*Por Jane E. Brody
Das muitas histórias tristes que li ou ouvi durante essa tenebrosa pandemia, uma delas é tão terrível que é praticamente criminosa. A manchete, na capa do "The New York Times" de 12 de abril, dizia: "Prateleiras vazias, mas agricultores jogam alimentos no lixo — leite, ovos e legumes são enterrados ou descartados".
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Naquele dia, eu estava pesquisando a insegurança alimentar e os números crescentes de casos de doenças metabólicas como uma razão frequentemente negligenciada das doenças relacionadas ao Covid e de mortes entre afro-americanos, hispânicos e pessoas que vivem em comunidades pobres.
O artigo falava sobre um desperdício absurdo de alimentos – dezenas de milhões de quilos de comida fresca, incluindo 14 milhões de litros de leite por dia, que os agricultores não podem vender porque restaurantes, hotéis e escolas foram fechados em um esforço tardio para conter a pandemia. Parte da produção excedente foi doada a bancos de alimentos e a programas que receberam uma demanda enorme de comida para os mais necessitados, mas que são incapazes de estocar e distribuir alimentos perecíveis.
Apesar de capacidade dos EUA de produzir um grande volume de alimentos saudáveis, menos de 20 por cento dos americanos são saudáveis do ponto de vista metabólico, afirmou o dr. Dariush Mozaffarian, diretor da Faculdade Friedman de Ciências e Políticas da Nutrição, da Universidade Tufts, há cerca de uma semana. Ele citou um estudo nacional publicado recentemente, que descrevia dietas pobres como "a principal causa da falta de saúde nos EUA" e a causa de mais de meio milhão de mortes todos os anos.
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Mozaffarian explicou que a falta de saúde metabólica é o principal fator por trás das doenças cardiovasculares, do diabetes tipo 2 e de cânceres relacionados à obesidade, que deixaram tantos norte-americanos portadores de problemas nutricionais especialmente vulneráveis ao coronavírus que praticamente paralisou o país.
"Apenas 12 por cento dos norte-americanos não têm pressão sanguínea elevada, colesterol alto, diabetes ou pré-diabetes. As estatísticas são aterrorizantes, mas, ao contrário da Covid-19, elas são suficientemente graduais para que as pessoas ignorem o problema. Entretanto, além da idade, essas comorbidades são os principais fatores de risco de morte pela Covid-19", disse ele em uma entrevista recente.
As características do que os médicos chamam de síndrome metabólica – excesso de gordura em torno da barriga, hipertensão e níveis elevados de açúcar, de triglicérides e de colesterol na corrente sanguínea – suprimem o sistema imune e aumentam o risco de infecções, pneumonia e câncer. Todos esses problemas estão associados a inflamação generalizada de baixa intensidade, explicou Mozaffarian, "e a Covid mata por causar uma reação inflamatória que interrompe a capacidade do corpo de lutar contra os patógenos".
Assim, o bem-estar metabólico de muitos americanos corre ainda mais risco devido ao limite atualmente aconselhado de idas ao supermercado, ao consumo elevado de alimentos enlatados e embalados ricos em gordura, açúcar e sal, e ao estresse emocional que leva muitas pessoas a comer "bobagens" sem valor nutricional.
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A pandemia da Covid expôs antigas desigualdades que geram altos custos e ameaçam vidas na sociedade americana. As pessoas que vivem em comunidades desprivilegiadas, especialmente as não brancas, são as que sofrem o impacto mais severo das infecções por Covid-19. Porém, enquanto problemas relacionados com a dieta aumentam a vulnerabilidade ao vírus, pouca atenção é dada à falta de acesso a alimentos saudáveis, capazes de manter a saúde metabólica e um sistema imune vigoroso.
Claramente, quando a pandemia acabar, seremos obrigados a dar muito mais atenção à dieta dos norte-americanos se quisermos evitar calamidades médicas, econômicas e sociais no futuro, não importa qual seja o patógeno.
