Muito antes da freguesia do Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, se tornar conhecida destino gastronômico, Jaime José de Barcelos, hoje com 59 anos, viu uma oportunidade. A aposta do empreendedor somada ao início do cultivo de ostras na região fez nascer o Ostradamus, restaurante especializado nessa iguaria. 

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A história do restaurante começou de um jeito pouco tradicional. Jaime era dono de uma oficina mecânica, a qual decidiu transformar em uma barraca de caldo de cana em 1996. No início da operação como lanchonete, o local vendia sorvete, água de coco e cachorro-quente, opções muito distintas das oferecidas hoje no cardápio do Ostradamus. 

Foi em 1998, com o avanço do cultivo de ostras no Ribeirão da Ilha que o molusco começou a ser vendido por Jaime e sua família para moradores e turistas que iam até o estabelecimento. 

— A gente começou a lutar com as próprias armas que tinha, que era a cozinha de uma residência. Servindo em mesas plásticas no quintal da casa, foi assim a iniciação do Ostradamus — relembra o proprietário. 

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Nova etapa

O cardápio foi se expandindo para outras opções com frutos do mar e pescados, como peixe frito e ao molho de camarão, porém ainda sem o profissionalismo que hoje é marca registrada da casa. Com essa nova cara, as antigas operações de sorvete, caldo de cana e água de coco foram desligadas para progredir rumo a uma nova etapa. 

O começo do restaurante foi em um ambiente familiar, com Jaime, sua mãe, irmã e cunhado operando na casa da família.

Com a evolução para uma cozinha profissional e 27 anos de história, atualmente o negócio já soma 52 profissionais que trabalham diretamente no restaurante, além dos diversos fornecedores. 

A profissionalização do estabelecimento se deu conforme o número de pessoas que visitam o Ribeirão da Ilha cresceu ao longo dos anos. 

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—  Os turistas vinham aqui para ver as casas geminadas. Não tinha um histórico gastronômico, um acompanhamento que desse sequência a esse turismo de arquitetura, para que a pessoa ficasse depois para um almoço ou um jantar. E como não existe turismo sem gastronomia, naturalmente a gente viu aqui um nicho — explica Jaime. 

A partir da estruturação do local como restaurante, o conceito principal trazido por Jaime foi de uma gastronomia de lembrança de família, com base na comida pesqueira de sua mãe, natural da Guarda do Embaú. Assim, com fortes raízes no litoral, o tempero simples, a comida familiar e pesqueira, muito ligada ao mar e a matéria-prima do pescador criaram a identidade do que se tornou o Ostradamus. 

Veja fotos do Ostradamus

—  O turista quer sotaque, ele quer gastronomia local, até porque se ele quiser procurar alguma coisa desse mundo encantado do aculturamento, que permeia em shoppings, permeia em praças de alimentação de aeroportos, rodoviárias, acaba tendo a comida do mundo inteiro e a comida local acaba sendo esquecida — afirma. 

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Assim, dentro de uma história local, Jaime buscou desenvolver um cardápio que mescla o lado autoral com as raízes manezinhas. Antes de comercializarem a ostra de cultivo, da espécie Crassostrea gigas, a ostra da pedra, a Crassostrea brasiliana, era vendida, assim como a garoupa, borriquete, camarão branco e outras espécies presentes na região do Ribeirão da Ilha. 

Ostra é marca registrada 

Marcada no nome do restaurante e na pele do dono, a ostra é a estrela da casa. Mesmo com uma queda nos últimos anos por conta da maré vermelha, proliferação de microalgas que contaminam os moluscos, o restaurante vende entre 70 e 80 mil dúzias de ostras por ano.  

—  A ostra com certeza é a nossa estrela, é o carro-chefe do nosso cardápio e, sem dúvida, a busca das pessoas que vêm aqui saborear — explica Jaime. 

Ainda que o público também venha em busca de outros pratos, como o camarão, o chef de cozinha destaca que o profissionalismo com que as ostras são tratadas na casa é um dos motivos da alta procura no Ostradamus. Ele reforça que o alimento possui um nível de preocupação com a sanitização muito grande. 

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Isso porque, caso ocorra qualquer problema com o produto, o molusco é responsabilizado, demandando uma exigência e atenção elevada para que exista segurança de alimentação. Um dos processos que confere mais segurança é a depuração, feita no próprio restaurante. 

