Em 24 de junho de 1950, quando a Copa do Mundo começou, a única alternativa para os brasileiros que não podiam ir ao estádio era escutar a transmissão dos jogos pelo rádio. Afinal, a televisão só chegaria ao Brasil em setembro de 1950, e não havia outros meios de comunicação em tempo real para ficar por dentro da partida entre Brasil e México – ou saber na hora que a seleção do país que sediava os jogos venceu por 4 a 0.

Continua depois da publicidade

Em Joinville, no entanto, não havia tanto entusiasmo. A única emissora de rádio existente na cidade em 1950 era a Difusora, e ela não fez cobertura do evento esportivo.

O bancário aposentado Ivo Ritzmann, na época com dez anos, lembra que o pai acompanhava as notícias sobre os jogos num rádio da marca Blaupunkt. Na decisão do Mundial, em 16 de julho, quando ocorreu o famoso Maracanazo, Ivo estava no cinema – talvez assistindo a Sangue, Suor e Lágrimas, filme de ação que era exibido no Cine Palácio naquele dia.

Ivo esta despreocupado com o desfecho da Copa quando ficou sabendo do fatídico resultado: o Brasil perdera nos últimos minutos para o Uruguai. O radialista José Eli Francisco lembra que naquele 16 de julho de 1950 viu seu pai, o comissário da Polícia Civil Aurélio José Francisco, começar a chorar.

– Eu via todo mundo triste, mas não sabia exatamente por quê – lembra ele, atualmente com 70 anos, e apenas seis quando o segundo gol do Uruguai tirou o sonho do Brasil de vencer a Copa em casa.

Continua depois da publicidade

Já o escritor Wilson Gelbcke lembra bem daqueles dias: ele completou 17 anos durante a Copa do Mundo, exatamente um dia antes da goleada do Brasil contra a Suécia por 7 a 1 na primeira partida da fase final. Havia acabado de tirar a carteira de trabalho – no mesmo dia em que o Brasil venceu a Iugoslávia por 2 a 0, na partida decisiva da primeira fase – e, apaixonado por futebol, era presidente do time Ipiranga, no qual jovens estudantes disputavam vestindo camisetas verdes tingidas por Alvina Gelbcke. Os jogos ocorriam em um gramado na rua Henrique Meyer, na época conhecido como Campo do Caxias Velho.

– Joinville era a cidade das bicicletas, ainda com poucos carros. Leite e pão eram entregues na frente de casa, em pequenas carruagens puxadas a cavalo – sublinha ele, que lembra que os joinvilenses ficaram tristes por semanas, da mesma forma que todos os brasileiros.

Durante os 22 dias de Copa no Brasil, o jornal “A Notícia” raramente elencou as matérias do Mundial para estar entre as manchetes da capa. Nem mesmo na abertura – quando trazia três notas na página de esportes – e nem depois da “Mãe de todas as derrotas”, quando o resultado do jogo final entre Brasil e Uruguai foi informado com um texto publicado em 18 de julho, dois dias depois do final da Copa.

Torcida para o Centenário

Muito mais do que ligada na Copa do Mundo, em 1950 a sociedade de Joinville vivia a expectativa da grande comemoração do centenário de fundação da cidade, que seria em março de 1951. Até um grupo, a Sociedade Amigos de Joinville, foi constituído em 1946 para começar a cuidar dos detalhes dos festejos. Na época, segundo o almanaque Lembranças de Joinville no seu Centenário, o município tinha uma área de 1.327 quilômetros quadrados, onde viviam 50 mil pessoas.

Continua depois da publicidade

Apesar de já contar com várias indústrias e pontos comerciais, a área urbana concentrava uma população menor do que a rural: 20 mil habitantes, espalhados em 368 quilômetros quadrados. As ruas somavam cerca de 150 quilômetros lineares, muitos dos quais haviam acabado de receber algum tipo de pavimentação.

Não que ela fosse urgente como é hoje: naquela época os deslocamentos eram feitos basicamente com bicicletas, que ganhavam de goleada dos carros: enquanto existiam 420 automóveis, rodavam pela cidade quase 9 mil “zicas”. Havia ainda 19 ônibus – talvez muitos se lembrem do “Zarcão do Abílio”, que fazia o trajeto entre a atual rua João Colin e a estação ferroviária – 165 motos, 109 caminhonetes, 160 caminhões e duas ambulâncias.

Joinville vivia sob a administração do prefeito João Colin, definido pela revista joinvilense Vida Nova de março de 1951 como um “administrador que serviu de exemplo e estímulo a programas de várias prefeituras catarinenses”.

A cidade ainda contava com Max Colin representando a cidade na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, exercendo o mandato na primeira legislatura da casa, que começou em 1947 e se encerraria em 1951. A Câmara de Vereadores, que tinha a sede na rua Padre Carlos – no prédio onde também funcionavam o Grupo Escolar Conselheiro Mafra e a prefeitura – era comandada por Rolf Colin.

Continua depois da publicidade

A sede social do Clube Joinville, onde ocorriam os bailes em 1950. Agora, o prédio abriga a Nova Casa Sofia, na esquina da rua Padre Carlos com a do Príncipe

Uma cidade voltada para dentro

A vida social de Joinville concentrava-se, principalmente, na área central, com destaque para as ruas Cruzeiro e Duque de Caxias (que hoje formam a Dr. João Colin), Princesa Isabel, Nove de Março, do Príncipe e Quinze de Novembro.

Para se divertir, os moradores procuravam locais como o Clube Joinville – construído onde hoje está a Nova Casa Sofia, na rua do Príncipe -, a Liga de Sociedades, a Sociedade Harmonia-Lyra ou um dos dois cinemas que havia na época: o Cine Palácio e o Cine Rex, que ocupava uma parte da Liga.

Além destes locais, havia ainda sociedades de tiro, de canto e de ginástica, com destaque para a Sociedade Ginástica, que comemorava 91 anos em 1950.

Continua depois da publicidade

Na época, ninguém sonhava com shopping center ou hipermercados, mas nem por isso os moradores deixavam de ter pontos de referência quando precisavam de uma mercadoria ou de um lugar para passar o tempo conversando com os amigos. Se havia necessidade de algum utensílio para a casa, o lugar certo era a Tilp & Cia., na antiga rua Duque de Caxias. Ali vendiam mercadorias como ferramentas de todo tipo, armas, munições, cordas, cachimbos, aviamentos e tecidos, fumo em corda, ratoeiras, bacias, isqueiros. A lista à disposição dos clientes era gigante.

Para apenas ver a vida passar ou bater um papo com os amigos, a população contava com pontos de encontro, como a Empadas Jerke – fundada em 1922 e em atividade até hoje na rua João Colin -; a Sorveteria Polar, na rua Quinze de Novembro; e a Confeitaria Dietrich, que ficava na esquina das ruas Princesa Isabel e do Príncipe. Em comum entre esses locais onde parecia que Joinville era mais viva são os suspiros de saudade daqueles que compartilharam a convivência nesses estabelecimentos.

Na área futebolística, a rivalidade era alimentada pelos times do América e do Caxias, que disputavam o Campeonato Catarinense. Duas décadas e meia depois, eles se uniriam para formar o Joinville Esporte Clube.

Em 1950, Joinville tinha…

245 fábricas

350 oficinas de reparos e pequenas fábricas

419 casas comerciais

4 agências bancárias

2 times de futebol profissionais (América e Caxias)

4 grupos escolares estaduais

47 escolas isoladas

2 escolas particulares

3 instituições públicas de saúde

1 hospital particular

Confira as mudanças em quatro ruas importantes de Joinville entre 1950 e 2014: