes das novas vítimas do coronavírus.

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Mais uma vez, a reportagem da NSC se debruçou sobre os números e identificou que dentre essas 96 mortes, pelo menos 28 eram repetidas e tinham sido divulgadas em dias anteriores. Além disso, havia até o caso de uma mulher do Meio-Oeste que aparecia como morte, mas na realidade estava curada. Na semana seguinte, o Estado promoveu um mutirão para corrigir os dados, que inclusive tinham alimentado as estatísticas do Ministério da Saúde.

No governo federal, aliás, os dados públicos eram inconstantes desde o começo da pandemia. Ainda em março, houve dias que o site oficial ficou indisponível, fato que se repetiu outras três vezes. Em junho, o maior dos apagões.Primeiro o Ministério da Saúde suprimiu dados de casos e mortes, depois tirou tudo do ar.

A sociedade reagiu. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) criou a própria página com dados dos Estados. Grandes veículos nacionais, como Globo e afiliadas, G1, jornais Extra, O Globo, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e UOL abriram mão da rivalidade e criaram um consórcio para atualizar diariamente as informações da pandemia sem ficar refém das inconstâncias do ministério.

Vale ressaltar também iniciativas das universidades e da rede de voluntários do Brasil.io, que conta, inclusive, com colaboradores de Santa Catarina para mapear informações sobre a pandemia.

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O que vem pela frente: novo pico e vacinação demorada

A história não se repete, mas rima, como escreveu o autor americano Mark Twain. Um ano depois, a vacinação segue a passos de tartaruga, devido à falta de disponibilidade de doses nas prefeituras. Para medir esse avanço de perto, a NSC lançou em janeiro o Monitor da Vacina. Mais uma vez são os dados vão documentar de forma didática como o processo de imunização ocorre no Estado.

E até o momento começa devagar. Enquanto as salas de vacinação nos municípios catarinense têm capacidade de aplicar até 25 mil doses diárias de vacina em campanhas como as da gripe, contra o coronavírus foi possível alcançar, no máximo, 6,8 mil doses diárias. Nesse ritmo, apenas para vacinar os 2,8 milhões de integrantes dos grupos prioritários, a vacinação só se encerrará em maio de 2023.

Dados mostram período mais crítico em SC

O Estado vive desde a segunda quinzena de fevereiro a pior fase de toda a pandemia. Apenas no dia 2 de março, 100 pessoas perderam a vida, média de uma a cada 14 minutos. Nunca tanta gente esteve internada ao mesmo tempo, são mais de 1 mil pessoas nas redes pública e privada. E a tendência é de seguir por mais algumas semanas assim.

Depois de um ano, é possível enxergar o comportamento de certa forma previsível da pandemia, ao olhar os dados em perspectiva. Quando há um pico de casos confirmados, leva-se em média mais 10 dias para que os leitos de UTIs comecem a encher. Então, em menos de uma semana, já se observa o crescimento no número óbitos diários. Foi assim em agosto, no primeiro auge de mortes, casos e internações. Depois caiu gradativamente até outubro, que foi a maior janela de oportunidade para controlar a pandemia no Estado.

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Mas feriados e eleições que se sucederam levaram muita gente às ruas. E outra escalada ocorreu, com novos recordes na primeira quinzena de dezembro. Agora, a situação é mais grave, porque o sistema de saúde, que estava saturado desde dezembro não teve tempo de se recuperar. Aí veio nova onda no início de fevereiro, agravada pelas novas variantes do vírus já detectadas. O resultado são mais de 400 pessoas em filas de espera por leitos de UTI, novos recordes diários de mortes e não há clareza no horizonte de quando tudo isso terá fim. Tínhamos tudo para um ano depois vencer a pandemia, inclusive muitos dados.

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