Dilma Rousseff se comporta como se ainda estivesse no Planalto. Desperta, faz seu exercício, toma uma ducha, maquia-se, veste roupa de trabalho e, às 8h30min, entra na biblioteca do Palácio da Alvorada, transformada em gabinete desde o seu afastamento. Voltado para a retomada das funções de presidente, o expediente só termina depois das 21h.
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Dilma ainda se adapta à nova rotina, iniciada em 12 de maio, com a abertura do processo de impeachment. A pedalada matinal deu lugar a caminhadas pelo bosque do Alvorada e os almoços são na residência oficial. O que segue igual é a convicção da absolvição pelo Senado por ausência de crime de responsabilidade. Nas conversas, evita verbos no condicional para expressar um retorno ao Planalto. Fala em lutar.
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Enquanto despacha, Dilma não menciona Eduardo Cunha (PMDB-RJ) ou Michel Temer. Só os cita em discursos e entrevistas. Ex-ministros e parlamentares relatam que ela mantém o estilo exigente. Seu humor melhorou, porém franze as sobrancelhas se ouve ou lê comparações do seu impeachment com o de Fernando Collor. Ela reforça que não cometeu desvios e rebate qualquer insinuação sobre renúncia:
— Não vão achar nada contra mim.
O fluxo no Alvorada é restrito. Convertida em “bunker”, a residência teve adaptações para acomodar 20 assessores que passaram a trabalhar no palácio, chefiados por Giles Azevedo. No térreo, as salas anexas à biblioteca receberam armários, mesas e computadores. No subsolo, a sala de jogos, com mesas de sinuca e carteado, virou um escritório. Próximo à garagem está o “setor jurídico”, onde ficam o ex-ministro José Eduardo Cardozo e Jorge Messias (o “Bessias”, do telefonema grampeado de Dilma a Lula).
Cardozo continua próximo da chefe. Almoça com ela, que segue a dieta Ravenna, porém, sem o rigor de outros meses. O círculo de Dilma continua o mesmo dos tempos no Planalto: Giles, Cardozo, Ricardo Berzoini e Jaques Wagner. Na última semana, falou com o ex-presidente Lula apenas por telefone. O último encontro ocorreu em 12 de maio, dia da despedida do poder.
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Iniciada na aprovação do impeachment na Câmara, a temporada de ligações e e-mails continua. Em momentos distintos, desde abril, a presidente afastada conversou com líderes como Pepe Mujica, Cristina Kirchner, Mauricio Macri, Evo Morales e François Hollande. Falou ao telefone com Chico Buarque e com a empresária Luíza Trajano. Recebeu mensagem de Beth Carvalho. Apreciadora de MPB, lamentou a morte de Cauby Peixoto. Ao ser comunicada, cantarolou Ronda:
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— De noite eu rondo a cidade a te procurar sem encontrar.
Pelo Twitter, Dilma reforçou o pesar e citou a composição de Paulo Vanzolini. Neste período de desterro, ficou mais “conectada”. Aposta no contato com os críticos de seu governo, que estão insatisfeitos com Temer. Na terça-feira, vibrou ao ver o protesto do elenco do filme Aquarius, que denunciou o “golpe” no Festival de Cannes.
Pelo Facebook, a equipe criou o Face to Face. Ao lado de ex-ministros, Dilma respondeu a perguntas e criticou Temer. Tereza Campello, Juca Ferreira e Carlos Gabas participaram do bate-papo. A estratégia online seguiu na sexta-feira, com a primeira viagem oficial de defesa do mandato. A presidente afastada foi a Belo Horizonte para encontro com blogueiros.

Os dias de labuta no Alvorada também tiveram costuras políticas. Na quinta-feira, Dilma recebeu os senadores Renan Calheiros (PMDB-AL) e Jorge Viana (PT-AC). A chegada teve polêmica. Quem se aproxima do palácio é parado em uma barreira de militares, identifica-se, informa o motivo da visita e aguarda a liberação. O rito deixou o carro do presidente do Senado parado por alguns minutos, para irritação de Viana. Os pedidos para reduzir o rigor foram ignorados pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Nas redes sociais, o caso é tratado como se Dilma estivesse sitiada sob ordens de Temer.
O alvo da articulação dilmista, que conta com aceno de Renan, está em 14 senadores com potencial de falta ou voto contra o impeachment no julgamento final, previsto para setembro. O placar da abertura do processo marcou 55 votos, um acima do necessário para cassar o mandato presidencial. A meta é virar a posição de, ao menos, cinco parlamentares. A estratégia foi discutida em um jantar oferecido por Dilma na terça aos senadores que votaram a favor dela.
