Quem utiliza o transporte público de Blumenau sabe, cada vez que desembolsa R$ 4,50 por uma viagem, o que compõem o preço da passagem? Este valor poderia ser reduzido ou está dentro da média do mercado?
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Estas e outras discussões são levantadas sempre que se discute o custo, a acessibilidade em termos de custo financeiro para o usuário e a qualidade do sistema que opera na cidade.
E os usuários, o que pensam sobre a qualidade do serviço? Confira, nesta quarta parte do especial “Transporte Público Collab”, sobre o que compõem a tarifa dos ônibus da cidade.
Reportagem também de Maria Luiza de Almeida Küster
O que pesa no custo da tarifa em Blumenau
De cada R$ 4,50 pagos por quem vive em Blumenau para andar de ônibus —considerando o valor da tarifa antecipada —, 43 centavos ficam no caixa da Blumob, a concessionária responsável pelo serviço.
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O montante representa 9,6% do preço de uma passagem, exatamente o percentual equivalente à taxa interna de retorno (TIR) prevista no contrato firmado com a prefeitura.
Não importa o que aconteça, a operação precisa garantir esse retorno financeiro à empresa.
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Os outros R$ 4,07 da tarifa representam os custos adicionais para pagar o sistema. A maior fatia é do motorista: são 96 centavos, 21,3% do total. Na sequência aparece o cobrador, com 62 centavos (13,8%), o que dá uma amostra do peso da mão de obra nas despesas.
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Pela atual convenção coletiva da categoria, o salário-base de quem dirige os ônibus é de R$ 2.771,74. Quem controla o fluxo na catraca e apoia o motorista em cada trajeto, o cobrador, ganha a partir de R$ 1.622,64. As remunerações serão reajustadas em fevereiro (2%) e maio (3,18%) de 2022, fruto de um acordo firmado em agosto deste ano para parcelar a reposição da inflação.
Combustível, insumo básico para fazer os coletivos circularem, representam 56 centavos na atual tarifa (12,5%), enquanto manutenção e seguro dos veículos respondem por 54 centavos (12,1%). Subsídios tarifários, como passagens gratuitas, e investimentos necessários no serviço têm peso parecido: cerca de 49 centavos, o equivalente a 10,9% do custo da passagem. Gastos administrativos representam 25 centavos (5,6%) e impostos respondem por 13 centavos (2,9%).
Desde que a Blumob começou a operar oficialmente em Blumenau, em julho de 2017, a passagem de ônibus já subiu 60 centavos — a proposta apresentada pela empresa na licitação foi de R$ 3,90. O atual modelo do sistema repetiu a concessão antiga na forma de remuneração. Ou seja, foi desenhado para que apenas a tarifa custeasse a operação.
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Hoje, com a crise desencadeada pela pandemia e a redução do número de passageiros, há consenso entre prefeitura, agência reguladora (Agir) e até mesmo entre trabalhadores que o sistema precisa de subsídios públicos para se pagar.
— Houve um desequilíbrio muito grande devido à pandemia porque o sistema ficou parado durante um bom tempo. Depois o transporte voltou, mas sem o público que gerava receita usando o sistema. Aí foi decidido fazer uma reestruturação para subsídio do sistema — explica o secretário de Trânsito e Transportes de Blumenau, Alexandro Fernandes.

A decisão pelo subsídio, na verdade, foi motivada por uma ação judicial da Blumob contra a prefeitura. Em agosto do ano passado, a empresa cobrou do município cerca de R$ 18 milhões em prejuízos acumulados com o tempo em que os ônibus ficaram parados nas garagens, logo após o governo de Santa Catarina decretar estado de emergência e restringir a operação do transporte coletivo em todo o Estado.
Em decisão do dia 21 de agosto de 2020, o juiz Raphael de Oliveira e Silva Borges, da 1ª Vara da Fazenda Pública, de Acidentes do Trabalho e Registros Públicos da Comarca de Blumenau, determinou que a prefeitura, em um prazo de 30 dias, tomasse as providências que entendesse necessárias para manter o transporte coletivo em funcionamento. As opções listadas foram subvenção ou encampação (assumir a responsabilidade ou anular o contrato).
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O município não foi obrigado a repassar de imediato o valor pedido pela Blumob, mas tomou a decisão de subsidiar parte do sistema. Até o fim deste ano, a prefeitura já terá desembolsado R$ 34 milhões para injetar na operação do transporte. Esse recurso precisou ser remanejado de outras secretarias para financiar o sistema, garantir o equilíbrio econômico da operação e minimizar impactos maiores no futuro reajuste da tarifa.
Modelo atual em discussão
Homem forte do orçamento municipal, o secretário de Gestão Governamental, Paulo Costa, já sinalizou que os aportes da prefeitura para manter o sistema de transporte público continuarão em 2022.