O estudo citado por Mozaffarian, publicado em março em comemoração aos 50 anos da Conferência da Casa Branca sobre Alimentação, Nutrição e Saúde, chegou na hora certa. O texto destaca que "a desnutrição severa foi amplamente substituída pela insegurança alimentar – a disponibilidade limitada ou incerta de alimentos e bebidas seguros e nutricionalmente adequados", uma circunstância que, em 2018, afetava 14,3 milhões de famílias nos EUA.
O governo gasta cerca de 70 bilhões de dólares ao ano para ajudar famílias e indivíduos em situação de risco alimentar por meio do Programa de Assistência à Suplementação Nutricional (SNAP, na sigla em inglês). Mas, a não ser pela proibição da compra de bebidas alcoólicas e de alimentos que podem ser consumidos nos mercados, o SNAP não define os tipos de alimentos que as pessoas podem comprar com o dinheiro dado pelo Estado.
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Em vez de limitar que tipos de alimentos as pessoas podem comprar com o dinheiro do SNAP, os especialistas estão desenvolvendo programas que as ajudem a escolher alimentos e bebidas que melhorem a saúde. Por exemplo, em alguns estados os usuários recebem 30 por cento a mais para comprar alimentos como frutas, vegetais e grãos integrais. Outra proposta, porém, sugere uma queda de 30 por cento no benefício de quem compra refrigerantes e salgadinhos.
Para as pessoas que não precisam de ajuda do Estado para comprar comida, estratégias fiscais podem ser usadas para aumentar o custo de alimentos e bebidas que sejam menos saudáveis, e usar o imposto arrecadado para diminuir o preço de alimentos saudáveis.
Além disso, diversos programas piloto foram capazes de demonstrar que fornecer alimentos saudáveis a pessoas que tenham doenças causadas por sua dieta resulta em economia de dinheiro e em benefícios à saúde.
O Sistema de Saúde Geisinger, da Pensilvânia, iniciou em 2016 um programa chamado Fresh Food Farmacy, para fornecer alimentos nutritivos gratuitos a pessoas em situação de risco alimentar diagnosticadas com diabetes tipo 2 e à família delas.
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A organização criou uma despensa no centro clínico de Shamokin, na Pensilvânia, que fornece frutas, vegetais, grãos integrais e proteínas magras em quantidade suficiente para alimentar cada família com duas refeições saudáveis por dia, cinco dias por semana, assim como um cardápio e receitas semanais.
Entre os primeiros 95 membros do programa, houve uma queda de 40 por cento no risco de morte ou de complicações graves, além de uma queda de 80 por cento nos custos médicos a cada ano, de acordo com a dra. Andrea T. Feinberg e seus colegas.
Em 2018, a John Hancock substituiu suas habituais apólices de seguro de vida pela John Hancock Vitality, que fornece incentivos financeiros para promover estilos de vida mais salutares, incluindo até 600 dólares por ano para comprar alimentos mais saudáveis.
Em outubro, a Kaiser Permanente iniciou o programa Food for Life para melhorar o acesso a alimentos saudáveis, acreditando que isso poderia reduzir em 45 por cento os gastos com cuidados médicos. Como primeira medida, pessoas que recebem o benefício do SNAP receberão refeições prontas feitas sob medida para os pacientes e a família deles.
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No ano passado, Mozaffarian e seus colegas publicaram um breve relatório intitulado "Food Is Medicine – The Promise and Challenges of Integrating Food and Nutrition Into Health Care" (Comida é Remédio – A promessa e os desafios da integração alimentar e nutricional nos cuidados com a saúde, em tradução livre), na revista científica "JAMA Internal Medicine".
Ao promover os benefícios do acesso a refeições criadas sob medida para as necessidades alimentares de pacientes em situação de risco alimentar e sua família, eles perceberam que as doenças relacionadas às dietas levaram a desempenhos inferiores na escola e no trabalho, além de gastos mais elevados com a saúde e queda na produtividade e nos salários.]
Em outras palavras, manter uma dieta mais saudável é um investimento que sempre compensa. E não há melhor momento para começar do que agora, quando o mundo inteiro busca reencontrar o caminho da saúde.
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