O esquema do coach apontado com chefe de uma organização criminosa investigada por receitar medicamentos com prescrição médica falsa e fórmulas adullteradas conta com a participação de vários setores, desde profissionais da saúde a contrabandistas. As informações foram concedidas em entrevista exclusiva ao A Notícia pelo delegado Neto Gattaz, responsável pelas investigações.
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Luxo, viagens e ostentação: o perfil dos presos em esquema de coach de SC
Felipe Francisco, de 39 anos, é proprietário da F Coaching, clínica estética de luxo com filiais em Joinville e Balneário Camboriú. As unidades estão fechadas temporariamente e o empresário está preso desde o dia 15 de agosto.
Até o momento, 13 pessoas foram presas preventivamente, incluindo a mãe de Felipe. A mulher chegou a ser encaminhada ao presídio feminino, mas teve a prisão convertida em domiciliar. Outros parentes, amigos e até pupilos do coach estão na cadeia. No total, há mais de 40 investigados no caso.
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— Não está muito claro ainda [a participação da mãe no esquema]. Ela vai ter que explicar melhor a situação, se tinha conhecimento das condutas criminosas ou não. A investigação, num primeiro momento, diz que ela sabia, sim. Mas isso pode mudar ao longo do inquérito — afirma o delegado.
Mais três clínicas fechadas em “esquema complexo”
Além das duas empresas do coach e as farmácias de manipulação em Balneário Camboriú e Itapema investigadas pela suspeita de integrarem a organização criminosa, outras três clínicas estéticas foram fechadas temporariamente em Joinville. Segundo Neto Gattaz, elas pertencem a profissionais que já trabalharam para Felipe e que, ao saírem, continuaram a atividade de forma autônoma com os mesmos métodos utilizados pelo coach.
O investigador define o caso como “complexo”, que envolve criminosos que atuam em diversas funções para dar funcionamento no esquema, incluindo envolvidos que agem fora do Estado e até do país.
— Cada um deles desempenha o seu papel dentro disso daí. Tem as pessoas que fazem o atendimento final ao paciente, tem aqueles que precisam cooptar os pacientes, tem os que produzem o medicamento e os que trazem o medicamento que não é vendido no Brasil, de maneira ilícita — exemplifica Gattaz.
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Desde o início das diligências desta primeira fase da operação, além das prisões, os agentes da Divisão de Investigação Criminal (DIC) também cumpriram mandados de busca e apreensão no Paraná e em São Paulo.
O delegado afirma que há fortes indícios que apontam que a maioria das mercadorias vinha de fora de SC. Uma pequena parcela, também, era trazida contrabandeada do Paraguai, seja por viagens de ônibus ou até mesmo por veículos particulares. A polícia trabalha para identificar e, posteriormente, prender os possíveis fornecedores desses remédios ilegais, que têm venda proibida no Brasil.
Sistema de protocolos
Mais de 50 substâncias diferentes foram apreendidas nas clínicas do coach e demais unidades de saúde investigadas. Os comprimidos e injetáveis passam por perícia no laboratório da Polícia Científica de Joinville a fim de identificar a composição desses produtos.

Desde que o coach entrou no radar da Justiça, em 2017, diversos pacientes reclamaram de taquicardia, disfunção erétil e manchas pelo corpo após consumirem os medicamentos prescritos no estabelecimento de Felipe. Uma vítima que buscou a polícia mais recentemente, inclusive, relatou ter ficado internada por oito dias na UTI de um hospital após ingerir apenas duas cápsulas do tratamento receitado pelo empresário.
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Conforme o delegado Gattaz, nem os médicos conseguiram identificar a composição do remédio utilizado por essa mulher. Os comprimidos foram encaminhados para análise.
O investigador aponta que o coach criou um sistema que chamava de “protocolos”, em que ele mesmo criava e misturava substâncias e colocava o preço que queria. As consultas, portanto, não tinham um valor fixo e o preço era definido conforme o perfil e poder aquisitivo do paciente.
— Os pacientes dele, muitas vezes, não tinham acesso ao que estavam ingerindo. Com isso, ele conseguia criar um composto que, na verdade, no mercado, tem um custo de R$ 50, por exemplo, e vendia na clínica por R$ 250. O lucro dele era extremamente alto nesses compostos vendidos — explica.
