A família de Franklin Cascaes tinha sítio em Itaguaçu, hoje parte continental de Florianópolis, onde cuidava da roça, do engenho da farinha e do açúcar, produzia tarrafas e pescava, como os antepassados faziam no Arquipélago de Açores, em Portugal. Nascido em 1908, Cascaes trabalhava no sítio desde menino, sem ir para a escola, por imposição do pai. Brincava de desenhar com carvão e moldar na areia da praia.
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Por volta dos 20 anos, estudou desenho e escultura na Escola de Aprendizes Artífices e, cerca de 10 anos depois, tornou-se professor nesta instituição. Foi por meio do desenho e da escultura, mais a escrita, que desenvolveu por 40 anos o trabalho como folclorista, artista e escritor.
Franklin Cascaes ficou bastante associado às bruxas e outros personagens fantasmagóricos, envolvidos em histórias amedrontadoras, de suspense, engraçadas. Retratava o imaginário coletivo dos habitantes de Florianópolis e região, com crenças, superstições e lendas herdadas de gerações anteriores.
Desde a infância, ao redor da fogueira, ouvia os trabalhadores do sítio contarem esses causos. Mas não se contentou com as próprias vivências e recordações para criar suas obras. “Viajava” ao interior da ilha e para comunidades mais distantes da faixa litorânea continental e lá passava alguns dias. Lugarejos com pouca interferência do centro urbano, onde os meios de comunicação não haviam chegado, alguns nem estrada e energia elétrica.
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Queria ouvir relatos daqueles moradores que preservavam a tradicional cultura de Florianópolis, herdada dos imigrantes açorianos, com influência dos africanos e indígenas. Ele gravou e escreveu diversos depoimentos. E, mais do que isto, se juntou aos locais para produzir farinha, puxar a rede cheia de peixes, participar das festividades.
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De volta à casa, fazia esculturas, desenhos e escrevia contos, reproduzindo o que registrava e ainda dando novas formas com um estilo próprio. Nas 24 narrativas do livro “O fantástico na Ilha de Santa Catarina”, transcreve o modo popular de falar, com linguagem e expressões típicas, uma das maiores influências açorianas e que se tornou uma marca de Cascaes.

O acervo dele tem centenas de páginas com anotações dos depoimentos recolhidos, do que observou, pesquisas que fez, dos textos que produziu em contos, crônicas e cartas. Inclui ainda cerca de 2,5 mil desenhos e esculturas de cerâmica, madeira e outros materiais. Mas o conjunto da obra é muito mais do que bruxas e seres fantasiosos. É também o registro histórico de Florianópolis tradicional, que o folclorista tanto apreciava e representou em detalhes: as procissões religiosas, presépios, maricota e boi-de-mamão, entre outros.
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O trabalho representa ainda a crônica da Florianópolis em transformações com a grande urbanização da época, o que, para Cascaes, era o embruxamento da cidade, metáfora recorrente na obra dele para criticar a destruição dos espaços naturais, o aniquilamento do estilo de vida tradicional e da identidade do povo. Antes da morte, que ocorreu em 1983, doou o acervo para o Museu de Arqueologia e Etnologia da UFSC.
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*Texto de Gisele Kakuta Monteiro
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