*Por Alexis Soloski
Uma coisa engraçada sobre o verão: ele é longo. E quente também. Este verão boreal chegou em meio a uma pandemia planetária.
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E, mesmo em um mundo mudado e em constante mudança, reservei um pouco de energia mental para não surtar quando penso de que maneira meus filhos, meu marido e eu chegaremos ao mês de setembro sem que o cérebro de todos se transforme em bala de goma. Vou ser clara: em um recente sábado chuvoso, assamos um bolo de banana e brincamos de jogos. Preparamos o almoço juntos, construímos uma lanterna de papelão e aprendemos sobre as constelações. Foi cansativo. E eles ainda viram dois filmes da Disney. Três meses com as escolas fechadas, meus filhos já assistiram a todos os programas, séries e filmes. Não sobrou nada.
No entanto, trabalhar em casa com crianças pequenas, um calvário e um privilégio, tem sido difícil desde que o agrarianismo teve origem. Os pais administraram essa questão por milhares de anos – sem creche, escolaridade obrigatória ou acampamento de férias. O que as crianças faziam o dia todo? Resposta curta: trabalhavam e brincavam, muitas vezes com a supervisão mínima de um adulto.
Infelizmente, como me disse Steven Mintz, autor de “Huck’s Raft: A History of American Childhood” (A Jangada de Huck: A História da Infância Americana, em tradução livre): “A pandemia tem exagerado e intensificado as piores características das brincadeiras das crianças de hoje: a intromissão dos adultos; o declínio das atividades físicas, sociais e ao ar livre; e a mediação das telas.” Ui!
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Diante disso, como nós adultos podemos melhorar essa situação enquanto permanecemos seguros, empregados e razoavelmente sãos? Seguem algumas ideias.
Voltemos às raízes. Voltemos ao passado!
Por e-mail, Mintz, professor de história da Universidade do Texas, em Austin, citou o quadro “Jogos Infantis”, de 1560, de Pieter Bruegel, o Velho. Essa pintura – que pode ser um pesadelo para os cumpridores do distanciamento social – mostra cerca de 100 jovens flamengos se divertindo com aros, pernas de pau, bolhas de sabão, bolinhas de gude, de vez em quando um balão feito com bexiga de porco e o auge da diversão: bater no outro com um açoite. Os pais flamengos estão em outro lugar, supostamente respondendo a e-mails ou abrindo uma cerveja.
O quadro sugere que muitas brincadeiras são atividades sociais, algo difícil de realizar em uma pandemia. Mas também indica que a vontade de brincar é natural e que crianças encontrarão uma forma de se divertir, sobretudo se você puder prover alguns brinquedos elementares: pipas, baralhos, blocos, bonecas, bolas, barcos e aviões de papel, uma mangueira (se você tiver uma), uma banheira cheia até a metade. Se tiverem um espaço seguro para brincar do lado de fora (onde os brinquedos são ainda mais rudimentares: pedaços de pau, pedras, terra) e você puder trabalhar de seu telefone enquanto elas brincam, melhor ainda.
Talvez esse seja um bom momento para rechaçar a ideia de que brincar deva ser algo educativo ou relacionado à ciência, à tecnologia, à engenharia e à matemática (Stem, na sigla em inglês). “Toda brincadeira é produtiva. As crianças aprenderão algo com o que fizerem”, afirmou Mintz.
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Aceite o tédio
Mesmo assim, talvez as crianças não queiram brincar sozinhas ou com um irmão, e talvez você tenha chamadas em conferência ou tópicos do Twitter para checar. O que significa que elas vão reclamar do tédio e, mais do que provavelmente, choramingar. O que você deve fazer? Nada.
Achar que devemos manter as crianças felizes e entretidas é, na verdade, uma mentalidade moderna e está relacionada a certos recursos e luxos. Em vez de tentar evitar o tédio, talvez seja o momento de dar as boas-vindas a ele e esperar para ver a reação das crianças. Tom Hodgkinson, autor de “The Idle Parent” (Os Pais Ociosos, em tradução livre), aconselhou a adoção de uma hora por dia de “fazer nada” – talvez menos, se seus filhos forem muito novos – e ir aumentando lentamente a duração. Se resistirem, ele sugeriu que se dobre o tempo de tédio – ler “Paraíso Perdido” ou assistir a um filme de Andrei Tarkóvski – para que acabem correndo para outro cômodo e fazendo outra coisa.