—  O sistema de depuração é uma filtragem passando por luz ultravioleta. Ali a gente tem oxigenação e temperatura controlada. A ostra sai com uma bagagem de primeira limpeza do cultivo, chegando ali dentro ela se apropria de uma água que vai dar condições e oxigenação permanente para que ela se sinta como se tivesse em uma temperatura de equilíbrio no mar durante o ano — detalha Jaime. 

O proprietário do restaurante explica que na depuração a ostra “sente que está no oceano”, reduzindo o impacto da retirada do mar. Esse procedimento traz uma maior garantia de segurança alimentar, já que a lâmpada ultravioleta faz assepsia total, além de garantir oxigenação, já que a ostra é um animal vivo. 

O cultivo do molusco que é servido no estabelecimento é feito na parte mais ao Sul da Ilha, depois da região da Caieira. Segundo o empresário, o local tem condições perfeitas para o cultivo, com uma água mais limpa e predominância maior de sal, além de oxigenação ideal. Ainda, a profundidade e a geografia do local contribuem para o cultivo de ostras com características que não deixam a desejar para lugar nenhum do mundo, afirma. 

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Gratinada, in natura ou ao bafo 

No Ostradamus, a ostra é servida em uma extensa variação de preparos e acompanhamentos. Ainda que faça parte do cardápio, a ostra gratinada, muito comum no Brasil, não está entre as preferências do chef. 

—  Eu digo que a ostra gratinada é a menor lasanha dentro de uma concha. Então você tem a interferência da manteiga, queijos, variadas situações. Para quem não gosta muito de ostra, quer naturalmente ofuscar o brilho dela, vai comer e ter esse mix de produtos — pontua Jaime. 

Ele diz que quem quer sentir o verdadeiro sabor da ostra deve experimentá-la in natura, com limão. A partir daí, o restaurante oferece opções de pratos em que a ostra é acompanhada com iguarias pouco usuais e muito saborosas. 

Entre elas está a Ostra do Príncipe, em que o molusco vem acompanhado de abacaxi, figo seco, geleia de pimenta e queijo Brie; a Ostra Gengibre, flambada no mel e conhaque; Ostra no Alho e Óleo; e a Ostra do Mateca, empanada na farinha de arroz, envolta com bacon e com base de geleia de goiaba. 

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—  Essa integração, de um cardápio de oferecimentos maiores, é por querer que o cliente tenha experiências variadas dentro de um mundo que, na Europa, em outros países, só se oferece a ostra in natura — explica. 

As combinações diferentes surgiram a partir de visitas em festivais de ostras e do desenvolvimento de um cardápio autoral com criatividade. Com essas experiências, Jaime começou a conectar as ostras com as frutas, já que ele afirma que as ostras catarinenses possuem a particularidade do sabor “frutado”, o que as difere das cultivadas em outras regiões. 

Da tradição aos desafios para o futuro 

Entre tudo que fez o Ostradamus se tornar o que é, o desejo de se destacar do comum pode ser visto nos detalhes. A decoração, por exemplo, relembra a temática açoriana, com pintura em azulejo, pratos personalizados e cardápio enrolado como um mapa do tesouro. 

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Jaime explica que o objetivo foi sair do conjunto óbvio de guardanapos, talheres, pratos e mesas, no formato “come e vai embora”, e oferecer uma experiência ao cliente. 

—  Eu tenho certeza que o restaurante tem que ser um espaço de convivência e contemplação. Você tem que estar num espaço que dê agregação dentro de uma linha onde você tem que oferecer cultura, atendimento, alimentação, sotaque, gente da região atendendo — afirma. 

Tudo foi construído passo a passo, em cerca de seis meses, pelo próprio Jaime, com o lucro da venda do cachorro-quente lá do início da história. Assim, ele deu “cara de mar”, sua própria identidade. 

—  Eu fui dando a cara de mar, porque eu sempre fui de mar, sempre gostei de mar, de barco. Naturalmente, não poderia deixar de botar uma roupa de marinheiro na galera — relembra. 

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Entre os diferenciais conquistados ao longo dos anos está a captura do próprio peixe, que também passa pelo processo de maturação “dry fish”. Jaime explica que é feito a prática de Ikejime, técnica milenar japonesa de morte sem sofrimento com o animal.  

Mas os desafios também existem. Jaime destaca a falta de matéria-prima, que depende diretamente da natureza e é afetada por ela. Ela fala também que o tempo de atuação já está chegando ao fim, e planeja parar de trabalhar e vender o negócio nos próximos três anos. 

—  Restaurante, você tem que estar conectado, porque ele te leva aos melhores momentos da tua vida. Quem está sentado não tem noção do que que é uma retaguarda para isso funcionar — declara. 

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