Para o advogado Raul Ribas, especialista em Direito Constitucional, mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e com atuação em Direito Público, a necessidade de subsídio não é restrita ao transporte coletivo de Blumenau. A discussão por aqui é recente, mas já é frequente em outras cidades.
— São Paulo destina anualmente R$ 2 bilhões por ano para subsídio do seu sistema, justamente porque a tarifa fixada lá, atendendo à modicidade, não cobre o custo do serviço e a remuneração (da empresa, a TIR) — exemplifica.
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Para o especialista, a pandemia, mesmo em se tratando de algo imprevisível, ajudou a escancarar deficiências do modelo adotado em Blumenau. Além da reavaliação de obrigações contratuais por parte da Blumob, a própria saúde financeira da concessão, na análise de Ribas, deve ser revista.
— Há uma dificuldade, não só em Blumenau, isso é uma realidade do país todo, da própria capacidade que o sistema tem de se autofinanciar. Essa é uma discussão que vamos passar a ter nas próximas décadas. Quem deve financiar? Só quem anda de ônibus? Ou será que temos que pensar em outro modelo onde quem usa o carro também financia? — provoca o advogado.
Fundo municipal é a solução?
Existem algumas alternativas em fase de discussão no município. No início de abril, o suplente de vereador Pradelino Moreira da Silva (PT), que na época ocupava uma cadeira na Câmara de Vereadores em um período de licença do titular Adriano Pereira (PT), apresentou a proposta para a criação de um fundo municipal para custear despesas e investimentos em controle, operação, fiscalização e planejamento do transporte coletivo de Blumenau.
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O projeto foi encabeçado pelo Sindetranscol, sindicato que representa motoristas e cobradores — Pradelino é vice-presidente da entidade. A ideia apresentada propunha usar valores de multas de trânsito e doações de empresas para ajudar a bancar os custos do sistema. Como a criação de um fundo municipal é competência do poder Executivo, a proposta foi encaminhada via indicação – que funciona como uma sugestão do vereador à prefeitura.

Na última semana, a Câmara de Vereadores aprovou a criação do Fundo Municipal de Transporte Urbano (FMTU), projeto do Executivo para subsidiar, entre outros, o serviço de transporte coletivo. Este recurso ajudaria a manter a viabilidade do transporte coletivo em Blumenau, que apresenta, principalmente após a pandemia, graves problemas de sustentabilidade financeira.
Essa é uma das ideias em análise nos processos de revisão da operação. A própria agência reguladora (Agir) já havia indicado, em parecer administrativo, possíveis caminhos para a racionalização financeira da operação. Entre eles, justamente, a criação de um fundo. Por ora, no entanto, ainda não há nada definido, apenas discussões prévias sobre o assunto.
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Menos horários e demanda em elevação
Com o retorno das atividades após a pior fase da pandemia de Covid-19 ter sido superada, o número de usuários do transporte público foi aumentando, gradativamente. O resultado é que os conhecidos “horários de pico” voltaram a apresentar ônibus lotados nas principais linhas.
No dia 6 de outubro, por exemplo, 61,5 mil pessoas usaram o transporte público da cidade. O recorde registrado desde o início das restrições relacionadas ao coronavírus. Ônibus cheios nos horários mais procurados em uma fase em que a pandemia de Covid-19 ainda não terminou elevam a preocupação dos usuários com a própria segurança e aumentam os debates sobre a qualidade do serviço oferecido pela Blumob.
Até o fim deste ano, 62% dos horários pré-pandemia já tinham sido restabelecidos. Apesar de o percentual estar em crescimento com o cenário de retomada econômica, ainda há uma lacuna a ser preenchida, principalmente nas linhas que se deslocam pelos bairros de Blumenau. É o caso, por exemplo, de Amanda Wilhelms, estudante de 22 anos.
De segunda a sexta-feira, Amanda pega um ônibus que sai da Itoupava Central com destino ao Centro às 5h54min, chegando no destino às 6h30min. Às 13h ela retorna para casa na Itoupava Central. Daí surge o primeiro desafio: se houver algum empecilho no trânsito, um acidente, ou um simples engarrafamento, ela não consegue chegar até 13h30min no Terminal do Aterro. Lá se vão mais 40 minutos de espera.
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Para ir à faculdade, mais dificuldades:
— Saio de casa às 17h30min e chego no Terminal do Aterro às 18h30min. É bem complicado. É o pior horários. Ônibus é hiperlotado e a fila é quilométrica.
A reportagem procurou a Blumob para saber se há previsão de inclusão de mais horários para o início de 2022, porém não obteve retorno até a publicação desta matéria.
O que é o Collab:
O projeto ‘Transporte Coletivo Collab’ é uma série de reportagens produzida entre o Santa, o curso de Jornalismo da Universidade Regional de Blumenau (Furb) e outros veículos de comunicação da cidade.