Uma manhã de sábado no Bairro Nova Esperança. Uma bola cujo couro esfolado nas calçadas é marca de prolongadas batalhas infantis rumo ao gol. E a combinação das duas, o suficiente para que crianças e adolescentes do Bairro Nova Esperança saiam de casa cedinho, sedentos por dividir a paixão pelo futebol. No ginásio da Escola Hermann Hamann, meninos de seis a 16 anos descobrem no esporte a oportunidade de escapar à sedução da criminalidade e das drogas. Eles integram o projeto Vencedor na Escola, Campeão de Bola, criado em março para promover o lazer das crianças do bairro, descobrir novos talentos e estimular o progresso nos estudos. Deu resultado.

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O bairro concentra uma das comunidades mais carentes de Blumenau. No dia a dia, o adversário não está nas quatro linhas da quadra, é preciso driblar o perigo que está lá fora, nas ruas. Aos 30 anos, Gilson de Souza é o responsável pela iniciativa. Nascido e criado na Nova Esperança, conhece cada criança que cruza aquelas vias. É professor de matemática, mas elegeu o esporte como o caminho para acabar com uma inquietação: a tentação que as drogas e o tráfico exercem sobre os jovens.

– Bastou conseguir uma bola e um espaço. Começamos com 10 crianças e, em menos de um ano, já temos 60. Nesse tempo teve adolescente que quase foi para o caminho ruim, mas a gente foi lá e resgatou – revelou.

Não há números oficiais, mas Gilson Souza garante: é nítida a queda nas ocorrências envolvendo jovens da localidade, mesmo as mais simples. Nas aulas, os garotos aprendem os fundamentos do futebol, combinados aos valores morais. São instruídos a trabalhar em equipe, perseverar e a ter paciência. Para participar, não há custo. Basta apresentar bom comportamento, ter média superior a 7 e frequência de 80% na escola e não andar nas ruas do bairro à noite.

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A proposta não conquistou apenas os jovens, mas atraiu os pais, que comparecem aos treinos para prestar assistência e já planejam criar uma ONG no próximo ano. A ideia é ampliar as atividades, com incentivo à leitura, palestras e prática de outros esportes que incluam também as meninas do bairro. Enquanto isso, Gilson busca parcerias para comprar chuteiras e uniformes para o time. O projeto será retomado no início de fevereiro, com a volta das aulas.

Garotos lutam pelo sonho de jogar futebol

No bico do surrado par de tênis, Marcos da Silva Cruz reserva a esperança de mudar de vida. O franzino garoto de 14 anos está na 7ª série do Colégio Hermann Hamman. Mechas lisas de cabelo negro escondem a face miúda e a timidez de quem prefere não revelar os dramas que já superou. Há dois anos, perdeu o pai. Mora numa pequena casa de madeira alugada na Rua Pedro Ramos, que divide com quatro irmãos e a mãe Eliane, auxiliar de cozinha.

Na sedução dos caminhos das drogas, Marcos optou pelo futebol praticado no projeto Vencedor na Escola, Campeão de Bola, e carrega consigo os dois irmãos menores, de 10 e 8 anos. Atacante, o sonho é vestir a camisa do Flamengo e marcar um gol no Maracanã.

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Semelhantes nos dramas, simpatizantes no sonho e rivais quando o assunto é o time do coração. Rodrigo Morais Pereira, 15 anos, prefere o Vasco. O garoto já demonstra habilidade com a bola, que o permite ignorar a posição: atacante ou lateral, tanto faz.

Há seis meses no projeto, buscava uma escolinha de futebol. A casa onde morava com os cinco irmãos em área de risco geológico foi desmanchada. O jeito foi alugar outra no alto da Rua Augusto Groh e esperar tudo voltar ao normal. Para livrar a família das privações, Rodrigo quer levar o esporte como profissão. Mas, se não der certo, alimenta outro sonho: cursar Engenharia Civil.