“Você poderia tentar entediá-las com suas brincadeiras para que elas inventem algo melhor. Seja uma mãe muito entediante”, aconselhou ele.
Faça você mesmo seus eventos culturais
Geralmente, nesta época do ano, minha área de trabalho do computador e minha mesa do escritório estão lotadas de lembretes sobre apresentações de teatro ao ar livre, shows no parque e instalações de arte que poderiam prender a atenção de uma criança por dez minutos inteirinhos. Agora, meu calendário está em branco.
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Se você não pode levar seus filhos a eventos culturais, peça que seus filhos tragam a cultura até você. “Seja como Louisa May Alcott. As irmãs March de ‘Mulherzinhas’ não gastam muito tempo pressionando para assistir a mais episódios de ‘My Little Pony: A Amizade É Mágica’. Em vez disso, inventam peças de mentirinha, escrevem jornais, costuram figurinos, interpretam em seu próprio circo e encenam ‘As Aventuras do Sr. Pickwick’, de Dickens”, sugeriu Mintz. (Segundo ele, “As Aventuras do Sr. Pickwick” não são empolgantes e, mesmo assim, elas brincam disso.) Seus esforços podem ser penosos, mas os 20 minutos que elas passarem preparando uma resenha elaborada de “Frozen 2” são 20 minutos para você fazer outra coisa.
Em duas palavras: mão de obra gratuita
As tarefas domésticas também podem se tornar uma brincadeira e, dependendo de quão bem ou mal as crianças as executem, podem ser de alguma ajuda. No século XIX, de acordo com Hodgkinson, “as crianças não eram vistas necessariamente como um fardo, mas sim como uma mão de obra bem-vinda”. Dê trabalho para elas.
“O importante é lembrar que as crianças querem ajudar, por isso tente incutir nelas o hábito de fazer algumas tarefas. É possível que uma criança de três anos separe a roupa para lavar e também se divirta. Crianças de seis anos conseguem preparar o café da manhã”, observou Lenore Skenazy, presidente da Let Grow, uma organização sem fins lucrativos que promove a “autonomia na infância”. Portanto, as crianças podem cozinhar, sim, e limpar também. Se você conseguir alguns minutos extras para gamificar a tarefa – uma abordagem no estilo da música “A Spoonful of Sugar” (Um pouco de Açúcar), de “Mary Poppins” –, elas podem até se divertir com isso.
Tudo isso vai passar
A pandemia não será para sempre. Provavelmente. Portanto, se for mais fácil, deixe de lado o pensamento convencional, dê férias ao sentimento de culpa – as mesmas férias que você não pode tirar agora – e supere esse momento. “Não pense que há algo errado com você ou que não está sendo o monitor perfeito do acampamento de férias que proporciona um verão excitante e divertido para todos. Quero dizer, dê um tempo a si mesmo”, disse Skenazy.
Se esse tempo envolver muitas telas, lembre-se de que novas formas de entretenimento e tecnologias – desde o surgimento da linguagem escrita até hoje – sempre atraíram suspeitas de que vão poluir ou corromper a mente dos jovens. E a maioria de nós tem ficado bem, independentemente de quantos episódios de “Os Smurfs” possamos ter visto de uma vez só. Os videogames possibilitam uma oportunidade de socializar; um musical virtual ainda é um musical; um tour virtual por uma galeria ou museu não é a mesma coisa que caminhar por seus corredores, mas aceite o que surgir.
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Descubra principalmente as atividades que suas crianças gostam de fazer e as incentive a colocá-las em prática. Ou vá na contramão: quando tiver tempo disponível, faça-as brincar daquilo que você gosta. No meu caso, isso significa jogos de tabuleiro e assistir a vídeos de teatro de brinquedos no YouTube e, de vez em quando, a um filme de Hayao Miyazaki. “Deixe que eles vejam muitos filmes. Essa situação é temporária; não será para sempre. Realmente, não devíamos ser tão duros conosco”, aconselhou Hodgkinson.
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