A corrida em busca de uma vacina que proteja a população do coronavírus deu visibilidade para um processo complexo que demanda investimento e tempo. Antes que uma vacina possa ser distribuída, ela passa por diferentes fases de produção. Durante o desenvolvimento, as etapas incluem uma fase inicial de exploração e descoberta, em que os pesquisadores estudam o patógeno causador da doença; a fase pré-clínica, com os primeiros testes em animais; e a fase clínica em que são realizados os testes em humanos, e, mesmo depois de aprovada, o monitoramento de possíveis reações adversas.

Continua depois da publicidade

> Painel do coronavírus mostra a evolução da pandemia em SC

Geralmente, os cientistas precisam de vários anos para garantir o financiamento das pesquisas, obter os resultados e as aprovações. O Brasil é referência mundial em vacinação. Hoje, é autossuficiente na produção das vacinas essenciais que fazem parte do calendário básico de imunização do Ministério da Saúde. O Brasil é também o maior produtor mundial de vacina contra febre amarela e, inclusive, exporta para vários países. Mesmo assim, a falta de investimento em ciência prejudica a pesquisa nacional. 

Para a pesquisadora do Instituto de Investigação em Imunologia (iii) e professora da Universidade Federal de São Paulo, Daniela Santoro Rosa, apesar de contar com cientistas extremamente qualificados, os investimentos na ciência ainda precisam aumentar muito para que se alcance o equivalente ao que é aplicado em pesquisa e desenvolvimento (P&D) nos países desenvolvidos. 

— No Brasil, o percentual do PIB reservado para P&D é cerca de um terço do que os países desenvolvidos utilizam. Ainda é necessária uma cultura no Brasil de que investir em ciência é sinônimo de progresso. 

Continua depois da publicidade

Conheça o processo de produção de uma nova vacina

UMA NOVA VACINA
As vacinas são preparadas a partir de bactérias ou vírus modificados em laboratório, de forma a perderem a capacidade de provocar a doença.
FASE EXPLORATÓRIA E DE DESCOBERTA
Identificação: Para a vacina, são usados microorganismos inteiros ou partes dele. O antígeno é a parte específica do vírus ou bactéria que as células de defesa reconhecem.
Reprodução: Uma das etapas iniciais é a amplificação do vírus ou bactéria em grandes quantidades. Para a produção de algumas vacinas são utilizados biorreatores, responsáveis por multiplicar os microorganismos.
Purificação: Nesta etapa ocorre a purificação dos componentes da vacina, separando-os dos demais.
Formulação: Consiste na adição de componentes para obter a imunogenicidade ideal, com vista à futura administração.
FASE PRÉ-CLÍNICA 
Experimentos em animais: Inicia-se com camundongos infectados e outros animais. O objetivo nesta etapa é descobrir se a vacina é segura e se estimula adequadamente a resposta imune.
FASE CLÍNICA 
Entre 20 e 100 voluntários: é o primeiro estudo a ser realizado em humanos adultos saudáveis. Os objetivos são avaliar a segurança e a capacidade da vacina em induzir resposta imune.
Centenas de voluntários: avalia-se mais detalhadamente a resposta imune induzida e a segurança da vacina. Já pode ser possível observar se a vacina apresenta alguma eficácia.
Milhares de voluntários: avalia-se a eficácia da formulação no público-alvo, ou seja, semelhante à população que receberá a vacina (por exemplo, bebês para um novo produto infantil).
Oficialização: a aprovação e licenciamento é feita pelos órgãos reguladores. No Brasil é a ANVISA; nos EUA é o FDA (Food and Drug Administration).
Processo Industrial: Uma vez comprovada a eficácia, a vacina passa a ser produzida em escala industrial. Da elaboração à produção, o processo pode demorar até dois anos.
No mercado:  Mesmo após aprovação, a nova vacina continua sendo monitorada, em busca de possíveis reações adversas.
INFOGRAFIA: Ben Ami Scopinho, NSC Total
DESENVOLVIMENTO WEB: ÂNGELA PRESTES
FONTES: CDC, Daniela Santoro Rosa -Pesquisadora do Instituto de Investigação em Imunologia (iii)

Níveis de biossegurança

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, EUA) define quatro níveis de biossegurança para os laboratórios (NB-1, NB-2, NB-3 e NB-4). Eles estão relacionados com as condições nas quais os agentes biológicos podem ser manipulados. Essa classificação existe para que se possam garantir os requisitos de segurança e o nível de contenção necessários. No Brasil não há laboratórios de nível 4 para pesquisas relacionadas a humanos. Devido a complexidade, custos e riscos, há apenas 61 laboratórios NB-4 operando, em diferentes condições, em todo o mundo. 