Nesses protocolos com nomes fictícios ele receitava, principalmente, emagrecedores e produtos para ganho de massa muscular sem aval de profissionais da saúde.
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— E aí ele utilizava de uma estagiária de nutrição ou de nutricionistas recém-formados pra fazer o atendimento técnico ali, mas efetivamente era ele quem receitava esses protocolos — complementa.
Há a suspeita que alguns desses remédios, inclusive, eram comercializados fora do prazo de validade, não eram refrigerados corretamente e também eram reaproveitados em mais de um paciente após já terem sido abertos.
Coach tinha parcerias para tocar esquema
Desde quando passou a ser investigado em 2017, segundo o delegado, Felipe Francisco já se apresentava como nutricionista para alguns clientes, mesmo sem ter formação na área. Em 2021, ele teria conseguido um diploma na área, mas em investigação mais recente, no entanto, o Ministério Público cita a possibilidade de o documento ser falso ou ter sido adquirido por meios ilegais.
No perfil pessoal em uma rede social, Felipe se intitula “mestre/doutor” em neurociência especializada em fisioterapia e também como psicanalista. Gattaz confirmou que há uma esfera da apuração policial que investiga esses títulos apresentados pelo empresário.
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— Há pessoas que já relataram que, inclusive, auxiliaram ele nos trabalhos da faculdade, que ele não fazia. E aí ele apresentava como se fosse dele, pra passar na faculdade. E alguns médicos confirmaram também que forneciam atestado pra ele apresentar e justificar as faltas na faculdade. Isso vai ser apurado, se ele merecia ter este diploma e formação — destaca o investigador.
Em 2019, o empresário foi condenado a oito anos de prisão pela Justiça do Paraná por atuar sem ter formação na área e vender medicamentos sem registro. À época, no entanto, cumpriu poucos meses de pena, foi solto e abriu a F Coaching em Joinville, que é a unidade principal, e ainda utilizava tornozeleira eletrônica durante os atendimentos.

Com o passar dos anos, segundo a Polícia Civil, Felipe teria sofisticado o esquema criminoso. Para não levantar suspeitas, após a primeira prisão, começou a fazer parcerias com nutricionistas, médicos e biomédicos para conseguir fazer as prescrições indevidas de anabolizantes, emagrecedores e fitoterápicos. Ele também contava com esses profissionais para fazer a aplicação de injetáveis dentro da própria clínica.
Gattaz confirma que a maioria dos presos na Operação Venefica é de pessoas que já trabalharam com o coach e que abriram negócios próprios após deixarem o esquema, executando o mesmo modus operandi. Além da mãe, que chegou a ir para a cadeia, a ex-esposa, que é nutricionista, está presa. Ela é apontada como a primeira sócia de Felipe na organização criminosa, que saiu e começou a própria sociedade criminosa após a separação.
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Próximos passos da investigação
Além das substâncias e produtos que foram apreendidos durante as diligências, os policiais também apreenderam documentos, celulares e computadores. Todos esses itens passam por perícia a fim de apontar outros envolvidos no esquema — desde fornecedores de remédios a contrabandistas e profissionais da saúde.
Nesta sexta-feira (25), os interrogatórios dos 13 presos serão finalizados e o inquérito policial deve ser concluído na próxima semana. Os suspeitos podem ser indiciados por integrar organização criminosa, lavagem de dinheiro, adulteração de medicamentos e crimes contra o consumidor, por enganar e colocar a saúde de pacientes em risco.
O delegado Neto Gattaz não quis fornecer mais detalhes para não atrapalhar as investigações, mas nas próximas fases da operação pode ser que outras clínicas de saúde ou estéticas passem a compôr um novo inquérito policial por suspeita de atuar da mesma maneira que Felipe.
A reportagem tentou contato com a defesa de Felipe Francisco, mas não teve retorno até o momento da publicação. Anteriormente, em convrsa com o AN, o advogado Sérgio Andrade havia informado que iria se manifestar somente após se inteirar das denúncias contra seu cliente.
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