Ao final do amistoso da Seleção, no vestiário do Beira-Rio, quarta-feira, o técnico Dunga estava inconformado com as vaias da torcida. Era ideia dele o amistoso em Porto Alegre antes da estreia na Copa América no Chile, neste domingo, contra o Peru. Imaginava o conforto gaúcho e colheu protesto. Por isso, andava abatido no vestiário.

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– Levanta a cabeça, Dunga. Torcida é assim mesmo – disse Francisco Novelletto, presidente da Federação Gaúcha de Futebol na condição de chefe da delegação no jogo contra Honduras.

– O que eles querem? Tu achas que os caras vão correr tudo antes de uma Copa América? – falou Dunga.

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Neymar já havia incitado os jogadores a desistirem dos acenos de despedida ao final.

– Mete o pé, mete o pé – chamando os colegas para o vestiário.

O rompimento da torcida com a Seleção tem lá seus motivos: o futebol moroso, apesar da vitória de 1 a 0, a falta de espetáculo pelo craque Neymar, que sábado conquistara a Liga dos Campeões, o ingresso caro, a chuva fina. Mas também podia ser a imagem atávica dos 7 a 1 na Copa do Mundo, a caminho de completar um ano. E a repulsa pelos escândalos na cúpula da CBF. Com as decepções no futebol brasileiro, é justo perguntar se a conquista da Copa América pode ajudar a redimir as trapalhadas desde o meme “gol da Alemanha”.

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O professor Alex Teixeira, da sociologia da UFRGS, não vê relação entre os fatos.

– Em 2014, se dizia que vitória ou derrota do Brasil na Copa condicionaria o resultadodas eleições. Não foi o que aconteceu. Na visão política, o público marcou o que é a CBF, o futebol não apaga – declara o sociólogo.

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Psicólogo na área do esporte, Benno Becker Junior, 73 anos, acredita que o título na competição no Chile, valorizada pela presença do argentino Messi, do uruguaio Suárez, do chileno Sánchez e do próprio Neymar, repõe a autoestima no campo.

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– Resgata um pouco o moral no futebol. Mas não apaga a suspeita da corrupção. Isso é muito mais complexo – diz Becker.

Não à toa o movimento Povo do Clube, nascido na torcida do Inter, espalhou cartazes pela cidade no dia do amistoso. “ForaMáfia do Povo”, “Fora CBF” e “Fora DelNero”. Os manifestantes protestaram contra a CBF no Beira-Rio.

– Tivemos boa receptividade – conta o funcionário público Ivandro Rodrigo Morbach, 34 anos.

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Marco Polo Del Nero, 73 anos, presidente da CBF, era mesmo esperado no amistoso do Beira-Rio. Na segunda-feira, dia 8, havia prometido a Novelletto comparecer ao amistoso da Seleção em Porto Alegre. Chegaria em seu jatinho particular pouco antesdo meio-dia de quarta-feira, seria recepcionado com churrasco na sede da entidade à beira do Guaíba e conheceria o “Caminho do Gol”, o trajeto do deslocamento da torcida que se tornou sucesso na Copa de 2014.

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Depois, sem alarde, se recolheria a um camarote no Beira-Rio. Para evitar pedidos de renúncia, não desceria ao vestiário, nem apareceria nas cerimônias de início de jogo. Seu nome está colado a José Maria Marin, o ex-dirigente da entidade que foi preso na Suíça sob acusação de corrupção.

Na quarta-feira, dia do amistoso, às 9h30min, Novelletto recebeu ligação de Del Nero. Não haveria mais a visita ao Sul.

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– Ele disse que estava cansado. Havia prestado depoimento na Câmara terça-feira e devia preparar uma reunião no outro dia pela manhã (quinta-feira) na CBF – explica Novelletto.

No domingo passado, Del Nero até compareceu ao amistoso contra o México em São Paulo. Transitou com discrição no Allianz Parque. Na terça-feira, nos primeiros momentos das 90 horas em que a Seleção permaneceu confinada ao hotel Vila Ventura, em Viamão, Del Nero se submetia a uma sabatina em audiência pública na Câmara, em Brasília. Passou das 14h às 19h respondendo indagações de parlamentares.

– Pedi que ele se retirasse da presidência da CBF. Quero mudança no futebol – diz o deputado João Derli (PC do B-RS).

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– Quando o Del Nero confirmou presença, ficamos surpresos na Câmara – contou o deputado Danrlei de Deus (PSD-RS).

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Há quem diga que o criminalista Del Nero fez questão de ir à Câmara em campanha para abortar a abertura de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que está sendo gestionada no Congresso pelo senador Romário Faria (PSB-RJ).

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Esses assuntos não ultrapassam a portada concentração da Seleção. Dunga vive em sua república com a qual alcançou 10 vitórias em 10 jogos. Trabalha cercado por uma família de gaúchos, como o fisiologista Luiz Crescente, o preparador de goleiros Cláudio Taffarel, o auxiliar Andrey Lopes, o preparador Anderson Paixão e o segurança Fernandão. Talvez por isso tenha se mostrado mais seguro.

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Del Nero também não será visto no Chile, ao menos na fase classificatória, contra Peru, na cidade de Temuco, neste domingo, e na capital Santiago contra Colômbia (dia 17) e Venezuela (dia 21). Seu representante é o secretário-geral da CBF, Walter Feldman, uma espécie de braço direito do presidente.

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O chefe da delegação é o empresário, publicitário, jornalista e apresentador de TV João Dória. Mas não há dúvida de que quem vai mandar no Chile será o técnico Dunga.

*ZHESPORTES