Em cima do palco, Jair Bolsonaro tenta remover a purpurina que brilha em seu cabelo quando é interrompido por mais manifestantes. Eles ocupam os fundos do auditório — a maioria tem entre 16 e 25 anos —, recebem vaias da plateia e desfraldam uma bandeira do arco-íris.

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— Eu beijo homem, beijo mulher, tenho direito de beijar quem eu quiser! — cantam todos em coro, para depois se beijarem na boca, rapazes com rapazes, garotas com garotas.

— Fora, comunistas! Fora, vagabundos! — rebate o público, já dando sinais de irritação.

Bolsonaro sorri no palco, tira mais purpurina do cabelo e ergue um boneco inflável. Começa a estapeá-lo. Enche de bolachas o pequeno Lula vestido de presidiário. A plateia vai ao delírio, grita “Bolsonaro, guerreiro, orgulho brasileiro”. Os militantes LGBT respondem aos berros de “fascistas” e, quando se preparam para deixar o auditório, começa a pancadaria.

Deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, famoso pelas posições conservadoras e pelos discursos incendiários contra os homossexuais, Jair Bolsonaro (PP) provocou alvoroço na Assembleia Legislativa nesta terça-feira à tarde. Em princípio, ele viria a Porto Alegre apenas para a cerimônia de posse do Comando Militar do Sul, que ocorreria à noite. Mas o deputado estadual Sérgio Turra (PP), quando soube da visita, decidiu convidá-lo para uma audiência pública no parlamento gaúcho.

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— Pô, mas veio logo de rosa? — zombou Bolsonaro ao perceber a cor da camisa do repórter de ZH. — Já que ninguém mais faz fiu-fiu para as mulheres, hoje vai ter um monte de gente fazendo para mim.

Direita o chamou de “mito”, e esquerda, de “homofóbico”

Ele se referia aos militantes LGBT, que haviam prometido um “beijaço” de protesto. Porque, se a presença de Bolsonaro não lotou o Teatro Dante Barone — só metade da capacidade foi ocupada —, conseguiu mobilizar os grupos mais barulhentos da direita, que o idolatram, e da esquerda, que o abominam. No início do evento, a maioria dos manifestantes já se posicionava nos fundos do auditório quando o deputado foi surpreendido por quatro militantes na entrada do palco.

— Homofóbico! Racista! — vociferaram eles ao jogar um saco de purpurina na cabeça do parlamentar.

— Esses idiotas não sabem que o seu ídolo, Che Guevara, matava homossexuais! — começou Bolsonaro e sua metralhadora giratória.

A cada frase de efeito, a plateia urrava de prazer, gritava “mito, mito, mito!”, em referência ao apelido Bolsomito cunhado pelo fãs. Havia jovens, senhores e senhoras, boa parte enrolados em bandeiras do Brasil. Uma das maiores ovações veio quando Bolsonaro expôs sua fórmula para resolver o problema da segurança pública: cortar os recursos para “os vagabundos dessas ONGs de direitos humanos” e revogar o Estatuto do Desarmamento:

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— Na ditadura, a gente comprava arma na Mesbla e ninguém sofria com a insegurança como hoje!

Acompanhado por deputados gaúchos, Bolsonaro simula uma metralhadora e defende população mais armada Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

— Tem que meter bala nos vagabundos! — respondia a plateia com os punhos cerrados.

Tanto acirramento não podia dar em boa coisa. Depois do beijaço, uma garota do grupo de esquerda se irritou quando um simpatizante de Bolsonaro pôs a mão em seu ombro para tirá-la dali. Ela empurrou o homem, que a empurrou de volta e, na sequência, já havia direitistas e esquerdistas rolando pelo chão do Teatro Dante Barone, trocando socos e pontapés até a segurança da Assembleia intervir.

Simpatizantes de Bolsonaro e manifestantes de esquerda entraram em confronto durante o evento na Assembleia Foto: Lauro Alves / Agencia RBS

— Tomei um soco na cara, meu, na cara! — dizia uma adolescente, chorando.

— Fui juntar os óculos de um colega e, quando vi, tinha um desgraçado no meu pescoço — afirmou um senhor que se identificou como Jorge Alberto Eisenhut, 66 anos. — Mas a minha função é bater em esquerdopata. Já bati nuns quantos, eu bato mesmo.

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E assim deu-se a passagem de Bolsonaro por Porto Alegre: com gritaria e intolerância.

Alguns diriam que foi a cara dele.