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Entre taças de vinho gaúcho, o grupo apostou no fracasso de Temer, desgastado por atos impopulares e por dar espaço em seu governo para figuras suspeitas de corrupção. Um dos nomes mais próximos de Dilma, a ex-ministra Kátia Abreu (PMDB-TO) cobrou a apresentação de medidas em caso de regresso ao Planalto, promessas que buscam o apoio popular para pressionar o Senado. No Alvorada, ninguém jogou a toalha.
— Temos de apresentar um programa de governo. É quase como uma nova eleição — disse Kátia.
Perspectiva de visitas mais frequentes a familiares
No período de defesa do mandato, Dilma deve recorrer mais ao carinho da família, já de olho em seu retorno definitivo a Porto Alegre — no segundo semestre deste ano ou em janeiro de 2019. Pelos próximos meses, a tendência é de que aumente a frequência das visitas à filha, Paula, aos netos, Gabriel e Guilherme, e ao ex-marido, Carlos Araújo.
Parlamentares e ex-ministros atestam: o ar da zona sul da Capital a ajuda a relaxar. Foi assim no primeiro fim de semana depois do afastamento. Na sexta-feira à noite, Dilma desembarcou em Porto Alegre. Pedalou, curtiu os netos e a filha. Ficou até segunda-feira e retornou a Brasília para a semana de militância online e de articulações políticas. Na biblioteca do Alvorada, trabalha escoltada por fotografias de Paula e dos netos, sendo uma de Gabriel com a camisa do Internacional.

Nos planos de Dilma consta o regresso a Porto Alegre no futuro. A família tem sugerido a busca por uma morada maior, também na Zona Sul, a fim de acomodar o acervo da primeira mulher a governar o Brasil. Dilma resiste, pois gosta do apartamento no bairro Tristeza.
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Uma das preocupações da presidente afastada é com sua biografia. Ela quer deixar claro que não enriqueceu na vida política. Pretende rodar no Fiat Tipo 1996, que está em uma garagem no Alvorada. Planeja uma rotina simples, de compras em feiras, passeios por livrarias e idas a teatro, cinema e concertos.
Sede do PT transformada em fábrica de relatórios para opor gestão Temer
A nove quilômetros do Palácio da Alvorada está outro centro da defesa do mandato de Dilma Rousseff. A sede do PT em Brasília se converteu no “núcleo de inteligência” da resistência. Um time enxuto de ex-ministros e ex-assessores migrou para o local, que ganhou caráter de fábrica de relatórios para rebater acusações de Michel Temer e criticar as medidas da gestão provisória, como cortes em programas sociais, reforma da Previdência, mudanças no SUS e o fim do Ministério da Cultura, revisto no sábado. Os dados são checados e complementados pela equipe de Sandra Brandão, auxiliar de Dilma conhecida como “Google do Planalto”, por dominar números do governo.
A comunicação entre o Alvorada e a sede do PT é feita por Ricardo Berzoini. Diariamente, o ex-ministro passa pelos dois locais. Conversa com Dilma, ouve pedidos da presidente e dá sugestões. Depois, distribui as tarefas e parte para contatos políticos. As informações produzidas na área de inteligência são repassadas ao time de redes sociais de Dilma e aos parlamentares. Para um discurso, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) solicitou dados sobre saúde. Recebeu uma pasta recheada de números e explicações, usados no pronunciamento da tribuna da Câmara.
— São produzidos relatórios diários sobre diferentes áreas. Fornecemos argumentos para o debate sobre os programas de governo — explica Carlos Gabas, ex-ministro da Previdência e da Aviação Civil, que passou a trabalhar no núcleo do Alvorada.
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A saída da Esplanada aliviou a rotina dos ex-ministros, parte com rendimentos assegurados pela quarentena. Na última semana, Gabas conseguiu almoçar e caminhar despreocupado com a mulher pelo setor hoteleiro de Brasília.
Na mesma região, na terça-feira ao meio-dia, Miguel Rossetto entrava sem pressa no flat em que mora, com uma garrafa de água em uma sacola plástica. No intervalo de reuniões do PT, ele aproveitou para comprar livros para presentear amigos. Ligado a Dilma, Rossetto partiu para uma agenda de viagens pelo Brasil em “defesa da democracia”. Na sexta-feira, participou de um debate na Universidade Federal da Bahia. Pretende intensificar eventos em sindicatos, escolas e associações.
— Vamos vencer o debate contra esse governo golpista, que vai reduzir direitos dos trabalhadores — prega Rossetto.