NÍVEIS DE BIOSSEGURANÇA
São quatro os níveis de biossegurança, relacionados ao grau de contenção e à complexidade de proteção.
NÍVEL 1
Manipulação de agentes que não causam doenças em seres humanos ou em animais de laboratório. Ex: Saccharomyces cerevisae.
Não há necessidade do laboratório localizar-se em área isolada do edifício
Uso de roupas protetoras, como jaleco e sapatos fechados
Bancadas abertas com pias próximas
Santa Catarina tem somente laboratórios NB-1 e NB-2 para pesquisas relacionadas a seres humanos. Para uso veterinário há um laboratório classificado como NB-3 na Embrapa.
NÍVEL 2
Manipulação de agentes capazes de causar doenças em seres humanos ou em animais, mas com baixo risco de disseminação. Ex: Dengue vírus.
O laboratório é separado de outras construções, por uma antessala ou pelo próprio Laboratório NB-1
Barreiras para contenção ao manipular agentes que provoquem aerossóis ou vazamento de materiais infecciosos
Uso de luvas e proteção para o rosto quando necessário
Manual para descontaminação de dejetos ou normas de vigilância médica
Autoclave para esterilizar utensílios e materiais
Barreira Primária
As cabines de segurança biológicas (CSB) são geralmente usadas como contenção primária no trabalho com agentes de risco biológico, minimizando a exposição do operador, do produto e do ambiente.
Autoclave
Aparelho para esterilização. Destrói os agentes patogênicos por meio de temperatura elevada, com vapor de água sob pressão.
Dos 17 laboratórios da Universidade Federal de Santa Catarina, quatro são de nível 2: laboratórios de Imunobiologia e Imunobiologia aplicada, Protozoologia e Genética Molecular de Bactérias
NÍVEL 3
Manipulação de agentes capazes de causar doenças em seres humanos ou em animais, com risco de se disseminarem na comunidade.
Ex: coronavírus
Acesso controlado, com portas duplas com fechamento automático
Ar de exaustão não recirculante
Barreiras de contenção usadas para todas as manipulações de agentes
Uso de luvas e proteção respiratória quando necessário
O trabalho deve ser executado em dupla
Descontaminação da roupa usada no laboratório antes de ser lavada
Autoclave de dupla porta
Ar não exaustante
O laboratório deve ter um sistema de ar que não recircule em outras áreas do prédio. O ar deve ser descarregado em áreas livres de construções e de entradas de ar.
Macacão de proteção
A roupa não pode ser usada fora do laboratório. Antes de ser lavada ou descartada deve ser esterilizada e trocada quando contaminada.
No Centro de Ciências Biológicas da UFSC está prevista a elaboração de um laboratório NB-3. Os pesquisadores buscam agora financiamento, cujo valor gira em torno de R$ 1,5 milhão.
NÍVEL 4
Manipulação de agentes que causam doenças graves em humanos ou animais, de fácil transmissão e sem medidas de prevenção ou tratamento. Ex: vírus Ebola
Mudança de roupa antes de entrar, banho de ducha na saída
Ar de exaustão não recirculante
Edifício separado ou área isolada
O material é descontaminado na saída das instalações
Sistemas de abastecimento e escape à vácuo
O trabalho deve ser executado em dupla
Procedimentos conduzidos em cabines de segurança, com macacão com suprimento de ar
Abastecimento e Escape
Os efluentes líquidos devem ser descontaminados, preferencialmente através de tratamento com calor antes de serem jogados no esgoto sanitário.
Macacão com suprimento de ar
São roupas de proteção com ar insuflado, ventiladas por sistema de suporte de vida.
Não há laboratórios de nível 4 no Brasil para pesquisas relacionadas a humanos. Devido aos custos e riscos há apenas 61 laboratórios NB-4,
em diferentes condições, em todo o mundo*.
*Pensando uma infraestrutura estratégica nacional: O Laboratório NB-4 Brasileiro, Cláudio Mafra, 2020
INFOGRAFIA: Ben Ami Scopinho, NSC Total
DESENVOLVIMENTO WEB: ÂNGELA PRESTES
FONTES: CDC, Daniela Santoro Rosa -Pesquisadora do Instituto de Investigação em Imunologia (iii)

Santa Catarina possui somente laboratórios que produzem a parte da ciência básica experimental e pré-clínica, de níveis de biossegurança I e II. Os principais deles são o Laboratório de Imunobiologia e o Laboratório de Imunobiologia aplicada, ambos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atualmente, os profissionais responsáveis trabalham em pelo menos cinco projetos sobre o SARS-CoV-2, o novo coronavírus, mas encontram dois obstáculos principais: falta de laboratório com nível de biossegurança 3 (NB-3) e financiamento insuficiente. 

> Curiosidades e cuidados com a máscara

A diferença é que o laboratório NB-3 é altamente controlado, para que todos os patógenos não saiam de lá pelo ar. No prédio novo do CCB (Centro de Ciências Biológicas) está prevista a elaboração de um deles. Entretanto, faltam equipamentos. Entre eles um que permita a manutenção da diferença de pressão e garanta que os patógenos fiquem contidos apenas naquele ambiente. O outro é uma autoclave de barreira, que através de altas temperaturas esteriliza equipamentos e lixo antes de sair para o ambiente externo. O valor necessário para a construção de um espaço adequado gira em torno de R$ 1,5 milhão. Até agora conseguiram R$ 450 mil pelo CNPq. Daniel Mansur, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenador do Laboratório de Imunobiologia, ressalta a importância do investimento. 

— A construção de um laboratório NB-3 é fundamental para que possamos fazer testes funcionais com o SARS-CoV-2, assim como estarmos preparados para eventuais novas epidemias.

Continua depois da publicidade

Leia mais

Infográfico mostra como o coronavírus age no corpo humano

Conheça a família dos coronavírus