A frase mais certeira para começar qualquer conversa atualmente é “está tudo caro”. Com um índice de inflação acumulado de dois dígitos, não há quem não concorde.
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– Hoje a gente se pega numa situação em que você vai fazer mercado, vai comprar um litro de leite, um saco de pão, uma dúzia de ovos e um saco de arroz já deu R$ 60 – diz Julia Monteiro, motorista por aplicativo e empreendedora.
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Mãe solo, ela precisa dos dois empregos para conseguir dar conta.
– Conseguir R$ 60, pra mim, significa seis corridas. Se forem corridas curtas, preciso aumentar o número. Isso para conseguir levar alimentos básicos para casa – exemplifica.
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A alimentação é o primeiro termômetro de que o custo de vida está aumentando. Apesar de impactar mais a população de renda menor, todos – do rico ao pobre – precisam comer. De um ano pra cá, este grupo de alimentação em casa cresceu 17,5%.
O leite e derivados alcançaram o status de vilões das compras. O leite longa vida acumula alta de 77,8% em 2022. Queijo (16,1%) e manteiga (17,2%) seguiram a mesma linha. Para se ajustar à esta nova realidade das famílias, os supermercados e a indústria alimentícia têm criado estratégias. Nas prateleiras, surgiram novos produtos. Ao lado do leite condensado há a mistura láctea condensada de leite, soro de leite e amido. Próximo ao creme de leite tem a mistura de creme de leite, que também leva soro de leite na composição.
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Para o economista André Braz, da Fundação Getúlio Vargas, os dois fenômenos são reflexos do atual momento socioeconômico.
– Nós temos visto uma redução da renda familiar, tanto pelo aumento da inflação, que corrói o poder aquisitivo, quanto pela perda de emprego. A família que perdeu o emprego, a qualquer nível de inflação, perdeu a capacidade de comprar produtos. Quem ainda está empregado vê uma inflação cada vez mais alta corroendo seu poder aquisitivo. A cada visita ao supermercado se leva menos para casa – avalia o especialista.
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Como o custo de vida subiu em um ano
Só reduzir a lista de compras e substituir marcas não são medidas suficientes para equilibrar o orçamento doméstico, porque além dos alimentos, outros produtos e serviços comumente consumidos pelas famílias brasileiras encareceram. O gás de cozinha aumentou 21% em um ano. Em Santa Catarina, só de janeiro a junho, o botijão de 13 kg ficou R$ 10,83 mais caro.
As famílias que têm carro sentiram a alta dos combustíveis. A gasolina acumula alta de 5,6%, já considerando as reduções feitas pela Petrobras nas refinarias. Isso até deu um pequeno alívio nas últimas semanas, mas o diesel não. Esta situação é inédita: pela primeira vez o diesel está mais caro do que a gasolina. Mais um efeito da guerra na Ucrânia que fez com que países europeus buscassem o combustível em outros mercados e reduzissem a oferta no mundo. A alta nos últimos 12 meses é de 61,9%.
Aqueles que adaptaram os veículos para gás veicular também não ficaram de fora. De julho de 2021 para cá, o GNV avançou 27,1%.
Por que tudo está mais caro?
A inflação é o fenômeno econômico do aumento de preços. O indicador oficial no Brasil é o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA. O IBGE avalia uma cesta de produtos e serviços que são geralmente consumidos pelas famílias: alimentação, habitação, vestuário, transporte, saúde, despesas pessoais, educação e comunicação. A variação de preços de forma pontual é comum e até esperado. Há questões de oferta e demanda, sazonais e climáticas.
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O Banco Central estipula uma meta de inflação saudável, que para 2022 é de 3,5%, mas qualquer valor entre 2% e 5% é aceitável. Um índice de inflação abaixo da meta significa redução no consumo, o que pode ter impacto na atividade econômica do país. Mas começa a ser bastante preocupante quando a alta nos preços é persistente e generalizada. É o que tem acontecido desde 2020.
Este efeito é global, observado também nos Estados Unidos e na Europa. Aqui, tem um agravante da desvalorização do Real frente ao Dólar, que acaba encarecendo ainda mais produtos como combustíveis e outras commodities.
Para Piter Carvalho, economista-chefe da Valor Investimentos, o ritmo acelerado da inflação tem origem no cenário externo, principalmente após a fase mais grave da pandemia do novo coronavírus:
– Com a retomada, as atividades envolvendo fretes estavam travadas, muita mercadoria estava encalhada nos portos do mundo todo, havia atraso e falta de matéria prima.
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Além disso, o conflito entre Rússia e Ucrânia tirou dois grandes players do eixo comercial.
– A Rússia tem sofrido fortes sanções, então você tira o terceiro maior produtor de petróleo do mundo de circulação, além do impacto em empregos e outros produtos como a produção agrícola. Junto da Ucrânia, os russos são grandes produtores de trigo, milho e soja – complementa Carvalho.
A economista-chefe de Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack, avalia que além do descompasso da cadeia de abastecimento global, outro fator que contribuiu foram as políticas fiscal, estimulativa e monetária, adotadas para driblar a crise econômica da pandemia, que aqueceram a demanda em uma oferta que ainda não havia sido equalizada.
– O Brasil tem ainda um agravante nesse contexto que é a inércia inflacionária. Diferente dos Estados Unidos, a gente tem uma questão contratual por conta da indexação de alguns serviços à inflação passada. Temos contratos ajustados pelo IGP-M ou até mesmo pelo IPCA. Isso traz a inflação passada para uma situação presente – pondera Camila.
Vídeo explica como a inflação afetou os alimentos em SC:
Entenda quanto o Real desvalorizou desde criação
O efeito imediato da inflação é corroer o poder de compra, uma vez que os salários não avançam na mesma proporção. Assim, o dinheiro vale cada vez menos. Desde que o Real foi criado, em 1994, como uma medida para controle da hiperinflação que assolava o país desde a década de 1980, a moeda se desvalorizou. Uma nota de R$ 100 hoje só compraria o equivalente a R$ 13,91 em 1994.
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Para conseguir comprar tudo o que R$ 100 compravam naquela época, atualmente seria preciso desembolsar R$ 748,04.
– O Brasil cresceu pouco nos últimos anos e isso se reflete em um PIB menor. Se o país não cresce, a moeda desvaloriza cada vez mais – explica o economista Piter Carvalho.
Em 2021, o Real foi uma das moedas que mais perderam valor frente ao dólar. Este ano, o movimento é inverso. Para Camila Abdelmalack, o Real tem mostrado alta em relação ao dólar ao redor de 8%. Se a taxa de câmbio tivesse se desvalorizado este ano, o impacto da inflação poderia ser pior.
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Não há consenso entre os economistas de quando deve haver alívio no bolso dos brasileiros, mas a expectativa é que ao longo do segundo semestre o ritmo de alta deva diminuir.
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– É esperada uma deflação do IPCA para o mês de agosto. Vamos passar pelo período da safrinha, é esperada uma desaceleração de preços de alimentação em domicílio por conta desses grãos. A alimentação tem peso ao redor de 25% dentro do IPCA então qualquer desaceleração é bem-vinda. Tem um efeito também da deflação dos preços dos combustíveis e isso vai contribuir bastante por conta do teto do ICMS e pelos reajustes promovidos pela Petrobras recentemente – conclui a economista-chefe de Veedha Investimentos, Camila Abdelmalack.
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